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{ Tag Archives } literatura

ATOS HUMANOS – Han Kang – Editora Todavia – Tradução Ji Yun Kim

No meu modesto conhecimento de literatura não li muitos vencedores do prêmio Nobel, somente Thomas Mann, Luigi Pirandello, T.S. Eliot, William Faulker, Winston Churchill, Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Pablo Neruda, Gabriel Garcia Márquez, Octavio Paz, Kasuo Ishiguro e Annie Ernaux … é muito pouco, por isso é sempre recomendável aumentar a lista, mesmo que este prêmio não signifique muita coisa, afinal Jorge Luis Borges, James Joyce, Guimarães Rosa, Marcel Proust, Erza Pound, Haroldo de Campos, Fernando Pessoa, Antonio Tabucchi, Georges Perec , Hida Hilst, W. G. Sebald ou Thomas Pynchon não ganharam o prêmio Nobel.

Neste intuito resolvi ler “Atos Humanos” escrito pela sul-coreana Han Kang, a mais recente vencedora deste prêmio, embora não com esta obra…

Utilizando várias formas narrativas, o livro mostra diversos personagens vivendo em tempos distintos, porém cujas vidas se entrelaçam em torno de um personagem central, o estudante Dongho, vítima do massacre de Gwangiu, uma insurreição ocorrida entre 18 a 27 de Maio de 1980, contra o ditador Chun Doo-hwan que havia dado um golpe de estado em 12 de Dezembro de 1979.

Expondo facetas da fragilidade humana e da ausência de valor da vida em um ambiente repressivo, o livro exprime uma mensagem de resiliência ao mal, que a primeira vista parece ser exclusiva do pensamento oriental, mas que também é encontrada nas passagens dos evangelhos de Mateus (5,38) e Lucas (6,29), quando Jesus fala em oferecer a outra face (há inclusive um capítulo em que uma personagem descreve separadamente os sete tapas na cara que recebeu em um interrogatório).

Confesso que não é um livro que me extasiou, porém na época atual com tantas mazelas, uma obra que exalte de forma poética a solidariedade, a entrega descompromissada, a dignidade humana,mesmo não sendo genial,  sempre merece ser lida.

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EL LIBRO DE TODOS LOS AMORES – Agustín Fernández Mallo – Editora Seix Barral

Mescla de romance e ensaio o livro conta a estória de um professor de latim uruguaio que passa um ano sabático em Veneza, enquanto que sua namorada, uma escritora (também uruguaia), que está escrevendo um tratado sobre o amor, retorna a cidade para reencontrá-lo. A narração ocorre algum momento do presente século, quando a sociedade caminha para a beira de um colapso. 

Intercalado com a narrativa das andanças do casal, segue em paralelo, o texto que a escritora está escrevendo: uma série de pequenos diálogos e um inventário  das mais diversas formas de amor.

Li este livro no começo do ano, agora releio-o pinçando um ou outro pedaço, em um processo de lenta digestão literária… vejam só que interessante é esta reflexão, que traduzi assim:

“Ela lhe disse:

        O amor é uma fantasia.

Ele lhe disse:

       Mas é uma fantasia exata.

A tecnologia, em todas sua variantes mais especialmente desde a aparição da eletrônica e mais tarde das redes sociais, tem experimentado um crescimento exponencial. Entretanto, a percepção que nós humanos temos de nosso entorno não cresce exponencialmente, porém acontece sempre em um mesmo ritmo, linearmente. Tal falta de conciliação entre ambos fenômenos indica, em primeiro lugar, que já faz muitos anos que o avanço tecnológico escapa a nossa apreensão do entorno – cada vez menos imediato e mais vasto – , e em segundo lugar que chegará um dia no qual o crescimento exponencial da tecnologia será tão ascendente que quase alcançará a linha vertical, quando então nem sequer poderemos detetar o que nos rodeia. Não haverá então percepção humana que possa assistir a tal mudança; o entorno tecnológico fugirá de nós, sem mais nem menos. Mas isto também indica que o amor – coisa que no ser humano aparece súbita e instantâneamente , e que portanto cresce de modo exponencial – será a única coisa que em sua fuga poderá acompanhar a tecnologia. Será então o amor a solitária testemunha que dará conta dos acontecimentos.  Não sera a “Internet das coisas” o que nos salvará da solidão individual, mas o amor das coisas. Pode ser inclusive que pelas leis elementais do contágio viral o amor se faça tecnologia, e vice-versa, a tecnologia adquira um halo de pulsão amorosa até agora somente possível nos ossos da coxas das fadas e nos solitários olhos dos cíclopes (Amor exponencial).”

