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UMA POESIA DE MALCOLM LOWRY

E minhas andanças pelas livrarias portenhas, adquiri um livro de poemas de Malcolm Lowry traduzidos para o espanhol “Malcolm Lowry Poemas – Editora Visor Livros (Espanha) 1995 – Tradução Mariano Antolín Rato”. Ao lê-lo, me impressionou o poema “El Faro Atrae La Tormenta”, no qual a idéia de um farol que atrai uma tempestade e a ilumina, resume uma concepção de arte na qual o artista chama para si os tormentos cósmicos e os banha com a luz de sua arte…

EL FARO ATRAE LA TORMENTA

El faro atrae a la tormenta y la ilumina.

Llevado por la tempestad se inclina el gran carguero

Bajo la rompiente donde la indómita ave marina revolotea,

Y encendiendo de espuma rocas, las hace arder.

¡Oh! , aves de la tinieblas del invierno que hace difícil

El vuelo con niebla, cuando el hielo congela

Alas de volar limitado por sellos de acero,

¿Qué espíritu benévolo te hace ondular aún como vilanos

Que los niños defienden del frio azul ?

(Malcolm Lowry – Tradução: Mariano Antolín Rato)

Sempre quis traduzir este poema, o problema era que não achava a poesia original… buscas e buscas na internet não davam em nada… Até que achei uma edição em inglês : “Select Poems of Malcolm Lowry – City Lights Books -2017)”

Ao ler o poema original, reparei que o mesmo continha uma série de rimas (lights it/ignites it/ flights it), (heels/ wheels), (congeals/ seals) que na tradução espanhola haviam sido suprimidas…

THE LIGHTHOUSE INVITES THE STORM

The lighthouse invites the storm and lights it.

Driven by tempest the tall freighter heels

Under the crag where the fiery seabird wheels,

And lightning of spume over rocks ignites it.

Oh, birds of darkness of winter whose flights it

Importunes with frost, when ice congeals

On wings bonded for flight by zero´s seals;

hat good spiritgnites it.

What good spirit undulates you still like kites that

Children are guardians of in cold blue?…

(Malcolm Lowry )

Então me propûs a uma tradução na qual estas rimas forrem mantidas, mesmo que tivesse que sacrificar singulares por plurais e alterar substantivos para um significado não tão literal… eis aqui minha tradução… espero que depois destas venham muitas outras aperfeiçoando este trabalho pioneiro:

O FAROL ATRAI AS TORMENTAS

O farol atrai as tormentas e as ilumeiam.

Levado pela tempestade os navios tombam

Sob o penhasco onde aves marinhas rondam

Raios de espuma as rochas incendeiam.

Pássaros das trevas do inverno que avoeiam

Importunados com a névoa congelante

Em asas coladas para seu voo avante;

Que bom espírito te faz ondular como pipas que

Crianças empinam em um gélido azul? …

(Malcolm Lowry – Tradução: José Geraldo de Barros Martins)

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O Casamento dos Arnolfini, 1434 ~ Jan van Eyck

OS DETETIVES GELADOS
(Roberto Bolaño)

Sonhei com detetives gelados, detetives latino-americanos
que tentavam manter os olhos abertos
no meio do sonho.
Sonhei com crimes horríveis
e com tipos cuidadosos
que procuravam não pisar em poças de sangue
e ao mesmo tempo cobrir com uma só olhada
a cena do crime.
Sonhei com detetives perdidos
no espelho convexo dos Arnolfini*:
nossa época, nossas perspectivas,
nossos modelos do Espanto.

LOS DETECTIVES HELADOS

Soñé con detectives helados, detectives latinoamericanos
que intentaban mantener los ojos abiertos
en medio del sueño.
Soñé con crímenes horribles
y con tipos cuidadosos
que procuraban no pisar los charcos de sangre
y al mismo tiempo abarcar con una sola mirada
el escenario del crimen.
Soñé con detectives perdidos
en el espejo convexo de los Arnolfini:
nuestra época, nuestras perspectivas,
nuestros modelos del Espanto.

