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{ Tag Archives } literatura

Feira de Livros de Buenos Aires, na La Rural, um antigo pavilhão de gado transformado em centro de exposições. Consegui após muito custo comprar o romance “Adán Buenosayres” de Leopoldo Marechal… comprei também “Megafón, o la guerra” do mesmo autor, e também o volume 1 das obras completas de Felisberto Hernández. No dia seguinte em uma livraria da Calle Costa Rica, adquiri “Teoria General de la Basura” de Agustín Fernández Mallo e “Fat City” de Leonard Gardner… aguardem as resenhas…

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PAULO LEMINSKY O BANDIDO QUE SABIA LATIM – Toninho Vaz – Editora Tordesilhas

Em meio as minhas leituras, sempre intercalo biografias… do Toninho Vaz já havia lido as biografias de Torquato Neto (Pra Mim Chega) e Luiz Melodia (Meu Nome é Ébano)… agora li esta do Paulo Leminsky. O curioso deste genial escritor biografado é que ele faz o caminhos inverso, ao invés de começar com uma linguagem simples e ir sofisticando, Leminsky fez o contrário: Catatau, seu livro inicial é de uma complexidade terrível, (semelhante a Finnegans Wake de James Joyce, Os Cantos de Erza Pound ou K de Velimir Khlébnokov)… ao longo de sua vida, ele simplifica a linguagem, caminhado para uma escrita singela e sintética , seja na poesia seja nas biografias (confesso que não li ainda seu romance “Agora é Que São Elas” mas numa folheada é possível perceber que é algo bem mais simples que Catatau). 

Para mim a autocrítica que Leminsky fez do Catatau (*) é um aula de literatura, já vale a biografia…  Quem acompanhou a imprensa nos anos oitenta sabe a importância que o biografado tinha… seria interessante se publicassem um livro com as crônicas que ele fez no jornal Folha de São Paulo, como a editora Companhia das Letras fez com sua poesia (Toda Poesia= e com as biografias que ele escreveu sobre Cruz e Sousa, Bashô, Jesus Cristo e Trótski (Vida). 

Porém não é uma biografia fácil de ler… nem tudo são flores nas vidas dos escritores…

(*) O Catatau procura gerar a informação absoluta, de frase para frase, de palavra para palavra: o inesperado é sua norma máxima. A sequência das frases de um texto coloca uma lógica. Mas nessa busca de informação absoluta, sempre novidade, novidade sempre, por uma reversão de expectiativa, ele produz a informação nula: a redundância. Se você sabe que só vem novidade, novidades vêm, e deixa de ser novidade. O Catatau é, ao mesmo tempo, o texto mais informativo e, por isso mesmo, o texto de maior redundância. 0=0. Tese de base da Teoria da Informação. A informação máxima coincide coma redundância máxima. O Catatau não diz isso. Ele é, exatamente, isso.

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DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA – Étienne de La Boétie – Tradução: Casemiro Linarth – Editora Martin Claret

Foi graças a Michel de Montaigne que a obra de seu amigo Étienne de La Boétie chegou a posteridade, pois este, antes de morrer aos 32 anos em 1563, deixara com Montaigne todos os seus escritos, que nunca haviam publicados.

Curiosamente quando o filósofo francês resolveu publicar os textos de seu amigo, dezessete anos após a sua morte, deixou “O Discursso de Servidão Voluntária” de fora, pois o clima político estava muito pesado no reinado de Carlos IX e também porque os huguenotes (protestantes franceses) já tinham posto o texto para circular na clandestinidade, uma vez que havia sido publicado em 1576  na cidade de Genebra e também em 1577, em Middelburg (Holanda). 

Lendo o título, já nos deparamos com o paradoxo: como um conceito que remete a escravidão, pode ser associada a um conceito que remete a liberdade? Como a servidão, pode ser voluntária?

Étienne de La Boétie explica que só com a coni-convivência das pessoas que gozam os favores do tirano, é possivel a tirania se manter em pé, e prega a resistência sem violência através da desobediência civil. 