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LOS INGRÁVIDOS – Valeria Luiselli – Editora Sextopiso

Recentemente foi publicada uma lista dos críticos do New York Times com os vinte melhores livros do século XXI e para a minha surpresa não constava nenhum livro de Valeria Luiselli… na minha opinião “O Arquivo das Crianças Perdidas” deveria estar incluído nesta lista… senão este, pelo menos algum outro desta autora… como este por exemplo…

Em minha recente visita a Espanha, comprei este exemplar em um livraria em Córdoba… ao chegar ao hotel descobri que já havia lido este livro em Pindorama, só que com outro nome… no caso, o livro foi publicado aqui como “Rostos na Multidão” (*) pela editora Alfaguara (tradução de Maria Alzira Brum Lemos). Mas mesmo assim, resolvi relê-lo, desta vez no idioma original… 

O livro é narrado em três vozes narrativas que dialogam entre si, todas em primeira pessoa: uma quando a narradora estava trabalhando em uma editora em Nova Iorque e morava em apartamento minúsculo, outra em uma época posterior, quando a mesma, recém casada e com dois filhos (um dos quais recém nascido), começa a se ambientar em uma casa na Cidade do México. A Terceira voz narrativa é uma pseudo-autobiografia do poeta mexicano Gilberto Owen (escrita, na verdade, pela narradora), na qual ele interage com Frederico Garcia Lorca e o poeta Joshua Zvorsky, (**).  Na confluência destes discurssos narrativos, observamos a mão de uma grande autora em início de carreira, na qual temas como solidão, abandono, aparições fantasmagóricas em viagens no tempo e espaço, história da literatura (e seus possíveis engôdos), maternidade, etc., se entrelaçam, formando um conjunto conciso.  Não sei se na primeira leitura eu estava destatento aos detalhes, ou se é só na releitura que começei a perceber as camadas ocultas na obra… mas valeu a pena eu ter me enganado naquela livraria em Córdoba e ter comprador este livro.

(*) Em inglês o livro também foi publicado com este título: “Faces in the Crowd” baseado em um poema de Erza Pound muitas vezes citado ao longo da obra, “In a Station of the Metro”

“The apparition of these faces in the crowd:

    Petals on a wet, black bough.”

(“ A aparição desses rostos na multidão:

 Pétalas em um galho molhado, preto.”)

Vale citar que “ingrávidos” em espanhol não designa falta de gravidez e sim falta de gravidade… em português seria como “Os Sem Peso”.

(**) Na verdade se trata do poeta Louis Zufofsky. Embora Owen, Garcia Lorca e Zufolsky tenham morado em Nova Iorque na mesma época, não existe registro de que eles tenham convivido, como sugere a pseudo-autobiografia.

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A VIDA E AS OPINIÕES DO CAVALHEIRO TRISTRAM SHANDY – Laurence Sterne – Tradução: José Paulo Paes – Penguin Companhia

Um fato pelo qual sempre serei curioso é como este livro publicado em nove volumes entre 1759 e 1767 tenha tido tanto sucesso de público em sua época. Afinal  o livro não tem muita estória e esta, avança e volta em uma série de digressões desfocadas.

