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Continuo a ler as críticas de arte de Baudelaire, e me deparo com um ensaio em que ele compara um salão de arte (exposição coletiva) moderno com um museu antigo, e o resultado é que o museu antigo possui mais unidade… o escritor francês profetiza a mistureba que se tornaria a arte atual, segundo ele fruto da glorificação do indivíduo, onde sem escolas ou grupos artísticos dominantes, cada um faz o que quer… não temos mais os coloristas brigando com os desenhistas, os cubistas enfrentando os expressionistas, a turma da bossa nova contra a turma da tropicália, o pessoal do cinema novo contra o pessoal do cinema marginal, poesia concreta versus a poesia práxis… hoje pode tudo e ninguém liga mais para estas coisas… em compensação a arte (pintura, música, cinema, literatura, etc) está cada vez pior, uma “desordem fervilhante de mediocridades” como bem expressou este sábio escritor: fiquem com um pedaço do texto:

“Comparai o momento presente com o tempo passado; ao sairdes do salão ou de uma igreja decorada recentemente, ide repousar vossos olhos num museu antigo, e analisai as diferenças.
Num, turbulência, confusão de estilos e cores, cacofonia de tons, trivialidades enormes, prosaísmo de gestos e atitudes, nobreza de convenção, clichês de toda sorte, e tudo isto visível e claro, não apenas nos quadros justapostos, mas também no mesmo quadro: em suma – ausência completa de unidade, cujo resultado é um cansaço horrível para o espírito e para os olhos.
No outro, este respeito que leva as crianças a tirarem o chapéu, e se apodera da vossa alma, como a poeira dos túmulos e das covas se apodera da vossa garganta: é o efeito, não do verniz amarelo e da sujeira do tempo, e sim da unidade, da unidade profunda.
(…) Esta glorificação do individuo exigiu a divisão infinita do território da arte. A liberdade absoluta e divergente de cada um, a divisão dos esforços e o fracionamento da vontade humana ocasionaram esta fraqueza, esta dúvida e esta pobreza de invenção.; alguns excêntricos, sublimes e sofredores, compensam mal esta desordem fervilhante de mediocridades. A individualidade – esta pequena propriedade – comeu a originalidade coletiva; (…)”

( Charles Baudelaire )

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Citação do dia:

LA VOIX

Mon berceau s’adossait à la bibliothèque,
Babel sombre, où roman, science, fabliau,
Tout, la cendre latine et la poussière grecque,
Se mêlaient. J’était haut comme un in-folio.
Deux voix me parlaient. L’une, insidieuse et ferme,
Disait: «La Terre est un gâteau plein de douceur;
Je puis (et ton plaisir serait alors sans terme!)
Te faire un appétit d’une égale grosseur.»
Et l’autre: «Viens! oh! viens voyager dans les rêves,
Au delà du possible, au delà du connu!»
Et celle-là chantait comme le vent des grèves,
Fantôme vagissant, on ne sait d’où venu,
Qui caresse l’oreille et cependant l’effraie.
Je te répondis: «Oui! douce voix!» C’est d’alors
Que date ce qu’on peut, hélas! nommer ma plaie
Et ma fatalité. Derrière les décors
De l’existence immense, au plus noir de l’abîme,
Je vois distinctement des mondes singuliers,
Et, de ma clairvoyance extatique victime,
Je traîne des serpents qui mordent mes souliers.
Et c’est depuis ce temps que, pareil aux prophètes,
J’aime si tendrement le désert et la mer;
Que je ris dans les deuils et pleure dans les fêtes,
Et trouve un goût suave au vin le plus amer;
Que je prends très souvent les faits pour des mensonges,
Et que, les yeux au ciel, je tombe dans des trous.
Mais la voix me console et dit: «Garde tes songes:
Les sages n’en ont pas d’aussi beaux que les fous!» (*)