Existem dois textos curtos, complementares,  que se a maior parte da população pessoas tivesse lido, provavelmente o mundo seria menos opressivo: um é um livro de Herman Melville sobre um sujeito que diz “prefiro não fazer”, outro é “O Discursso de Servidão Voluntária”.

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REI LEAR – William Shakespeare – Editora 34 – Tradução: Rodrigo Lacerda

Glauber Rocha dizia que o teatro grego é a Memória da Grécia, o de Shakespeare a Memória do Mundo… Harold Bloom afirma que uma boa parte do que vemos hoje como a personalidade humana é uma invenção ou reinvenção shakespeariana (*)… embora já tendo lido alguns clássicos, li somente umas cinco peças de Shakespeare, e uma das minhas metas como leitor é ler aos poucos grande parte da obra do bardo inglês… para tal, resolvi agora ler Rei Lear.

Nesta tragédia, um velho rei decide repartir seu reino pelas três filhas e prepara uma cerimônia para que as três filhas o elogiassem na frente de toda a corte. A filha maior velha e a do meio fazem o discurso tradicional enaltecendo o pai, porém a caçula e preferida do rei, diz que nada tem a declarar pois o amor que ela tem ao pai já basta… O rei Lear fica furioso, a deserda e expulsa-a da Inglaterra… Decide repartir o reino entre as duas filhas e morar parte do tempo com uma, parte do tempo com outra, com sua pequena corte de cem pessoas…

Após uma série de desavenças, ele perde sua corte e é expulso pelas filhas em meio a uma tempestade, tendo só por compania o bobo da corte… Então se dá, uma das cenas mais contundentes da literatura (Cena 2 do Ato III) quando Lear ensandecido em meio a tempestade clama para que os ventos, raios, cataratas, furacões  e labaredas, destruam, inundem e queimem toda a humanidade…

Observando estas tempestades que estão a assolar nestes dias o litoral norte de São Paulo, a própia capital, bem como os desatres naturais que assolam nestes últimos tempos a maior parte do planeta, eu me pergunto:

Será que como o Rei Lear, o ser humano não largou o governo de si mesmo, deixando-o para as suas criações? Será que não estamos trabalhando mais e mais para produzir mais e mais objetos? Será que quando alguém se sacrifica muito para obter algum bem, ele fica dono deste bem? Ou o bem fica dono dele? Será que com a escrita artificial não estaremos abrindo mão de nossa capacidade cognitiva, uma vez que o pensamento é (ou deveria ser) estruturado pela escrita?

Será que o ser humano percebeu que abriu mão de sua capacidade de governar o mundo, transferindo-o aos objetos, e arrependido, inconscientemente clama para que a natureza destrua tudo?

Talvez esta interpretação seja um tanto quanto rasa.. Talvez o Chatgpt produza algo muito melhor… mas o importante não é isso… 

O importante é ler mais Shakespeare… pelo menos nosso raciocínio melhora e na hora da hetacombe estaremos lendo algo decente…

Ops! Já ia esquecendo… tenho também que elogiar esta edição bilígue muito bem traduzida e com um excelente posfácio do próprio Rodrigo Lacerda.

(*) Shakespeare: A Invenção do Humano – Harold Bloom – Tradução: José Roberto O´

Shea – Ainda não li este livro, confesso que ainda me falta bagagem, preciso ler mais peças do Shakespeare, preciso ler Geoffrey Chaucer também, para ver se Erza Pound tinha razão ao dizer que a obra deste era mais universal do que daquele, mas cada coisa no seu tempo…

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METAMORFOSES – Ovídio – Editora 34 – Tradução: Domingos Lucas Dias

Este livro, em quase doze mil versos,  descreve desde a origem do universo até a época em que foi escrito, 8 D.C., quando Roma era governada por Augusto, passando tanto por mais de duzentos e cinquenta mitos gregos, quanto por relatos como a Ilíada & Odisséia (Homero) ou pela Eneida (Virgílio).