Desde a concepção do protagonista, Tristram, quando antes do ato sexual, a mãe pergunta se seu pai havia dado corda no relógio e a falta de concentração derivada desta interrupção, segundo o pai, principia o mau destino do filho, até o erro no nome no registro do batismo (de Trismegistro pasou a ser Tristram), que também segundo o seu pai, iria trazer o mau agouro, são passados 4 volumes, ou seja, trata-se de um relato autobiográfico no qual o protagonista é batizado quase a metade do livro. 

Depois a estória prossegue a passos mancos na tentativa de aproximação entre o tio de protagonista , Tolby, e a viúva Wadman,  passando depois a uma viagem de Tristram já adulto, ao continente europeu  entremeada por outra viagem do mesmo em sua juventude acompanhado pelo tio e pelo pai.

Então por quê o sucesso de Sterne, citado por Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e que infuenciou James Joyce, Virginia Woolf entre outros?

Porquê neste caso, o que importa não é o significado e sim o significante, ou seja não é a estória, mas sim a forma com que a mesma é contada… 

Tristram Shandy é revolucionário: a dedicatória e prefácio estão na metade do livro, a estória muitas vezes é paralisada  e retomada páginas e páginas após muitas e muitas digressões… no livro IV o capítulo 24 é suprimido (a página 359 vai para 370), pois o capítulo ficou tão bom que o autor o retirou pois achou que iria destoar da obra… há uma página em branco para que o leitor desenhe a viúva Waidman, pois a personagem era tão bonita que Sterne ao invés de descrevê-la, prefere que o leitor desenhe seu próprio retrato… 

Após ler esta exuberante obra, percebi a dívida dos diretores do Cinema Marginal com o autor irlandês… é irrelevante especular se Rogério Sganzerla, Júlio Bressane, Andrea Tonacci, Ozualdo Candeias, Elyseu Visconti Cavalleiro, etc, leram ou não Sterne… o importante á descobrir que  muito antes da realização destes filmes já havia sido extruturada uma linguagem não linear, repleta de digressões e monólogos interiores… se nossos brilhantes cineastas realizaram o “Cinema de Invenção” (na definição do crítico Jairo Ferreira), Laurence Sterne seguindo os passos de Miguel de Cervantes, séculos antes inaugurou a escrita da invenção…

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NARRATIVAS INQUIETAS – Joseph Conrad – Editora Perspectiva – Tradução: Alcebiades Diniz Miguel

Este livro apresenta duas faces menos conhecidas de Conrad: contista e dramaturgo.

Vamos começar pela última, Joseph Conrad dramaturgo… na verdade o escritor nunca escreveu diretamente para o teatro… o que fez foram adaptações de seus contos para as artes cênicas… neste volume temos dois exemplos: “Anne Gargalhada” e “Mais Um Dia”, a última uma transcrição do conto “Amanhã” presente na mesma edição… é muito interessante ler o conto – que é uma visão alternativa da estória bíblica do filho pródigo – e sua adapatação para o teatro depois.

Com relação ao Joseph Conrad contista, temos que observar que ao contrário de contistas famosos com Poe, Borges ou Cortázar que fazem contos curtos  com um climax  que vai se amenizando, os contos de Conrad são longos a tensões vão se desenvolvendo ao longo da narrativa.

Uma das faces de Conrad que mais aprecio é a sua visão geopolítica, … Neste aspecto “Il Conde: Uma Narrativa Patética”, “Um Anarquista: Um Conto de Desespero”, e “Karain – Reminiscências” são exemplares… o primeiro profetizando o surgimento da máfia, o segundo mostrando o trabalho escravo na Guiana Francesa e os movimentos anarquistas franceses, e o terceiro explorando as contradições entre a cultura do colonizador e loucura dos povos primivos, e por falar em loucura, esta permeia outros dois contos: “Os Idiotas” e “Amanhã”…