(*) A VOZ

Meu berço ao pé da biblioteca se estendia,
Babel onde a ficção e ciência, tudo, o espolio
Da cinza negra ao pó do Lácio se fundia.
Eu tinha ali a mesma altura de um in-fólio.
Duas vozes ouvi. Uma, insidiosa, a mim
Dizia: “A Terra é um bolo apetitoso à goela;
Eu posso (e teu prazer seria então sem fim!)
Dar-te uma gula tão imensa quanto a dela.”
A outra: “Vem! Vem viajar nos sonhos que semeias,
Além da realidade e do que além é infindo!”
E essa cantava como o vento nas areias,
Fantasma não se sabe ao certo de onde vindo,
Que o ouvido ao mesmo tempo atemoriza e afaga.
Eu te respondi: “Sim, doce voz!” É de então
Que data o que afinal se diz ser minha chaga,
Minha fatalidade. E por trás de telão
Dessa existência imensa, e no mais negro abismo,
Distintamente eu vejo os mundos singulares,
E, vítima do lúcido êxtase em que cismo,
Arrasto répteis a morder-me os calcanhares.
E assim como um profeta é que, desde esse dia,
Amo o deserto e a solidão do mar largo;
Que sorrio no luto e choro na alegria,
E apraz-me como suave o vinho mais amargo;
Que os fatos mais sombrios tomo por risonhos,
E que, de olhos no céu, tropeço e avanço aos poucos.
Mas a voz consola e diz: “Guarda teus sonhos:
Os sábios não os têm tão belos quanto os loucos!

( Charles Baudelaire – tradução: Ivan Junqueira)

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A citação do dia vem de um livro de um californiano filho de armênios chamado William Saroyan publicado pelo meu avô em 1947, leiam:

PRECE COMUM

As planuras, Senhor, todos os silêncios da mente, os corredores perdidos, os pilares, os lugares por onde caminhamos, os rostos que vimos e as vozes das criancinhas. Mas acima de tudo, os hieróglifos, a santidade, a figura talhada de pedra, a linha tão simples, a nossa linguagem, a curva articulada, digamos, da folha, do sonho e do sorriso, a mão que tomba, os membros que se tocam, amor de universos, nenhum temor à morte e alguma nostalgia. Sim, e a luz, nosso sol, Senhor, e o sol de homens desconhecidos, as manhãs perdidas no tempo de gigantes e pigmeus em toda parte, um homem chamado Bach, outro chamado Cezanne e os outros, de nomes perdidos, as multidões agora se reúnem em uma única, anônima, nosso rosto, o lamento de multidões anônimas, nossa forma, estatura, homens caminhando sob a luz, em muitos lugares, para começar na Ásia, Europa, África, e através do mar fluido da mente, Atlântico, rumo oeste para este lugar, América, os fuzileiros navais em parada, o sorriso do pálido Wilson, liberdade para a Lituânia, viva a Polônia, e os condados do Texas, melancias e miséria, nossas graças a vós, oh Senhor. Também para os numerais para que se possa arquivar a nossa dor em fichas: um para tristeza, dois para dor, três para a loucura e mil e dez mil e o reconhecimento da eternidade, anos alegres, a barba de Darwin, digamos os olhos de Einstein, presumamos, os dedos do grande pianista polonês e assumamos todas as coisas numericamente, a riqueza de Ford, de Mellon, a miséria de – pensemos em um nome digno – de Pound, digamos, ou ainda, do desconhecido, do jovem anônimo do Município de Clay, em Iowa, sozinho, sentado, escrevendo histórias para Deus e para o Saturday Evening Post – isto é, a idéia da coisa, o anonimato do horror, a solidão, esperando pela fama e uma breve nota, você, o nome, meu rapaz, você é famoso, um conto publicado no Post, graças, oh Senhor!