Confesso que deveria ter lido este livro antes, e me arrependo de não tê-lo feito… meu conhecimento sobre a arte teria sido profundamente enriquecido: por exemplo, conhecendo o mito de Dânae (*), eu teria apreciado melhor  tanto o quadro de Ticiano exposto no Museu do Prado, quanto a obra com o mesmo tema pintada por Gustav Klimt. 

Mas não só os pintores beberam nesta fonte, escultores com Bernini (Apolo e Dafne), músicos como Wagner (a ópera Lohengrin foi inspirada no episódio de Sêmele), além de escritores com Shakespeare, Dante Alighieri, Goethe, James Joyce, Erza Pond e Kafka foram inspirados por Metamorfoses, aliás o último batizou sua melhor obra com o mesmo título deste livro de Ovídio, só que no singular.

Mas na minha opinião, a arte que mais deve a Olvídio é o cinema: há dois milênios atrás ele já escrevia em termos de montagem cinematográfica e seus versos estão repletos de efeitos especiais: seres humanos se metamorfoseiam em animais, minerais, fontes, rios ou astros celestes… as pedras lançadas para trás por Deucalião e Pirra se transformam em seres humanos, aliás nossos antepassados, segundo esta mitologia…

Duas coisas se destacam em Ovídio: a primeira é a capacidade de amarrar todas as estórias tão diversas em um único relato… é claro que às vezes ele acrescenta um tema intermediário para juntar dois relatos diversos, mas faz parte… a segunda é a poesia de Ovídio, que ao contrário de tantos poetas antigos que se tornaram datados, ainda permanence atual.

Vejam este fragmento do livro III, onde o marinheiro Acetes conta ao rei Penteu a fábula do jovem Baco que embriagado é descoberto por marinheiros tirrenos que oferecem uma carona ao mesmo, pretendendo na verdade vendê-lo como escravo… porém no barco, Baco desperta e descobrindo o plano transforma o cordame do navio em uma videira e faz surgir temíveis felinos… os marinheiros apavorados se atiram no mar se transformando em peixes, só restando Acetes, o único marinheiro que se opusera ao pérfido plano:

”Então o deus, zombando deles como se apenas agora, por fim, se apercebesse da traição, olha o mar da curva da popa, e, simulando chorar, diz: ´Marinheiros, não é esta costa  que me prometestes! Esta não é a terra que vos pedi! Por que razão mereci um castigo? Que glória é a vossa se enganardes, sendo adultos, uma criança e, sendo muitos, a um sozinho?` Eu já estava a chorar. O ímpio grupo ri-se de minhas lágrimas e bate pressurosamente o mar com os remos. (…) A embarcação deteve-se em alto mar como se estivesse em doca seca. Atônitos, eles persistem em bater os remos, soltam as velas e tentam avançar com recurso a ambos os meios. As heras travam os remos e, com seus retorcidos nós, introduzem furtivamente por todos o lado e matizam as velas com seus pesados cachos. O próprio deus, de fronte cingida de cachos e uvas, brande uma lança coberta de parras. Em seu redor estão deitadas ilusórias imagens de tigres, de linces, e de panteras de corpos ferozes e mosqueados. Os marinheiros saltaram borda fora, fosse a loucura, fosse o medo a impeli-los. E Medom foi o primeiro a quem todo o corpo começou a ficar negro e a curva da coluna a acetuar-se. Lícabas começou a dizer-lhe: Em que estranha coisa está a transformar-te?` E, enquanto fala, alarga-se-lhe a boca, curva-se-lhe o nariz, e a pele se escurece e cobre-se de escamas. Ao pretender puxar em sentido contrário os remos, que resistiam, Líbis vê as mãos encolherem para um tamanho reduzido e a deixarem de ser mãos, podendo considerer-se barbatanas. Um outro, ao pretender erguer os braços para o cordame enredado, já não tinha braços e, arqueando o corpo mutilado, deslizou para a água; a extremidade da cauda tem forma de foice no modo como se curvam os cornos da meia lua. Saltam por todo o lado e levantam uma nuvem de orvalho. Emergem de novo e voltam a submergir no mar. Executam uma espécie de dança, elevando no ar seus corpos folgazões. Aspiram e expelem a água do mar pelas largas narinas. Dos vinte que éramos, pois tantos levava aquele barco, restava só eu.”