Porém na minha humilde opinião “O Retorno” é o ponto máximo do livro… aqui nada de mares, rios e florestas tropicais conradianas, aqui o conto se passa em uma residência londrina e o enredo é uma simples briga de casal… nada de ação… aqui o crescimento da tensão narrativa é estruturado por uma sucessão de silêncios e ruídos, de claros e escuros, de rostos mutiplicados por espelhos, enfim, cinema na forma de literatura… e tanto assim que foi adaptado para a grande arte no filme Gabrielle de Patrice Chéreau… Agora, nesta questão de rostos mutiplicados por espelhos, fico pensando… será que este aspecto do conto não influenciou aquele pequeno pedaço do capítulo 12 do Ulisses de James Joyce, onde o enlutado jovem senhor Dignam para ao observer um cartaz de boxe em uma vitrine onde “dos espelhos dois jovens senhores Dignam de luto observavam silenciosamente embasbacados…”? Ou voltando a falar de cinema: será que este truque de imagens refletidas em espelhos presente neste conto de Conrad, não influenciou a cena final do filme “A Dama de Shangai” de Orson Welles?  

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FREYA DAS SETE ILHAS – Joseph Conrad – Grua Livros – Tradução: Eduardo Marks de Marques

Aprofundando a metáfora de Cortázar refente ao boxe e à literatura em prosa, os contos seriam como lutas de boxe amador, somente três assaltos, onde os lutadores tem que golpear o máximo que puderem em pouco tempo; as novelas seriam lutas de oito assaltos; enquanto que os romances seriam lutas de 12 assaltos, ou mesmo aquelas de 15 assaltos que eram travadas nos anos 70 e que foram suprimidas (para preservar a integridade física dos lutadores).

A novela por ser um gênero intermediário, costuma ser posta de lado pela crítica, apesar de existirem grandes obras do gênero como “Metamorfose” de Franz Kafka, “Os Mortos” de James Joyce, “O Alienista” de Machado de Assis,“Baterbly” e “Benito Cereno” de Herman Mellville ou “Noturno Indiano” de Antonio Tabucchi.

Joseph Conrad, que dominava tanto os romances como os contos, também se sai bem em novelas, como “O Duelo” e “Freya das Sete Ilhas”, embora estas duas (as únicas que eu li) não atinjam a grandeza de seu mais famoso romance, nem possam ser elencadas como os exemplos de gênero literário retromencionados.

Tal qual seus famosos romances “Lord Jim” ou “Coração das Trevas”, “Freya das Sete Ilhas” é narrada por um contador de estórias, que se recorda de um velho dinamarquês chamado Nielsen que se estabelece em uma pequena ilha perto de Bangka na Indonésia, onde passa a ser chamado de Nelson e vive em compania de sua filha, Freya, uma linda loura que passava horas tocando um piano que ele havia trazido de Cingapura… Nelson recebe constantemente a visita de um jovem comerciante inglês, Jasper Allen e de um ofical holandês, Heemskirk, ambos interessados em sua filha… Mas é em torno de um outro personagem que a estória se desenvolve… um personagem inanimado… é o barco “Bonito” que pertence a Jasper Allen… Através dele que Conrad desenvolve seu pessimismo fatalista, que sem deixar de lado a geopolítica da época, mergulha nos abismos da maldade humana… 

Embora não seja uma obra essencial como mencionado no penúltimo parágrafo, “Freya das Sete Ilhas” não deixa de ser uma narrativa dos mares tropicais escrita por um autor citado por Francis Ford Coppola ou por T.S. Eliot…

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FREDERICO GARCIA LORCA – ANTOLOGIA POÉTICA – Selección, presentación y notas: Andrew A. Anderson – Editado por Disputación de Granada

Quando viajo, além de comer e beber os produtos locais, procuro ler algum autor local… assim li Jorge Luis Borges e Leopoldo Marechal na Argentina, Felisberto Hernandez no Uruguai, Fernando Pessoa e Almada Negreiros em Portugal, Bolaño e Neruda no Chile, Dyonelio Machado no Rio Grande do Sul, etc…