( William Saroyan – tradução: James Amado )

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Os absurdos da vida não precisam parecer verossímeis porque são verdadeiros. Ao contrário dos da arte que para parecerem verdadeiros, precisam ser verossímeis. E sendo verossímeis, deixam de ser absurdos.
Um acontecimento da vida pode ser absurdo, uma obra de arte, se é obra de arte, não.

(Luigi Pirandello – tradução Rômulo Antônio Giovelli e Francisco Degani)

“Porque a ficção somos nós que fazemos, por outro lado, a realidade é muito mais estranha porque é feita por outro, o Outro: Deus”

(Chesterton – tradução: John O´Kuinghttons)

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Citação do dia:

“Quando um verso é bom, perde sua escola.”

( Flaubert )

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A citação de hoje é uma homenagem que o poeta Alfred de Vigny (1997-1863) fez a um garoto de 14 anos, Henri Mondeux (1826-1862), que ficou famoso na época, pois mesmo analfabeto e cuidando de ovelhas, era capaz de efetuar cálculos complicadíssimos…

LA POÉSIE DES NOMBRES

Les nombres, jeune enfant, dans le ciel t’apparaissent
Comme un mobile chÅ“ur d’esprits harmonieux,
Qui s’unissent dans l’air, se confondent, se pressent
En constellations faites pour tes grands yeux
Nos chiffres sont pour toi de lents degrés informes,
Qui gênent les pieds forts de tes nombres énormes,
Ralentissent leur pas, embarrassent leurs jeux.
Quand ta main les écrit, quand pour nous tu les nommes,
C’est pour te conformer au langage des hommes,
Mais on te voit souffrir de peindre lentement
Ces esprits lumineux en simulacres sombres,
Et par de lourds anneaux d’enchaîner ces beaux nombres
Qu’un seul de tes regards contemple en un moment.
Va, c’est la poésie, encor, qui dans ton âme
Peint l’algèbre infaillible en symboles de flamme,
Et t’emplit tout entier du divin élément:
Car le poète voit sas règle
Le mot secret de tous les sphynx;
Pour le ciel, il a l’Å“il de l’aigle,
Et pour la terre l’Å“il du lynx.

( Alfred de Vigny )

A POESIA DOS NÚMEROS

Os números, criança, no céu te aparecem,
Móvel coro de espíritos harmoniosos
Que se unem no ar, se confundem, se parecem,
Constelações perfeitas pra teus grandes olhos.
Para ti, as cifras são lentos degraus informes,
Embaraçam os pés de teus números enormes,
Vão retardar teus passos, estragar seus gozos;
Se tua mão os escreve ou desenha seus nomes,
É pra te conformar à linguagem dos homens;
Mas te vejo penar ao pintá-los bem lento,
Espíritos de luz em imagens de sombra,
E ao encadear estes números de arromba
Que um só dos teus olhares vê num só momento.
Vai, é poesia ainda que, em tua alma,
Exata pinta a álgebra em frases de chama
E a preenche toda com o divino elemento:
Pois o poeta vê sem regra
O verbo oculto das esfinges;
Para o céu tem olho de águia
E para a terra olho de linces.

( Tradução Paulo Leminski )

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LE VOYAGE

À Maxime du Camp

I

Pour l’enfant, amoureux de cartes et d’estampes,
L’univers est égal à son vaste appétit.
Ah! que le monde est grand à la clarté des lampes!
Aux yeux du souvenir que le monde est petit!

Un matin nous partons, le cerveau plein de flamme,
Le coeur gros de rancune et de désirs amers,
Et nous allons, suivant le rythme de la lame,
Berçant notre infini sur le fini des mers:

Les uns, joyeux de fuir une patrie infâme;
D’autres, l’horreur de leurs berceaux, et quelques-uns,
Astrologues noyés dans les yeux d’une femme,
La Circé tyrannique aux dangereux parfums.

Pour n’être pas changés en bêtes, ils s’enivrent
D’espace et de lumière et de cieux embrasés;
La glace qui les mord, les soleils qui les cuivrent,
Effacent lentement la marque des baisers.