Esta bela edição da Editira 34 é bilíngue: latim e português… mesmo não sabendo latim, tentei ler no original só de farra… confesso que não deu… dos quinze livros só li em latim os dois primeiros… 

Além do texto na língua original, a edição tem também um glossário, que é muito útil, pois Ovídio costuma tanto se referir a um deus ora na forma grega, ora na forma romana, quanto não revelar diretamente o nome do personagem preferindo dizer: o filho de fulana ou o neto de sicrano… então, as pessoas que não estão familiarizadas com a correspondência dos nomes dos deuses (o Zeus grego é o mesmo que o Júpiter romano) nem com a árvore geneaógica destes deuses,  precisam recorrer a este glossário. Como sugestão para a próxima edição, uma árvore geneaógica ilustrada das divindades greco-romanas seria muito didática.

Então… o que você está esperando, caro leitor? 

(*) Encerrada por Acrísio, rei de Argos em uma torre de bronze (pois ele ouvira a profecia de que seria assassinado pelo seu neto), Dânae foi fecundade por Zeus através de uma chuva de ouro gerando Perseu.

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O LUGAR – Annie Ernaux – Tradução: Marília Garcia – Editora Fósforo

Somente agora entrei em contato com a escrita da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura 2022, Annie Ernaux. Neste romance sociológico e autobiográfico a escritora retorna a o mundo de seu pai, um operário filho de camponeses que se torna comerciante abrindo um café em uma pequena cidade da Normandia… é muito interessante, o sujeito consegue uma ascenção social, porém se recusa a ingressar em um mundo mais civilizado… “meu pai nunca entrou em um museu” relembra a escritora… é como alguém que deixa o Egito do trabalho operário e se recusa a entrar na terra prometida do conforto burguês, deixando esta tarefa para a sua filha, tal qual a geração de Moisés… Durante e narrativa percebemos como o mundo da escritora vai se distanciando do mundo de seus pais a medida em que ela vai crescendo e tomando contato com outras realidades e seu pai além de perceber tal fenômeno, parece até se orgulhar de ter propiciado a filha uma vida diferente… fiquem com um pedaço:

“Ao escrever, caminha-se no limite entre reconstruir um modo de vida em geral tratado como inferior e denunciar a condição alienante que o acompanha. Afinal, esta maneira de viver constituía, a própria felicidade, mas era também a barreira humilhante de nossa condição (consciência de que “em casa as coisas não estão estão lá tão bem assim”). Eu gostaria de falar ao mesmo tempo dessa felicidade e de sua condição alienante. Sensação de que fico oscilando de um lado para outro desta contradição.”

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PAPELES FALSOS – Valeria Luiselli – Editora Sextopiso

Na minha opinião Valeria Luiselli é uma das maiores escritoras da atualidade, já li os livros dela editados em Pindorama, todos romances. Na última vez que estive em Montevidéu entrei na livraria Libros de la Arena e encontrei este livro… pensei que fosse inédito, porém descobri era uma edição do primeiro livro dela, um ensaio sobre literatura…

Na verdade não dá para separar a romancista da ensaísta… mesmo em seu ultimo romance ”Arquivo das Crianças Perdidas” há um pósfácio onde ela, explicando as diversas citações existentes no romance, relata que o primeiro dos cantos de Erza Pond é uma referência ao décimo primeiro livro da Odisséia de Homero, além é claro de diversas referências a T. S. Eliot, Joseph Conrad, Jerzy Andrzejewski, Rilke, Jua Rulfo, etc.