Assim sendo, em minha recente viagem ao sul da Espanha, procurei ler um autor andaluz, no caso Frederico Garcia Lorca… No caso, conhecia muito pouco: um poema dele citado em “Trilogía de la Guerra” de Agustin Fernández Mallo (*), o Garcia Lorca como personagem do livro “Los Ingrávidos” de Valeria Luiselli (**) e as diversas homenagens prestadas a ele pelos poetas daqui, como Hilda Hilst, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Vinicius de Moraes, etc…

Havia comprado esta antologia há dez anos, quando estive em Granada, e só li agora… não sabia o que estava perdendo… ela é muito bem organizada, mostrando os diversos aspectos da multifacetada poesia de Garcia Lorca: desde criações da juventude aos poemas del cante jondo (dedicados ao flamenco), do cancionero gitano aos poemas de Nova York (onde Lorca estudou na Universidade de Columbia), de sonetos até poemas em prosa e até mesmo poemas no dialeto galego.

Na poesia de Frederico Garcia Lorca, tal variedade de significantes (formas de poesia) dá expressão a uma outra variedade de significados (temas): do mar à terra seca, de estórias bíblicas a unicórnios e cíclopes, do entardecer em Nova York à noite na Andaluzia, do lamento de um pé de laranja seco às meditações e alegorias da água, da criança qua acaba de nascer ao noturno do adolescente morto, de poemas festivos às poesias de caráter social, como “Degollación de Los Inocentes” (que além de profetizar de certa forma seu assassinato pelas forças de Franco, permanence tremendamente atual, vide os genocídios dos palestinos em Gaza ou da população negra nas periferias de Pindorama).

Na verdade esta antolgia é só a ponta de um iceberg, pois como define seu organizador, Andrew A. Anderson: “ a obra lorquiana é como uma flor maravilhosa que não para de se abrir e que nunca fica murcha, e o leitor apaixonado é como um explorador deslumbrado que não acabará nunca de descobrir terras incógnitas com raras e novas belezas e verdades insuspeitadas.”

Aqui vão duas pequenas citações, a primeira é um fragmento de um poema juvenil, onde as rimas internas llanto/santo e melancolía/preludia/melodía/Andalucía cria um ritmo musical preludiado por uma orquestra muda:

 “Gran misticismo de luz y llanto.

Silencio santo. Melancolía.

La muda orquesta de la penumbra

preludia grave su melodía. 

Luna en los pueblos de Andalucía.”

O segunda citação são somente dois versos de um poema nova-iorquino, onde Lorca sintetiza todo um tratado de filosofia shopenhaueriana:

“No preguntarme nada. He visto que las cosas

cuando buscan su curso encuentran su vacio.”

(*) O La Aurora

(**) Aqui “Los Ingrávidos” (Os que não tem peso) foi publicado como “Rostos na Multidão” pela Editora Alfaguara – tradução de Maria Alzira Brum Lemos.

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FAT CITY – Leonard Gardner – Tradução para o espanhol: Juan Nadalini – Chai Editora

Fat City (*) de John Huston é um dos meus filmes prediletos, tanto que em 1990 eu pintei um quadro em homenagem a esta obra. Porém nunca havia encontrado o livro que dera origem a famosa película… realmente as editoras de Pindorama deixam muito a desejar quanto a lançamentos de títulos extrangeiros, mas recentemente, observando uma livraria portenha, descobri uma tradução espanhola deste livro.