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O espelho convexo dos Arnolfini

(*) O “espelho convexo dos Arnolfini” é um detalhe do quadro “O Casamento dos Arnolfini”, a mais famosa pintura de Jan van Eyck, realizada em 1434, que se encotra atualmente na National Gallery em Londres. No espelho podemos observar, atrás do casal Arnolfini que está de costas, mais duas figuras: o sacerdote que realiza a cerimônia e o próprio autor. Nota-se acima do quadro, na parede a seguinte inscrição “Johannes van Eyck fuit hic 1434″ (Jan van Eyck esteve aqui em 1434). Este é, na história da arte, o primeiro registro de um auto-retrato dentre uma cena diversa, recurso que teria inspirado Diego Velásquez na famosíssima pintura “La Família de Felipe IV” e que seria utilizado nos séculos vindouros. A idéia de um sonho com detetives perdidos neste famoso espelho, é ao meu ver a mais alta expressão artística na poesia de Roberto Bolaño, reunida no livro “La Universidad Desconocida” – Editorial Anagrama – Espanha – 2007, ainda inédita em Pindorama.

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Estou lendo a obra completa de Antonio Di Benedetto, em português li seus romances: “Zama”, “Os Suicidas” e “O Silencieiro”; em espanhol estou lendo minha mais recente aquisição nas livrairas portenhas: “Cuentos Completos” – Adriana Hidalgo Editora – 705 páginas, uma coletênea com seus livros de contos: “Mundo Animal”, “Cuentos Claros”, “Declinación y Ángel “, ”El Cariño de Los Tontos”, “Absurdos”, “Cuentos del Exílio” e “Otros Cuentos”. Traduzo aqui alguns pedaços de “Espejismos” publicado em “Cuentos del Exílio”

ESPELHISMOS

Sem boca

O louco se vê no espelho e mostra a língua. Pensa que o espelho está gozando dele. O quebra.
Se arrepende, na hora de pentear-se.
Sobre uma mesa, fragmento a fragmento recompôe o espelho, que fica quase completo.
O louco tenta a olhar-se de novo e vê seu rosto, mas não a boca (falta esta parte que se pulverizou com o golpe).
Desde então nunca mais fala.

Pesadelo

O espelho é um olho: não o olhamos, nos olhamos e ele nos vê, nos está olhando.

(…)

Denúncia

“Eu vi quem roubou o espelho.”
Assinado: O espelho.

(…)

Precocidade

O espelho é muito pequeno, a garota formosa.
Ela verifica nele a perfeição de seus lábios e em seguida afunda-o nas trevas de sua carteira de mão.
O espelhinho, apaixonado, jura: “Quando eu for grande!”

As manchas

O espelho com resíduos enegrecidos: “Não são de mercúrio. As forma o resíduo da alma que vão deixando os que vem olhar-se em mim”.

(…)

A dúvida

Cheio de soberba, afirma para si que encontrará a si mesmo, em tal dia, tal hora, tal lugar.
Quando chega, comprova que não está.
Desde então duvida que seja todo-poderoso.

(…)

A Dificuldade

O escritor que quer escrever um conto infantil volta a ser criança, para colher vivências e linguagem.
Está adquirindo-as e concebe uma história, todavia não foi ao colégio e não sabe escrever.

(…)

(Antonio Di Benedetto – Tradução: José Geraldo de Barros Martins)

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Tenho o costume de ler diversas coisas ao mesmo tempo e muitas vezes noto semelhanças entre textos diferentes. No caso estou lendo lentamente “Textos Recobrados” ( que ficaram de fora das “Obras Completas” ) de Jorge Luis Borges ( em espanhol – Editora Emecê ) e semana passada comprei uma revista da Biblioteca EntreLivros sobre Machado de Assis … Vejam como um artigo do “Brujo de Palermo Viejo” – publicado na revista espanhola “Cosmópolis” em 1922 – versa sobre assunto semelhante a que se refere a crítica que João Adolfo Hansen tece sobre o “Bruxo de Cosme Velho” :

“Recordemos que Lichtenberg chamou o homem das rastlose Ursachentier, a infatigável besta causal. E se o princípio da causualidade fosse um mito, e cada estado de consciência – percepção, recordação ou idéia – não suspeitasse de nada, não tivesse esconderijos nem raizames com os demais nem significação profunda, e fosse unicamente o que parece ser em absoluta e confidencial inteireza?
(…) Nem o tempo é uma corrente onde se banham todos os fenômenos, nem o eu é um tronco que cingem com rotação pertinaz as sensações e idéias. Um prazer, por exemplo é um prazer, e defini-lo como o resultado de uma equação cujos termos são o mundo externo e a estrutura fisiológica do indivíduo, é um pedantismo incompreensível e prolixo. O céu azul, é céu e é azul (…)
Melhor dito: tudo está e nada é.”

