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fevereiro 2010
Neste final de semana fomos para Bueno Brandão, uma cidadezinha simpática no sul de Minas Gerais em meio a esta paisagem exuberante…
para variar tinha muitas e muitas quedas d’água, esta chama-se cachoeira do Felix…
e esta cachoeira do Machado…
nesta que é a cachoeira do Sossego, pensei se “o tempo” é um rio em que não podemos nos banhar duas vezes na mesma água (como dizia Heráclito), o que seria “a cachoeira”???
Seria um momento que o tempo (rio) se vai bruscamente??? Seria as cachoeiras o equivalente aos bons momentos da vida em que o tempo (rio) escorre depressa???
Depois de tais filosofias nada melhor que uma cachaça local para acompanhar as “mineirutudes tutuativas” feitas neste fogão a lenha…
e para fechar com chave de ouro a tradicional foto da igreja da Matriz!!!
Pouca gente sabe, mas no início dos anos oitenta participava de um grupo musical muito bom, que tocava uma música dodecafônica com toques de serialismo e outras coisas mais… chamava-se Dentro do Piano alguns integrantes viraram músicos como o André Magalhães, Paulo Padilha, o Sérgio e Sidney Molina… outros se tornaram arquitetos, atrizes, físicos entre outras profissões…
As pessoas menos informadas, falavam que éramos uma imitação de Arrigo Barnabé, sem saber que a mistura de música atonal com música brasileira começou bem antes, na verdade o primeiro com o disco do gênero é “Dédalus” de Marcus Vinícius de 1970… depois apareceu Alcides Neves que lançou um LP com uma mistura de música nordestina com música dodecafônica chamado “Tempo de Fratura” em 1979… então era um gênero músical que estava sendo explorado, ninguém imitava ninguém, cada um tinha o seu estilo, nossas letras não eram flash-backs do cotidiano, nem eram sociais… nossas letras estavam mais próximas da estética do Cinema de Invenção (ou Cinema Marginal), isto ocorreu sem querer, pois na época nenhum de nós já tinha visto qualquer filme do gênero. Quanto ao som, o vocal tendia mais para o jogral-radiofônico, com um pianista genial (uma espécie de Jimi Hendrix do piano, que abria o tampo do instrumento e harpejava enfurecidamente as cordas expostas), um violonista-concertista e uma banda competente…
Outro dia uma das integrantes, a Maria Paula, mandou-me um arquivo com letra de “Maldição Número 1”, a nossa melhor obra, quando eu conseguir o audio, prometo que publico.
O Dentro do Piano era composto por Aline (vocais), Maria Paula Zurawski (vocais), Aluísio Dutra Jr. (baixo), André Magalhães (bateria), Baixo Ribeiro (percursão), Cristian (vocais), José Geraldo Martins (guitarra), José Roberto B. Oliveira (piano), Paulo Padilha (violino), Sérgio Molina (guitarra) e Sidney Molina (vilão).
MALDIÇÃO NÚMERO 1 (1981)
(Sidney Molina/ José Roberto B. Oliveira)
1 – Por que você me trouxe até aqui?
2 – Não temas…
1 – Aonde você vai? Não me deixe aqui!
2 – Venha, venha…
1 – Estamos ilhados. As águas, as águas! Vamos ser tragados!
2 – Para sempre! Para sempre!
1 – Mas eu nunca pulei dessa altura antes.
2 – Então vire à direita, sempre à direita.
2 – O sexto degrau, o sexto degrau!
1 – Não, o sétimo, o sétimo!
2 – O sexto, desça até o sexto degrau.
2 – O sétimo, sim, o sétimo!
2 – Volte… volte… volte para o décimo primeiro…
1 – A porta.
2 – A porta.
1 – A porta, agora?
2 – A porta.
2 – A porta.
1 – Então… a porta.
1 – Aaaaaah! Essa luz… essa luz!
2 – Intensa.
1 – O astro está em chamas.
2 – Mas as Escrituras, as Escrituras!
1 – Não, eu não respiro ar condicionado.
2 – Rasteje, rasteje de volta (com toda a força!)
1 – Não.
2 – Pule a cerca de arame.
1 – Mas como, se a laje está cheia de óleo?
2 – A verdade é uma só.
1 – Quando, quando?
2 – E a múmia?
2 – A múmia… a múmia do faraó!
1 – Não…! Todos os homens são diferentes. Os vírus, os vírus, mate-os com a faca, aaai!
Está muito frio aqui fora…
1 – Não me lembro de mais nada.
2 – Beba isto.
1 – Mas como? Mas como?
2 – Isso é problema seu.
2 – É. Isso é problema seu.
1 – O cachorro está solto. Meus pés! Meus pés não me obedecem. Não consigo correr. Ele vai me pegar.
2 – Atravesse a estrada a pé, atravesse!
1 – Ahhh! Ele me mordeu. Ficou pendurado.
2 – Atravesse a faixa no meio do sinal.