Leonard Gardner, é mais um daqueles escritores de um só livro… nascido em Stockton (subúrbio de Los Angeles) em 1933, frequentou um ginásio de boxe na cidade, e aos dezenove anos foi tentar ser escritor na Cidade do México, rumando depois para São Francisco, onde escreveu Fat City, publicado em 1969. Originalmente o livro tinha cerca de 400, páginas, mas Gardner foi limando a obra até que ficasse com menos da metade de páginas da versao inicial… Quando Huston resolveu levar a estória para as telas, chamou Gardner para fazer a adaptação cinematográfica… O trabalho não deve ter sido difícil, pois os capítulos do livro são estruturados tal qual takes cinemátográficos, e como os diálogos são bem estuturados, foi só transpô-los para o filme, porém os finais são diferentes, embora não excludentes…

É um livro sobre boxe, sobre a Stockton dos anos 70, sobre o trabalho dos bóias frias e outros sub-empregados californianos, sobre redenção, sobre amor, sobre amizade, etc… poderia aqui elencar muitas virtudes, mas só o fato de ter sido por John Huston já diz tudo, uma vez que este grande cineasta só filmava literatura de qualidade: Herman Melville, James Joyce, Malcolm Lowry, Rudyard Kipling, Dashiel Hammett, Tennessee Willians, B. Traven, etc.

(*) No Brasil o filme foi batizado “Cidade das Ilusões”, passou no cimena e na TV, porém nunca foi lançado em VHS ou DVD.

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ADÁN BUENOSAYRES – Leopoldo Marechal – Ediciones Corregidor

Leopoldo Marechal é um dos autores mais injustiçados da literatura argentina… Colaborador de revistas literárias como Proa e Martin Fierro, era amigo de Jorge Luis Borges, Vitoria Ocampo e demais escritores… Porém sua adesão ao peronismo e a forma irônica com que expôs a intelectualidade portenha em seu romance de estréia editado em 1948, colocou-o em um ostracismo… na época, somente um jovem escritor elogiou o livro… um tal de Julio Cortázar…

Este livro nunca foi traduzido em português…. Uma falha gravíssima de nossas editoras (inclusive da Livraria Martins Editora, que pertenceu a meu avô, que lançou Antônio Cândido, Lygia Fagundes Telles e Jorge Mautner, mas não lançou Leopoldo Marechal em solo brasileiro)…

O livro começa com “O Prólogo Indispensável” onde um narrador denominado L.M. descreve o enterro do personagem Adán Buenosayres e informa que irá narrar seus derradeiros dias e também dois textos escritos por Adán: “O Caderno de Capas Azuis” e “A Viagem  a Obscura Cidade de Cacodelphia”       . Na verdade nesta parte inical já está prefigurado o final do livro, como bem observa Javier de Navascués no prólogo do livro, citando “East Coker” de T. S. Eliot: “In my beginning is in my end, in my end is my beginning.”

Depois do prólogo, temos sete livros, os cinco primeiros descrevem os últimos dias do escritor: o despertar do protagonista, sua conversa com seu vizinho de quarto de pensão, Samuel Tesler (baseado no escritor Jacobo Fijman), as andanças em Vila Crespo, onde avista a igreja do Cristo de mãos quebradas, sua incursão em uma tertúlia literária no bairro de Saavedra onde ele entrega sua obra literária “O Caderno de Capas Azuis” àquela a quem tanto ama, Solveig Amundsen… esta, recusa a leitura e lhe devolve a obra… a partir daí uma serie de acontecimentos se sucedem com o protagonista e seus amigos, todos baseados em pessoas reais: além da similaridade de Samuel Tesler/Jacobo Fijman, Jorge Luis Borges é Luis Pereda, Xul Solar é  Schultze, Raúl Scalabrini Ortiz é Bernini, Norah Lange é Solveig Amundsen, etc. Estes cinco livros são narrados em tom de epopéia com um paralelismo com a Odisséia, numa clara referência a Ulisses de James Joyce.

Já no sexto livro “O Caderno de Capas Azuis”, o tom muda, uma vez que não é uma obra escrita por Leopoldo Marechal, mas por seu personagem Adán Buenosayres… o estilo rebuscado lembra as obras do Século de Ouro da literatura espanhola, e em alguns momentos parece“O Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, embora seja muito improvável que Leopoldo Marechal tivesse contato com a obra do escritor português.