Mais les vrais voyageurs sont ceux-là seuls qui partent
Pour partir; coeurs légers, semblables aux ballons,
De leur fatalité jamais ils ne s’écartent,
Et, sans savoir pourquoi, disent toujours: Allons!

Ceux-là dont les désirs ont la forme des nues,
Et qui rêvent, ainsi qu’un conscrit le canon,
De vastes voluptés, changeantes, inconnues,
Et dont l’esprit humain n’a jamais su le nom!

II

Nous imitons, horreur! la toupie et la boule
Dans leur valse et leurs bonds; même dans nos sommeils
La Curiosité nous tourmente et nous roule
Comme un Ange cruel qui fouette des soleils.

Singulière fortune où le but se déplace,
Et, n’étant nulle part, peut être n’importe où!
Où l’Homme, dont jamais l’espérance n’est lasse,
Pour trouver le repos court toujours comme un fou!

Notre âme est un trois-mâts cherchant son Icarie;
Une voix retentit sur le pont: «Ouvre l’oeil!»
Une voix de la hune, ardente et folle, crie:
«Amour… gloire… bonheur!» Enfer! c’est un écueil!

Chaque îlot signalé par l’homme de vigie
Est un Eldorado promis par le Destin;
L’Imagination qui dresse son orgie
Ne trouve qu’un récif aux clartés du matin.

Ô le pauvre amoureux des pays chimériques!
Faut-il le mettre aux fers, le jeter à la mer,
Ce matelot ivrogne, inventeur d’Amériques
Dont le mirage rend le gouffre plus amer?

Tel le vieux vagabond, piétinant dans la boue,
Rêve, le nez en l’air, de brillants paradis;
Son oeil ensorcelé découvre une Capoue
Partout où la chandelle illumine un taudis.

III

Etonnants voyageurs! quelles nobles histoires
Nous lisons dans vos yeux profonds comme les mers!
Montrez-nous les écrins de vos riches mémoires,
Ces bijoux merveilleux, faits d’astres et d’éthers.

Nous voulons voyager sans vapeur et sans voile!
Faites, pour égayer l’ennui de nos prisons,
Passer sur nos esprits, tendus comme une toile,
Vos souvenirs avec leurs cadres d’horizons.

Dites, qu’avez-vous vu?

IV

«Nous avons vu des astres
Et des flots, nous avons vu des sables aussi;
Et, malgré bien des chocs et d’imprévus désastres,
Nous nous sommes souvent ennuyés, comme ici.

La gloire du soleil sur la mer violette,
La gloire des cités dans le soleil couchant,
Allumaient dans nos coeurs une ardeur inquiète
De plonger dans un ciel au reflet alléchant.

Les plus riches cités, les plus grands paysages,
Jamais ne contenaient l’attrait mystérieux
De ceux que le hasard fait avec les nuages.
Et toujours le désir nous rendait soucieux!

— La jouissance ajoute au désir de la force.
Désir, vieil arbre à qui le plaisir sert d’engrais,
Cependant que grossit et durcit ton écorce,
Tes branches veulent voir le soleil de plus près!

Grandiras-tu toujours, grand arbre plus vivace
Que le cyprès? — Pourtant nous avons, avec soin,
Cueilli quelques croquis pour votre album vorace
Frères qui trouvez beau tout ce qui vient de loin!

Nous avons salué des idoles à trompe;
Des trônes constellés de joyaux lumineux;
Des palais ouvragés dont la féerique pompe
Serait pour vos banquiers un rêve ruineux;

Des costumes qui sont pour les yeux une ivresse;
Des femmes dont les dents et les ongles sont teints,
Et des jongleurs savants que le serpent caresse.»

V

Et puis, et puis encore?

VI

«Ô cerveaux enfantins!