1 – Não posso. Meu sapato ficou preso no formigueiro.
2 – Seu filho de uma corda! Saia do meio da avenida!
2 – Você tá estimulando o trânsito.
1 – O asfalto está muito quente!
2 – Claro! À noite ele conserva calor.
1 – Aaah! Eu quero sair daqui.
2 – Passe entre os automóveis.
1 – Mas é muito estreito.
2 – Vire-se rápido. Suas calças estão caindo.
1 – Não consigo alcançá-las.
2 – Vire-se, vire-se… Isso é problema seu.
1 – Já sei. Vou tomar o elevador.
2 – Espere. Antes atenda ao telefone.
1 – Oh! O caminhão não tem parâmetros.
2 – Está ouvindo a música? Enquanto isso, conte as notas.
1 – A ignição falhou.
2 – Então desça da árvore.
1 – Quando?
2 – Segunda-feira.
1 – estou ficando cego ou equivalente|! Fechem os meus olhos.
2 – Mas você é muito volátil.
2 – Tudo é uma farsa. Dentro do piano. Dentro do piano.
1 – Xii! O despertador não tocou.
(Toca o despertador.)
1 – Aaah!
2 – A múmia!
E à medida que a múmia se aproximava, ele ia perdendo a visão. Durante a queda, sua mente imaginava: onde será o fim do túnel?
Tagged músicaA VERDADEIRA ESTÓRIA DE JOSUÉ JAMIL
Na primeira vez que Josué Jamil viu um retrato de James Joyce, percebeu que os comentários eram reais… quais comentários??? os comentários que asseguravam que ele era um sósia perfeito do escritor irlandês… isto fez com ele, um reles escriturário, se interessasse pela obra de um renomado escritor e também passasse a se vestir como tal… gostou de tudo que leu (até de Finnegans Wake., por incrível que pareça…), mas para ele a melhor obra de Joyce era “Ulisses”, romance que se passa em apenas um dia no qual há um paralelo entre a estória narrada (no caso o cotidiano de um corretor de anúncios chamado Leopold Bloom) e a epopéia de Homero, significando que um simples dia no nosso cotidiano pode ser tão intenso ou significativo quanto uma epopéia…
Mas por mais que Josué Jamil tivesse gostado de “Ulisses” ele achava que estava faltando algo… o que??? ele não sabia o que era, mas sabia que estava faltando alguma coisa e achou que se passasse a ler os outros grandes autores ele iria descobrir… então ele começou a ler… a ler vários autores…. quais autores ??? Machado, Melville, Goethe, Homero, Shakespeare, Dante, Cervantes, Blake, Borges, Baudelaire, Poe, Pessoa, Eliot, e vários outros, mas ao ler Camões é que Josué Jamil teve o estalo… qual estalo ??? simplesmente ele percebeu que “Os Lusíadas” era a primeira epopéia moderna, e que o grande erro de “Ulisses” era o fato de Joyce ter não usado a obra de Camões como base para seu livro revolucionário, mas utilizado “A Odisséia”, ou seja, utilizado uma epopéia antiga como fundo para uma estória que ocorre em 16/06/1904… o melhor, seria se Joyce tivesse se baseado em uma epopéia moderna, no caso “Os Lusíadas”…
“- Já sei !!!” pensou… “Vou escrever um livro baseado na epopéia de Camões!!!”
Da mesma forma que James Joyce entitulou seu livro com o nome do herói (“Ulisses)” de uma epopéia (“Odisséia”), Josué Jamil pensou em intitular seu livro com o nome do herói de “Os Lusíadas”, no caso: “Vasco da Gama”…
Mas havia um problema…qual problema??? Josué Jamil era são-paulino doente, (se vestia sempre com uma gravata no padrão da camisa do clube e usava exageradamente um anel com o distintivo do clube), sendo que não tinha boas recordações da final do campeonato brasileiro de 1989 (em que o tricolor paulista perdeu para a equipe cruz-maltina), de modo que a nova obra, a que iria revolucionar definitivamente a literatura, jamais poderia se chamar “Vasco da Gama”… “- Depois eu coloco o título.” pensou o nosso protagonista, na verdade ele ainda não sabia nem sobre o que escrever… pensou, pensou e pensou… e descobriu… descobriu o que??? descobriu que deveria escrever um romance autobiográfico e que o evento mais significativo para ele havia sido a final do mundial interclubes de 1992 … logo o romance deveria se passar somente em um dia, mais precisamente na data do jogo entre São Paulo X Barcelona em 12/12/1992… um pouco de tempo depois o nosso protagonista descobriu algumas outras analogias… quais analogias??? analogias complexas demais para serem explicadas detalhadamente neste breve relato, mas analogias entre “Os Lusíadas” e o jogo de futebol retro-mencionado…
