A VIDA E AS OPINIÕES DO CAVALHEIRO TRISTRAM SHANDY – Laurence Sterne – Tradução: José Paulo Paes – Penguin Companhia
Um fato pelo qual sempre serei curioso é como este livro publicado em nove volumes entre 1759 e 1767 tenha tido tanto sucesso de público em sua época. Afinal o livro não tem muita estória e esta, avança e volta em uma série de digressões desfocadas.
Desde a concepção do protagonista, Tristram, quando antes do ato sexual, a mãe pergunta se seu pai havia dado corda no relógio e a falta de concentração derivada desta interrupção, segundo o pai, principia o mau destino do filho, até o erro no nome no registro do batismo (de Trismegistro pasou a ser Tristram), que também segundo o seu pai, iria trazer o mau agouro, são passados 4 volumes, ou seja, trata-se de um relato autobiográfico no qual o protagonista é batizado quase a metade do livro.
Depois a estória prossegue a passos mancos na tentativa de aproximação entre o tio de protagonista , Tolby, e a viúva Wadman, passando depois a uma viagem de Tristram já adulto, ao continente europeu entremeada por outra viagem do mesmo em sua juventude acompanhado pelo tio e pelo pai.
Então por quê o sucesso de Sterne, citado por Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e que infuenciou James Joyce, Virginia Woolf entre outros?
Porquê neste caso, o que importa não é o significado e sim o significante, ou seja não é a estória, mas sim a forma com que a mesma é contada…
Tristram Shandy é revolucionário: a dedicatória e prefácio estão na metade do livro, a estória muitas vezes é paralisada e retomada páginas e páginas após muitas e muitas digressões… no livro IV o capítulo 24 é suprimido (a página 359 vai para 370), pois o capítulo ficou tão bom que o autor o retirou pois achou que iria destoar da obra… há uma página em branco para que o leitor desenhe a viúva Waidman, pois a personagem era tão bonita que Sterne ao invés de descrevê-la, prefere que o leitor desenhe seu próprio retrato…
Após ler esta exuberante obra, percebi a dívida dos diretores do Cinema Marginal com o autor irlandês… é irrelevante especular se Rogério Sganzerla, Júlio Bressane, Andrea Tonacci, Ozualdo Candeias, Elyseu Visconti Cavalleiro, etc, leram ou não Sterne… o importante á descobrir que muito antes da realização destes filmes já havia sido extruturada uma linguagem não linear, repleta de digressões e monólogos interiores… se nossos brilhantes cineastas realizaram o “Cinema de Invenção” (na definição do crítico Jairo Ferreira), Laurence Sterne seguindo os passos de Miguel de Cervantes, séculos antes inaugurou a escrita da invenção…
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