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outubro 2012
Já saiu a nova TUDA de outubro, desta vez a ênfase vai para Portugal… Além das minhas humildes contribuições tem a poesia de Arnaldo Xavier, a crônica de Roniwalter Jatobá, e também tem a pintura de Nadir Afonso, e Almada Negreiros, e muitos mais…
Aliás por falar em Almada Negreiros, vai a citação:
“No suplemento literário do Times do dia 12 de janeiro de 1933 encontrei numa crítica a um livro intitulado As artes visuais e na qual estava a única definição de Arte que até hoje me satisfaz :’ A Arte não é um aspecto da vida ; é o todo da vida visto debaixo de um aspecto’ ”
( Almada Negreiros )
Tagged tudaA INCRÍVEL ESTÓRIA DE ODAIRE VOLTAIRE
1- IR
Definitivamente, Odaire Voltaire Itaglianinni Mouzinho não era um pessoa com uma vida comum… nascera em outubro de 1944, durante o bombardeio de Roma… filho do filósofo português Moacyr Mouzinho e da escritora italiana Itala Itaglianinni… seu pai fugira do Portugal salazarista, sua mãe filha de uma condessa russa com um aristocrata genovês, se desiludira da cultura ocidental…
Apesar de uma infância de privações, o nosso protagonista participou como figurante do filme “La Strada” de Frederico Fellini em 1952, onde aparece em uma praça em meio a pessoas que assistiam a um circo de rua… neste dia, durante as filmagens ele fez uma promessa para si mesmo: -”Io diventerò un artista” (*)
Na juventude formou um das primeiros grupos de rock italianos, o “L’effervescente Zucchine” cujo principal sucesso era “Il Tempo È Dalla Mia Parte” uma versão italiana de “Time Is On My Side”… até hoje ele guarda uma foto da banda, e não se cansa de mostrar para seus amigos de bar…
O “L’effervescente Zucchine” fez um enorme sucesso na Itália, seus shows eram sempre espetaculares, desde as apresentações nos ginásios das principais cidades (Roma, Firenze, Milão Turim, etc.) até as pequenas turnês como a da Sicília no verão de 1963 ou a da Costa Amalfitana durante a primavera de 1964…. porém seguindo o caminho oposto ao do grupo de rock brasileiro “Os Incríveis” que estourou na Itália, o “L’effervescente Zucchine” achou que poderia fazer sucesso em Pindorama …
Ledo engano… a sonoridade da banda era muito avançada… uma espécie de dodecafonismo psicodélico… a turnê foi um fracasso total… talvez se eles tivessem vindo ao Brasil na época da tropicália a estória poderia ser outra… Todos retornaram para o país natal, menos Odaire Voltaire, que familiarizado com a lingua portuguesa (afinal era um Mouzinho), resolveu ficar para ver no que dava…
Largou então a música e passou a se dedicar às artes plásticas, expondo junto com Gershman, Antônio Dias e Maurício Nogueira Lima… participou da exposição de arte “Apocalipopótese” no aterro do Flamengo em 1968, junto com Hélio Oiticica, Lygia Clark, Rogério Duarte, etc… lá conheceu Lúcia Laércia, que no ano seguinte iria tornar-se sua esposa… porém após o casamento rumores e boatos que diziam que ele era um membro das Brigate Rosse, obrigaram nosso protagonista e sua esposa (grávida nesta altura do campeonato) a deixarem Pindorama através da República Oriental (traduzindo: sairem do Brasil através do Uruguai)…
2- VOLTAR
Uma vez em meados dos anos setenta em um pequeno bar perto da estação de trem de Brindisi, Odaire Voltaire puxou conversa com o famoso cantor Domenico Modugno, e após beber uma longa série de dry-martinis, começou a contar sobre sua vida… disse que vivera no Brasil e que lá havia se casado com uma bella ragazza, mas que havia voltado à Itália onde havia tido uma filha… logo depois se separou… a ex-mulher continuou a morar na Itália, mas nunca o deixou se aproximar da criança…de vez em quando ele ligava fingindo que era engano, só para ouvir a voz da criança no telefone… Domênico Modugno ouviu a estória com lágrimas nos olhos… semanas depois Odaire Voltaire entrou em uma sorveteria perto da Fortezza Vecchia em Livorno e ouviu uma nova canção de Modugno: “Piange il Telefono”… era a sua estória… tempos depois fizerem uma versão brasileira chamada O Telefone Chora” gravada por um cantor chamado Márcio José…