O Lusíadas estão dividos em quatro partes: proposição (Canto I: 1-3), invocação (Canto I: 4-5), dedicatória (Canto I: 6-18) e narração (Canto I: 19 até o final :144), sendo que a entrada dos times em campo seria uma analogia da “proposição”, os times cantando o hino seriam uma analogia da “invocação”, a partida seria uma analogia da “narrativa” e os vencedores recebendo os troféus seriam uma analogia da “dedicatória”… Se analisarmos atentamente a partida veremos como ela se assemelha a narrativa… o gol do búlgaro Stoitchkov aos 12 minutos seria uma analogia da emboscada que os mouros moçambicanos armaram contra os portugueses no final do Canto I, o gol de empate de Raí após a bela jogada de Muller aso aos 27 minutos do primeiro tempo seria uma analogia da chegada de Vasco da Gama a Calicute no início do Canto VII, e o gol da vitória na perfeita cobrança de Raí seria uma analogia do episódio no Canto X em que Vasco da Gama contempla a Máquina do Mundo…
Logo o romance de Josué Jamil estava estruturado…mas como é que estava estruturado??? seria uma narrativa da primeira vez que um jovem de Jundiaí iria a região da 25 da de Março no centro de São Paulo, lá ele compraria incensos e outros artigos indianos para a sua namorada, depois se dirigiria para o Mercadão onde compraria um litro de azeite português (para sua mãe) e uma garrafa de um licor de ervas catalão (para o seu pai), no retorno a sua cidade natal se encontraria com um amigo na rodoviária local onde assistiriam a final do Mundial de Interclubes na TV de um boteco próximo… e ao chegar em casa encontraria sua namorada dormindo , vestida com um pijama em que a palavra SIM estaria estampada no peito… cada episódio da narrativa teria uma contrapartida nos “Os Lusíadas”, e também uma outra contrapartida na referida partida de futebol, havendo inclusive 23 personagens correspondentes aos 23 jogadores que disputaram a peleja… a questão que faltava era o nome do livro… e sabem qual o nome escolhido??? a obra iria se chamar “Raigama” … e o que significava esta palavra??? era um neologismo que misturava o nome do capitão do escrete tricolor com o sobrenome do navegador português…
Depois de sete anos, o livro ficou pronto, onde a estória ocupava um pouco mais de cem páginas, enquanto que o apêndice explicando detalhadamente as analogias retro-mencionadas possuia cerca de quatrocentas páginas… Josué Jamil levou os originais do livro a diversos editores, que sempre recusavam a publicação desta obra complicada… até que conseguiu publicá-la… mas conseguiu como??? ora, depois de tentar em vários locais ele procurou Louis Monterrey, o rei do Marketing Editorial… Louis após ouvir a sinopse da obra e folheá-la por alguns minutos, disse o seguinte:
“- Meu amigo, esqueça esta idéia de querer fazer um “Ulisses” melhorado, um livro não pode ser aperfeiçoado, uma obra-prima então, nem pensar… um livro não é como um automóvel que é aperfeiçoado ano após ano… um livro é um livro, apenas… faça o seguinte: jogue fora este chapéu e esta bengala ridícula, você é o Josué Jamil e não o James Joyce!!! em seguida raspe a cabeça e passe a se vestir com uma túnica branca… então aí poderemos publicar o livro, mas terei que fazer duas modificações…”
“ – Mas você não pode mexer no texto,!!! Isto eu não permito!!!” respondeu o nosso protagonista…
“ – Mas quem disse que eu vou mexer no texto??? nada disso… só vamos substituir este enorme apêndice explicativo por um prefácio adequado e mudar a ortografia do título… só isto!!!”
O que dizia o prefácio??? dizia que aquela estória era universal pois se tratava da analogia de uma iniciação espiritual (por isso que o título era indiano, apesar da estória se passar no centro de São Paulo e em Jundiaí) e que todo cidadão que a lesse se tornaria uma pessoa diferente porque esta estória poderia acontecer com qualquer um de nós…
Hoje Josué Jamil é um escritor realizado… seu livro de estréia “Rayghama” com um belo prefácio de Luigi Montessori (um dos pseudônimos de Louis Monterrey), foi o primeiro de uma série de obras de enorme sucesso editorial (todas com nomes indianos, ou melhor, pseudo-indianos)… ele parou de comer carne e de beber (pelo menos em público, é claro) e com a cabeça raspada, a túnica branca a as sandálias de couro, aparenta ser um autêntico mestre espiritual… a única coisa que destoa em seu visual é o inseparável anel com o distintivo de clube de futebol…
Tagged mini-contosjá saiu a TUDA deste mês… Pra variar fiz a capa e publiquei um mini-conto ilustrado … A novidade é a participação da Suzana Cano com uma crônica belíssima… No mais TUDA continua a ser a revista genial sempre foi com a poesia de Arnaldo Xavier, com uma crônica inspirada de Roniwalter Jatobá, um ensaio do Ronald Augusto, a poesia de Joaquim Cardoso, a pintura de Mari Khnkoyan, entre tantas outras participações resplandescentes!!!
Tagged tuda