Papeles Falsos começa em uma visita ao cemitério San Michele na ilha lindeira a Veneza onde estão enterrados Erza Pound, Joseph Brodsky, Luchino Visconti, Igor Stravinsky e Sergei Diaghilev…depois ela discorre sobre vários assuntos como  a cartografia da Cidade do México, a diferença entre caminhar a pé, de carro ou de bicicleta, livros sobre poesia brasileira (*), a descoberta do vazio e do incerto dentro da palavra (**), a importância dos porteiros dos prédios, a classificação de escritores em relação a um espaço externo (***), até por fim um relato divertido de como ela se tornou uma cidadã de Veneza, retornado ao tema do início…

Quem tem familiaridade com o espanhol pode ler que valea a pena!!! Nas observações abaixo, a tradução dos textos dela é de minha autoria.

 (*) Há uma citação de um trecho de poesia brasileira (escrito em português) que eu pensava que fosse uma citação de algum autor nosso, mas pelo que pesquisei deve ter sido escrito por ela mesmo:

“calçadas que pisei

que me pisaram

como saber no asfalto da memória

o ponto em que começa a fantasia?”

(**) Torquato Neto já dizia que “cada palavra é uma cilada”, Valeria Luiselli afirma:

“cada palavra produz um silêncio mais além da qual não pode haver nenhum som, os nomes são a luva que cobre a prótese, a envoltura de uma ausência.”

(***) “Escritores que inventam cidades e se apossam de épocas inteiras com a empunhadura da pluma e o gume do gênio: a Londres da Chesterton e Johnson, a Paris de Rousseau e Baudelaire, a Dublin de Joyce (…) escritores que constroem estórias como palácios estraordinários ou ilhas desertas que logo habitam, como um personagem a mais de sua trama – talvez por aí andem Sebald, Melville, Conrad e Defoe.” 

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FELISBERTO HERNÁNDEZ – OBRAS COMPLETAS VOL. 3 – TIERRAS DE LA MEMORIA – DIARIO DEL SINVERGUENZA – ÚLTIMAS INVENCIONES – Siglo Ventiuno Editores

Felisbero Hernández acreditava que sua especialidade estava em escrever o que não sabia, que tinha “que buscar feitos que deêm lugar a poesia, ao mistério e que sobrepassem e confundam a explicação”… sua obra é a melhor mostra desta concepção.

Em Pindorama, país de emboabas, temos somente uma publicação deste genial escritor, mas que abarca grande parte de seus melhores escritos: “O Cavalo Perdido e Outras Histórias” editado pela Cosac&Naif.

Além deste livro, temos as obras completas, mas somente na lingua espanhola. Aqui temos o volume 3 de suas obras completas… já havia lido o volume 2, que possui a obra mais significativa… o volume 1 nunca consegui encontrar em minhas andanças pelas livrarias de Buenos Aires e Montevideo…

Neste terceiro volume, temos o conto “O Crocodilo” que foi incluso na  antologia brasileira, que conta a estória de um vendedor de tecidos ambulante que um dia ao entrar em uma residência no interior do Uruguai, enquanto esperava a dona de casa vir (pois e a estava em outro cômodo da casa), só por brincadeira começa a fingir que estava chorando, para entreter o filhinho da dona da casa… resultado: ele conseguiu vender seu produto e passou a adotar esta técnica, tornando-se o maior vendedor da empresa…

Temos outros escritos que não puderam ser inclusos na antologia brasileira, como “Terras da Memória”, relato de uma viagem que Felizberto Hernández fez em sua juventude a Mendonza, onde apresentou um concerto para piano (ele também era músico, tal qual Paul Bowles), e demais textos, onde entre fluxos de consciência errantes, e ponderações psicológias, temos pérolas como “Diário do Sem-vergonha”… leiam um fragmento:

“Ao começar este diário o autor acreditou descobrir, uma noite, que tinha uma enfermidade parecida com aqueles que pensam que uma parte de seu corpo não é mais dele. E depois passou por etapas, nas quais experimentou o seguinte: Todoseu corpo era alheio. Começou a buscar dentro deste corpo – com o qual tido estranhamentos desde muitos anos e havia terminado de chamar-lhe o sem vergonha – seu verdadeiro eu.