( Jorge Luís Borges – tradução: José Geraldo de Barros Martins )

“A disposição descontínua contrapõe-se à narrativa tradicional de ‘começo-meio-fim’ e contraria a disposição positivista da história, que pressupõe a linearidade da ordem e do progresso. (…)
A técnica torna estranha a familiaridade do princípio de causalidade com que os romances do tempo fundamentam e legitima a memória e o reconhecimento do leitor, pois atinge sua ‘capacidade de recordar para a frente’ “

( João Adolfo Hansen – sobre os romances de Machado de Assis )

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Acabei de ler “Os Ratos” de Dyonelio Machado … livraço : uma espécie de “Ulisses” brasileiro , que narra um dia inteiro na vida de um funcionário público medíocre e endividado, que passa o dia atrás de uma quantia de dinheiro para pagar a dívida com o leiteiro … é interessante notar que os personagens se comportam como ratos ; como bem observa David Arrigucci Júnior , no excelente posfácio … por sinal , lembrei-me de um dia quando caminhava pela Av. Ibirapuera e vi um mendigo que gritava aos transeuntes : – Nós iremos roer o bairro de vocês !!! Nós iremos roer tudo !!!

Agora , começo a ler ( em espanhol ) “Textos Recobrados” de Jorge Luis Borges , que são escritos que ficaram de fora do quatro volumes das “Obras Completas” . Neste livro percebemos que mesmo no início de carreira , o Brujo de Palermo era capaz de metáforas como estas :

“Afuera, un Perro negro aúlla a la Luna de Marfil. Divino grial inasequibile. Ficha eternamente apostada en los tapetes verdes del cielo.(*)”

(*) Lá fora, um cachorro negro uiva para a Lua de Marfim . Divino Graal inacessível. Ficha eternamente apostada nos tapetes verdes do céu.

( Jorge Luís Borges – tradução : José Geraldo de Barros Martins )

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Li este final de semana um texto de Jorge Luís Borges ( que ficou de fora das Obras Completas ) chamado “O Querer Ser Outro” . O escrito fala sobre um sujeito , chamado B que quer ser outro sujeito denominado N. Mas isto é impossível pois se B chegasse a se tornar N nenhum dos dois perceberia , pois nada restaria de B no momento em que ele incorporasse N .
Mas há uma solução : se considerarmos que :
“… uma pessoa não é outra coisa do que os momentos sucessivos que passam , que a série incoerente e descontínua dos seus estados de consciência . B (…) não é B . É , imaginemos : olhar distraído um farol + apressar o passo + reconhecer-se em um espelho de uma confeitaria + (…) + buscar a lua no céu + etc… A primeira consequência desta teoria é que B não existe . A segunda ( e melhor ) é que não existindo N tampouco , muito instantes da quase infinita série de B podem ser iguais aos de N . Vale dizer ; B em determinados momentos é N . Dois homens mortos de sede que provam o primeiro contato com a água – um nos arrabaldes de Ondurmán, em 1885; outro em Pampa de San Luis em 1860 – são literalmente o mesmo homem. Todas as pessoas absortas na venturosa audição de uma só música, são a mesma pessoa. Todos os amantes que se abraçaram com plenitude na amplidão do mundo, que se abraçam e se abraçarão são o mesmo casal: são Adão e Eva.
Ninguém é substancialmente alguém, mas qualquer um pode ser qualquer outro, em qualquer momento.”

( Texto de Jorge Luis Borges publicado no Diário El litoral de Santa fé em 1933 – tradução : José Geraldo de Barros Martins )

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