O último livro é uma descida a Cidade de Cacodelphia, uma região infernal, onde Adan guiado por Schultze é conduzido aos círculos infernais em uma clara referência à Divina Comédia de Dante Alighieri, e também no final a Metamorfose de Kafka…

Adán Buenosayres é uma livro em que uma série de lacunas e elipses deixam uma obra em aberto, sujeita a uma série de conjecturas, por exemplo: não fica claro se “O Caderno de Capas Azuis” foi escrito antes ou depois de “A Viagem a Obscura Cidade de Cacodelphia”, e tanto uma quanto outra hipótese alteram significativamente o sentido da obra… Tive a felicidade de adquirir este exemplar na Feira do Livro de Buenos Aires, mas quem encomendá-lo e se aveturar a lê-lo será recompensado com um tipo de obra que foge do cânone da literatura latino-americana reconhecida, e que avança por territórios desconhecidos dentro um sofisticado contexto filosófico composto por Pseudo-Dionísio Areopagita, Leão Hebreu (Judá Abravanel), Plotino, Santo Agostinho, São Boaventura, etc. Segue um pequeno exemplo: 

“A verdade é infinita – disse –. E me parece que há duas maneira de abordá-la: uma é do vidente que, ao reconhecer a importância de sua finitude ante ao infinito, pede para ser assimilado pelo infinito pela virtude do Outro e pela morte de si mesmo – meu Caderno de Capas Azuis! -; a outra é a do cego que trata de abarcar o infinito com sua própia finitude, a qual é matematicamente impossível.” (Leopoldo Marechal, a tradução é minha).

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SOBRE A AMIZADE E OUTROS DIÁLOGOS / SOBRE A FILOSOFIA E OUTROS DIÁLOGOS / SOBRE OS SONHOS E OUTROS DIÁLOGOS – Jorge Luis Borges e Osvaldo Ferrari – Tradução: John O´Kuinghttons – Editora Hedra

Em 1984 Jorge Luis Borges participou de uma série de conversas sobre literatura com o poeta, ensaísta e jornalista Osvaldo Ferrari que foi transmitida pela Rádio Municipal de Buenos Aires. Após a morte de Borges estas conversas foram transcritas nesta série de livros com breves ensaios, cada qual com um tema do agrado do mestre argentino, muito bem conduzidas por Ferrari, que possuiatexto enorme afinidade com os assuntos abordados. Curioso que como Borges encontrava-se cego desde meados dos anos 50, trata-se de literatura oral, na qual o bruxo de Palermo citava frases de memória e discorria sobre a obra dos mais variados autores como Spinoza, Voltaire, Edgar Allan Poe, Mark Twain, Guiraldes, Kipling, Kafka, Dante, etc. , e também sobre temas como budismo, I Ching, a memória, a metáfora, a ética, a amizade, os sonhos, a filosofia, etc…

O mais interessante destes livros é o fato de que dentro de um tema, Borges relacionava o tema principal a outro tema, e este outro tema à um terceiro tema, tal qual elos de uma corrente, por exemplo: em um dos programas “Conrad, Melville e o mar”, ele começa com “Moby Dick”, depois passa para “Relato de Arthur Gordon Pym” de Edgar Allan Poe, daí vai para a etmologia das palavras black e blanco, segue comparando o último verso do Inferno, da Divina Comédia de Dante, com o final de “Moby Dick”, para depois discorrer sobre a semelhança das paisagens dos livros de Conrad com as do rio Paraná, explica porque prefere a palavra “bengala” em português a “bastón” em espanhol, e por fim se indaga por que o mar está  presente na literatura portuguesa, escandinava e francesa, mas ausente na literatura espanhola.

Quem está familiarizado com a obra de Borges e com a dos autores citados (ou pelo menos uma parte deles, como no meu caso) irá apreciar estes três livros… quem nunca leu Borges, sem problemas… comecem por “Aleph”, depois leiam “Ficções” e assim por diante… depois, se tiverem oportunidade leiam esta triologia… neste percurso vocês irão adquirir uma enorme bagagem intelectual e espiritual!!!

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