O corpo havia pensado e escrevendo em nome de um “eu” que não lhe pertencia e até seu próprio nome parecia ser deste corpo.

Todo este corpo não era, porém, desta outra pessoa: a cabeça pertencia a uma outra terceira. Este corpo e a cabeça tinham estranhos entendimentos e desentendimentos , mas os dois obstruíam a busca do “eu” do autor deste diário”

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ROBERTO CARLOS OUTRA VEZ – VOLUME 1 – 1941-1970 – Paulo Cesar de Araújo – Editora Record

Entre minhas leituras, procuro alternar livros de boa literatura, livros históricos e biografias (ou auto-biografias)… Logo que fiquei sabendo deste livro não quis comprá-lo… estava revoltado com a palhaçada que o Roberto Carlos fez com o autor, no livro “Roberto Carlos em Detalhes”, e além do mais o biografado, apesar do talento, não é uma pessoa divertida, ao contrário de outras biografias (ou auto-biografias) que eu já li, como as de Aracy de Almeida, Ary Barroso, Antônio Maria, Keith Richards, John Huston, Zé do Caixão… nem tem a profundidade de um Winston Churchil, Orson Welles, Glauber Rocha, Torquato Neto, Hélio Oiticica…

 Porém depois de assitir a entrevista do autor no programa “Provocações” da TV Cultura, e já tendo lido outra obra deste autor (*) mudei de idéia, pois apesar do acima exposto, continuo a admirar Roberto Carlos, não toda a sua obra, mas pelo menos até meados dos anos 70, antes dele passar para a fase Cama, Mesa e Banho…

Lendo este livro, passei a entender melhor o fenômeno Roberto Carlos e o porquê ele sobreviveu a Jovem Guarda: ele começou imitando Elvis Presley no conjunto Sputniks (com Tim Maia e Erasmo Carlos), depois passou a imitar João Gilberto (**), tentou entrar na patota dos bossa-novistas mas foi excluído, virou crooner da Boate Plaza, em Copabana cantando boleros e sambas-canção, depois conseguiu uma chance na CBS lançando LP com vários ritmos, até que emplacou no twist e foi convidado a participar do Programa Jovem Guarda na TV Record…  porém ao perceber o declínio do movimento, começou a incorporar elementos da Motown criando suas melhores obras… outra qualidade dele é que ele ouvia e gravava canções de muitos compositores obscuros ou em início de carreira: Tim Maia (Não vou ficar), Antônio Marcos (E não vou deixar você tão só), Luiz Ayrão (Ciúme de você), Getúlio Cortes (Quase fui lhe procurar), José Ari/Pedro Camargo (É tempo de Amar), Edson Ribeiro/Hélio Justo (Ninguém vai tirar você de mim), etc.

Para quem gosta de música popular este livro é um prato cheio… eu mesmo, um apreciador da Jovem Guarda e que achava que tinha um conhecimento razoável da música de Roberto Carlos, tive ao menos três surpresas: 

1)   Sempre achei que “Fiquei Tão Triste” tivesse sido gravada pelo Paulo Sérgio e não pelo Roberto,

2)   A bateria totalmente “quebrada” tocada por Toni Pinheiro em “As Curvas da Estrada de Santos”,

3)   O piano tocado por Dom Salvador em “Jesus Cristo”.