Pour ne pas oublier la chose capitale,
Nous avons vu partout, et sans l’avoir cherché,
Du haut jusques en bas de l’échelle fatale,
Le spectacle ennuyeux de l’immortel péché:

La femme, esclave vile, orgueilleuse et stupide,
Sans rire s’adorant et s’aimant sans dégoût;
L’homme, tyran goulu, paillard, dur et cupide,
Esclave de l’esclave et ruisseau dans l’égout;

Le bourreau qui jouit, le martyr qui sanglote;
La fête qu’assaisonne et parfume le sang;
Le poison du pouvoir énervant le despote,
Et le peuple amoureux du fouet abrutissant;

Plusieurs religions semblables à la nôtre,
Toutes escaladant le ciel; la Sainteté,
Comme en un lit de plume un délicat se vautre,
Dans les clous et le crin cherchant la volupté;

L’Humanité bavarde, ivre de son génie,
Et, folle maintenant comme elle était jadis,
Criant à Dieu, dans sa furibonde agonie:
»Ô mon semblable, mon maître, je te maudis!«

Et les moins sots, hardis amants de la Démence,
Fuyant le grand troupeau parqué par le Destin,
Et se réfugiant dans l’opium immense!
— Tel est du globe entier l’éternel bulletin.»

VII

Amer savoir, celui qu’on tire du voyage!
Le monde, monotone et petit, aujourd’hui,
Hier, demain, toujours, nous fait voir notre image:
Une oasis d’horreur dans un désert d’ennui!

Faut-il partir? rester? Si tu peux rester, reste;
Pars, s’il le faut. L’un court, et l’autre se tapit
Pour tromper l’ennemi vigilant et funeste,
Le Temps! Il est, hélas! des coureurs sans répit,

Comme le Juif errant et comme les apôtres,
À qui rien ne suffit, ni wagon ni vaisseau,
Pour fuir ce rétiaire infâme; il en est d’autres
Qui savent le tuer sans quitter leur berceau.

Lorsque enfin il mettra le pied sur notre échine,
Nous pourrons espérer et crier: En avant!
De même qu’autrefois nous partions pour la Chine,
Les yeux fixés au large et les cheveux au vent,

Nous nous embarquerons sur la mer des Ténèbres
Avec le coeur joyeux d’un jeune passager.
Entendez-vous ces voix charmantes et funèbres,
Qui chantent: «Par ici vous qui voulez manger

Le Lotus parfumé! c’est ici qu’on vendange
Les fruits miraculeux dont votre coeur a faim;
Venez vous enivrer de la douceur étrange
De cette après-midi qui n’a jamais de fin!»

À l’accent familier nous devinons le spectre;
Nos Pylades l&agrave-bas tendent leurs bras vers nous.
«Pour rafraîchir ton coeur nage vers ton Electre!»
Dit celle dont jadis nous baisions les genoux.

VIII

Ô Mort, vieux capitaine, il est temps! levons l’ancre!
Ce pays nous ennuie, ô Mort! Appareillons!
Si le ciel et la mer sont noirs comme de l’encre,
Nos coeurs que tu connais sont remplis de rayons!

Verse-nous ton poison pour qu’il nous réconforte!
Nous voulons, tant ce feu nous brûle le cerveau,
Plonger au fond du gouffre, Enfer ou Ciel, qu’importe?
Au fond de l’Inconnu pour trouver du nouveau!

( Charles Baudelaire )

A VIAGEM

A Máxime du camp

I

A quanta criança os mapas e as figuras ama,
O mundo é igual ao seu apetite profundo.
Deus meu, que é grande o mundo à vela em áurea chama!
Aos olhos da saudade, ah que é pequeno o mundo!

Partimos de manhã, fronte que o sonho alaga,
Ávido o coração de desejos e mágoas,
Íamos a seguir, pelo ritmo da vaga,
Ninar nosso infinito ao finito das águas:

Uns, beatos de fugir de uma pátria qualquer;
Outros, do horror de seus berços de azedume,
E astrólogos a arder no olhar de uma mulher
De tirânica Circe, e de amargo perfume.

