ADÁN BUENOSAYRES – Leopoldo Marechal – Ediciones Corregidor
Leopoldo Marechal é um dos autores mais injustiçados da literatura argentina… Colaborador de revistas literárias como Proa e Martin Fierro, era amigo de Jorge Luis Borges, Vitoria Ocampo e demais escritores… Porém sua adesão ao peronismo e a forma irônica com que expôs a intelectualidade portenha em seu romance de estréia editado em 1948, colocou-o em um ostracismo… na época, somente um jovem escritor elogiou o livro… um tal de Julio Cortázar…
Este livro nunca foi traduzido em português…. Uma falha gravíssima de nossas editoras (inclusive da Livraria Martins Editora, que pertenceu a meu avô, que lançou Antônio Cândido, Lygia Fagundes Telles e Jorge Mautner, mas não lançou Leopoldo Marechal em solo brasileiro)…
O livro começa com “O Prólogo Indispensável” onde um narrador denominado L.M. descreve o enterro do personagem Adán Buenosayres e informa que irá narrar seus derradeiros dias e também dois textos escritos por Adán: “O Caderno de Capas Azuis” e “A Viagem a Obscura Cidade de Cacodelphia” . Na verdade nesta parte inical já está prefigurado o final do livro, como bem observa Javier de Navascués no prólogo do livro, citando “East Coker” de T. S. Eliot: “In my beginning is in my end, in my end is my beginning.”
Depois do prólogo, temos sete livros, os cinco primeiros descrevem os últimos dias do escritor: o despertar do protagonista, sua conversa com seu vizinho de quarto de pensão, Samuel Tesler (baseado no escritor Jacobo Fijman), as andanças em Vila Crespo, onde avista a igreja do Cristo de mãos quebradas, sua incursão em uma tertúlia literária no bairro de Saavedra onde ele entrega sua obra literária “O Caderno de Capas Azuis” àquela a quem tanto ama, Solveig Amundsen… esta, recusa a leitura e lhe devolve a obra… a partir daí uma serie de acontecimentos se sucedem com o protagonista e seus amigos, todos baseados em pessoas reais: além da similaridade de Samuel Tesler/Jacobo Fijman, Jorge Luis Borges é Luis Pereda, Xul Solar é Schultze, Raúl Scalabrini Ortiz é Bernini, Norah Lange é Solveig Amundsen, etc. Estes cinco livros são narrados em tom de epopéia com um paralelismo com a Odisséia, numa clara referência a Ulisses de James Joyce.
Já no sexto livro “O Caderno de Capas Azuis”, o tom muda, uma vez que não é uma obra escrita por Leopoldo Marechal, mas por seu personagem Adán Buenosayres… o estilo rebuscado lembra as obras do Século de Ouro da literatura espanhola, e em alguns momentos parece“O Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, embora seja muito improvável que Leopoldo Marechal tivesse contato com a obra do escritor português.
O último livro é uma descida a Cidade de Cacodelphia, uma região infernal, onde Adan guiado por Schultze é conduzido aos círculos infernais em uma clara referência à Divina Comédia de Dante Alighieri, e também no final a Metamorfose de Kafka…
Adán Buenosayres é uma livro em que uma série de lacunas e elipses deixam uma obra em aberto, sujeita a uma série de conjecturas, por exemplo: não fica claro se “O Caderno de Capas Azuis” foi escrito antes ou depois de “A Viagem a Obscura Cidade de Cacodelphia”, e tanto uma quanto outra hipótese alteram significativamente o sentido da obra… Tive a felicidade de adquirir este exemplar na Feira do Livro de Buenos Aires, mas quem encomendá-lo e se aveturar a lê-lo será recompensado com um tipo de obra que foge do cânone da literatura latino-americana reconhecida, e que avança por territórios desconhecidos dentro um sofisticado contexto filosófico composto por Pseudo-Dionísio Areopagita, Leão Hebreu (Judá Abravanel), Plotino, Santo Agostinho, São Boaventura, etc. Segue um pequeno exemplo:
“A verdade é infinita – disse –. E me parece que há duas maneira de abordá-la: uma é do vidente que, ao reconhecer a importância de sua finitude ante ao infinito, pede para ser assimilado pelo infinito pela virtude do Outro e pela morte de si mesmo – meu Caderno de Capas Azuis! -; a outra é a do cego que trata de abarcar o infinito com sua própia finitude, a qual é matematicamente impossível.” (Leopoldo Marechal, a tradução é minha).
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