Espero agora o volume 2, para entender como foi o processo que levou Roberto Carlos à fase “Cama, Mesa e Banho”… Mas extrapolando, muito além da obra do Roberto Carlos e abrangendo o periodo de 1930 até hoje, gostaria que algum ensaísta escrevesse um livro explicando o porquê que um país no qual nasceram compositores tão bons, apresente agora uma música tão medíocre (não me refiro a uma pequena parcela dos novos compositores que mantém o nível) mas aos que fazem sucesso… Muitas vezes, ouvindo canções antigas na rádio, quando estou dirigindo, eu me pergunto: Como fomos parar neste lixo atual?… Mas de um povinho que elegeu Bolsonaro, não podemos esperar coisa melhor… infelizmente…

(*) Eu Não Sou Cachorro Não – Paulo Cesar de Araújo – Editora Record

(**) Procurem ouvir “Fora do Tom” (Carlos Imperial) e “João e Maria” (Carlos Imperial) na minha opinião um dos fatores da rejeição do grupo da Bossa Nova à pessoa de Roberto Carlos, ao meu ver, foi o final desta música: “Coitadinho do João/Era uma vez João/Era uma vez João/Era uma vez João/Joãzinho” … parece que ele estava tirando sarro do João Gilberto (uma vez que estava imitando-o descaradamente)… Imagine se o Paulo Sérgio fizesse uma música que terminasse com “Era uma vez Roberto/Robertinho”… Se um dia eu encontrar o Paulo César de Araújo, gostaria de expor esta minha opinião,,,

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PALMEIRAS SELVAGENS – William Faulkner – Tradução: Newton Goldman – Círculo do Livro

Famoso pela frase “entre a dor e o nada, escolherei a dor”, este livro contém duas estórias que são narradas de forma intercalada: “Palmeiras Selvagens” e “O Velho”, que até podem ser lidas independentemente pulando os capítulos, uma da outra… a primeira é sobre um estudante de medicina que conhece uma mulher mais velha, casada com dois filhos, ela foge com ele e vão formar uma casal que vive de formas alternativas em diversos locais, antecipando o movimento hippie… a segunda história é sobre um presidiário que em meio a uma enchente do rio Missisipi, acaba escapando acidentalmente numa canoa, sendo que em determinada hora ele acaba dando carona a uma mulher grávida, porém ele só pensa em deixá-la em um local seguro e retornar a prisão…

Faulkner disse uma vez que publicou estas estórias em um mesmo livro pois ambas eram curtas demais para serem publicadas separadamente… é óbvio que ele estava brincando… ambas dialogam entre si (não vou entrar em detalhes para não adiantar as narrativas).

Para os personagens de Faulkner não existe o livre-arbítrio, parece que seus personagens rumam a um trágico abismo… mesmo com Wilbourne, entre a dor e o nada, ter optado pela dor, a impressão que tenho é que ele não a escolheu… ele sempre for a atraído pela dor, como um prego é atraído por um imã… 

Faulkner apresenta uma escrita aparentemente realista que utiliza uma linguagem rebuscada, mas lendo suas obras com atenção, percebemos que por trás de tudo existe um mundo sem sentido algum, cheio de som e de fúria… cuja história é contada por um idiota, como já dizia Shakespeare…

Um fato curioso é que Glauber Rocha sempre quis filmar este livro… na minha opinião esta é uma das obras literárias mais difíceis de serem transpostas para o cinema, por razões puramente técnicas, imagine filmar uma enchente no Mississipi, uma mina de carvão abandonada em meio a nevascas, entre outras coisas… 

Tentei ler este livro no final dos anos 80 e desisti… agora consegui desfrutar esta obra de Faulkner, escritor do qual só havia lido “O Som e a Fúria”… No cinema só vi “Uma Aventura na Martinica” filme dirigido por Howard Hawks e estrelado por Humphey Bogart e Lauren Bacall, que Faulkner adaptou a partir de um livro de Ernest Hemingway, “Ter e não ter”.

Desejo agora, não só ler seus outros livros, mas também ver a adaptações de suas obras para o cinema, dentre elas “O Mercador de Almas” (1958) dirigido por Martin Ritt e estrelado por Orson Welles, Joane Woodward e Paul Newman… 

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