Meses depois do famoso encontro em Brindisi, Lúcia Laércia comecou a enlouquecer e o nosso protagonista conseguiu a guarda da filha, Lauretta Laércia Mouzinho… porém a menina apesar de o ter aceitado como pai (ficara inclusive impressionada em descobrir-se bisneta de uma condessa russa); insistia em ser criada por um figura feminina, sendo que o jeito que o nosso protagonista encontrou para resolver tal questão foi levá-la para passar uma temporada com a tia Elvira (irmã de seu pai) em Sintra…
Em Portugal, Odaire Voltaire participou da agitação decorrente da Revolução dos Cravos, onde conheceu Glauber Rocha que viera para a terrinha, para participar como entrevistador do documentário “As Armas e o Povo” (**), inclusive há nesta película, uma cena no Rocio, onde podemos ver Odaire Volaire em meio a multidão…
3 -VOLTAR A IR
Em 1977 ele trouxe sua filha ao Brasil, para conhecer os avós maternos… Em Pindorama voltou a se encontrar com Glauber… desta vez aparece como coadjuvante na entrevista que o General Golbery do Couto e Silva concedeu para quadro do programa “Abertura” que o cineasta baiano fazia na TV Tupy.., Golbery tomando whisky junto a uma parede de tijolo aparente, comentando o golpe de 64…
A partir desta experiência com o cinema, Odaire Voltaire retomou o contato com sua infância, com a precoce participação em “La Strada” de Frederico Fellini… então a estória de nosso protagonista adquire dimensões épicas…
4 – DE VOLTA A REALIDADE
Seus amigos de bar não se cansam de ouvir seus feitos… muitos sabem que a foto dos “L’effervescente Zucchine” que ele mostra com tanto orgulho é na verdade uma foto dos Rolling Stones no início de carreira, em que os integrantes estão com os rostos meio encobertos pelo ângulo adotado pelo fotógrafo… sabem também que:
– Os aliados libertaram Roma em junho de 1944, por isso não haveria razão para um bombardeio ter ocorrido quatro meses depois de domínio aliado ;
– Ninguém em sã consciência faria o que Moacyr Mouzinho fez: fugir de Portugal de Salazar para Itália de Mussolini;
– O grupo terrorista de extrema esquerda “Brigate Rosse” (Brigadas Vermelhas) surgiu em 1970, portanto é absurda a estória que um ano após o “Apocalipopótese”, ou seja em 1969, alguém possa acusar Odaire Voltaire de pertencer a um grupo terrorista que nem sequer existia;
– “Piange il Telefono” não foi composta originalmente na língua italiana, na verdade é uma versão da canção francesa “Le Téléphone Pleure” ( letra de Franck Thomas e música de Jean-Pierre Bourtayre) que por sua vez é baseada (embora com melodia e letra diferentes) na canção country “Telephone Call” (George & Tammy & Tina, Telephone Call);
– O General Golbery do Couto e Silva jamais apareceu no programa “Abertura”… quem apareceu tomando whisky junto a uma parede de tijolo aparente, foi o jornalista e escritor Carlos Castello Branco, e não foi na TV… foi no filme “Terra em Transe”.
Seus amigos sabem, sabem que a lenda é mais divertida do que a realidade, sabem que o que Odaire Voltaire narra, não é sua vida real, mas um sonho, um sonho de pseudo-intelectual urbanóide … sabem que ele nasceu na verdade foi no bairro paulistano do Cambuci… sabem que sua avó não era condessa russa, mas uma camponesa da Calábria que imigrara para o Brasil… sabem que ele na verdade nunca saiu do estado de São Paulo… Eles sabem, mas deixam Odaire Voltaire contar, contar e contar… suas incríveis estórias… Sem elas a conversa no bar seria um tédio…
(*) “Eu irei me tornar artista”
(**) Filme coletivo realizado e produzido pelo sindicato português “Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica”.
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