Por não mudar em feras, trazem a alma cheia
De espaço e de esplendor e de céu com lampejos;
Esta neve que os morde, este sol que os cobreia
Apagam lentamente as impressões dos beijos.

Mas por certo só são na verdade viajantes
Os que só partem por partir como um balão,
Ligeiros corações na Fortuna confiantes,
E sem saber por que, dizem vamos e vão!

Os seus desejos são como nuvens informes,
E sonham como sonha o canhão o conscrito
Ignotas lassidões e volúpias enormes,
Cujos nomes jamais ao mundo há de ser dito.

II

Somos valsa de pião, somos salto de bola;
Ao homem em vigília ou quando o sono nasce
Sempre a curiosidade arrasta e desconsola,
Como um anjo cruel que as estrelas lanhasse.

Fortuna singular de fim sempre em mudança,
E estando sempre ausente, está em todo lugar!
Em que o homem que jamais nela perde a esperança
Só vive a perseguir e quase a delirar.

A nossa lama é trirreme a procurar Içaria;
Sobre a ponte uma voz percute: “abre o olho!”
E, da gávea, outras voz grita, ardorosa e vária:
“Amor!, Glória! Ventura!” Inferno! Era um escolho!

Cada ilhota que vê o homem pela vigia
É Eldorado a surgir feito promessa vã!
Mas a imaginação que se perde na orgia
Só descobre um recife ao nascer da manhã.

Ó pobre sonhador de religiões tão quiméricas!
É preciso prender ou deixar solto ao largo,
O marinheiro ebriado, inventor das Américas,
Cuja miragem torna o pego mais amargo?

Os pés postos na lama, o velho vagabundo,
Sonha, o nariz ao ar, paraíso fagueiro;
E vê o seu olhar uma Cápua no mundo
Toda vez que uma vela ilumina um pardieiro.

III

Oh viajantes do espanto! Ah, que nobres histórias
Lemos em vosso olhar de marinhos mistérios!
Os escrínios mostrai, que trazeis nas memórias,
De jóias a irradiar feitas de astros etéreos!

Queremos viajar sem vapor e sem vela!
Fazei para amainar o tédio das prisões
Por nossa alma passar, tesos como uma tela,
Horizontes de amor, vossas recordações.

O que pudestes ver enfim?

IV

“Nós vimos vaga
Como a estrela também; e o árido litoral;
E não obstante tanta amargura pressaga,
Por vezes como aqui vimos tédio fatal.

“Mas o triunfo do sol sobre o mar furta-cor,
A glória da cidade ao sol quase no poente,
Nos nossos corações punham o inquieto ardor
De mergulhar num céu reflexo atraente.

“Panorama não há, sem país opulento
Em que possa caber o misterioso encanto
Do esboço que nas nuvens delineia o vento
E que o desejo faz que amemos tanto, tanto!

“- O desejo da força o prazer sempre atiça.
Desejo, árvore velha e que o prazer vigora
Mas que no entanto cresce, espessando a cortiça,
Teus ramos querem ver de perto o sol da aurora!

Hás de sempre crescer árvore mais vivaz
Que o cipreste? – Mas nós já colhemos também
Umas ilustrações ao vosso álbum voraz,
Irmãos que belo achais o que de longe vem.

Nós pudemos saudar ídolos com a trompa;
Tronos sempre a brilhar de painéis luminosos;
Palácios de pintor que de feérica pompa,
Ao banqueiros serão os sonhos mais ruinosos;

E costumes que são aos olhos uma orgia;
Mulheres a esplender nas unhas e nos dentes,
E prudentes jograis que a áspide acaricia.”

V

E após, e após enfim?

VI

“Cérebros inocentes!
“Para não esquecer a coisa capital,
Vimos por tudo e sem nunca a haver procurado,
Pela imensa extensão da escala mais fatal,
A tediosa visão do perpétuo pecado:

“A mulher, serva hostil, tão orgulhosa e estúpida,
Amando-se sem rir e sem nenhum fastio;
O homem servo da serva, alma lasciva e cúpida,
Que num esgoto desemboca feito um rio;

“O algoz no seu prazer, o mártir no seu dano;
O festim que perfuma o sangue e que Tempra;
O vinho do poder enervando o tirano,
E o povo a delirar ao chicote que o espera;

“Diversas religiões iguais à nossa em suma,
Todas galgando o céu enfim; e a ânsia divina
Como busca um donzel doce leito de pluma,
Procurando a volúpia em pregos ou em crina;

“A humanidade falsa e a quem o gênio ébria,
E como antigamente agora delirante,
Gritando para Deus em furiosa agonia:
– “Eu te maldigo, ó meu Senhor, meu semelhante!”

E os que prudentes são, amantes da demência
Ao fugir do tropel que a sorte uniu enfim,
E procurando no ópio a enorme sonolência!
– Tal é do globo inteiro o eterno boletim.”

VII

Saber amargo o que se pode obter na viagem!
O mundo, hoje pequeno e quase sem remédio,
Hoje, ontem, amanhã, nos faz ver nossa imagem:
Sempre um oásis de horror num deserto de tédio!

É preciso partir? Ficar? Queres ficar, pois fica:
Parte, se for preciso. Um corre, outro se esgueira,
O inimigo a enganar, de vigilância iníqua,
O Tempo! E muitos são estes que sem canseira,

Correm como o Profeta ou o Judeu errante.
Nem neve nem vagão hão de poder bastar
Para fugir do gladiador tão ultrajante.
Há os que o matam enfim sem sair do lugar.

E após o ponta-pé que o Tempo nos destina
“Avante!” poderemos gritar um momento,
Da maneira que outrora íamos para a China,
Olhos fixos ao largo e cabelos ao vento,

Iremos embarcar sobre os mares sombrios
Tal jovem passageiro e cheio de prazer.
Não ouvis esta voz, de funéreo amavio,
Que canta: “Por aqui! Vós que quereis comer

“Ó Lótus perfumado. É só aqui que se apanha
O fruto de ilusão que vos enche de fome;
Viestes vos embriagar desta doçura estranha
Que há neste entardecer que o Tempo não consome?”

A essa voz familiar revela-se a visão;
Os Pílades além mostram braços vermelhos.
“Para Electra navega o pobre coração!”
Disse aquela a que já beijamos os joelhos.

VIII

Ó Morte, ó capitão! Deixemos este cais!
Este país é o tédio! Ah, soltemos a vela!
Se o firmamento e o mar são negrumes fatais
O nosso coração, se clarões se constela!

Verte-nos teu veneno, ele é que nos conforta!
Tanto o cérebro nosso é de fogo incendido,
No abismo mergulhar, Inferno ou Céu, que importa?
Para o novo encontrar no mais desconhecido!

( Tradução: Jamil Almansur Haddad )

BRISE MARINE

La chair est triste, hélas! et j´ai lu tous les livres.
Fuir! là-bas fuir !
Je sens que des oiseaux sont livres
D´être parmi l´écume inconnue et les cieux!
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Ne retriendra ce coeur qui dans la mer se trempe
O nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,
Lève l´ancre pour une exotique nature!
Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l´adieu suprême des mouchoirs!
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages
Sont-ils de ceux qu´un vent penche sur les naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots…
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots!

( Stéphane Mallarmé )

BRISA MARINHA

Tradução: Augusto de Campos

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fugir! Fugir!
Sinto que os pássaros são livres,
Ébrios de se entregar à espuma e aos céus imensos.
Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,
Impede o coração de submergir no mar
Ó noites! nem a luz deserta a iluminar
Este papel vazio com seu branco anseio,
Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.
Eu partirei!
Vapor a balouçar nas vagas,
Ergue a âncora em prol das mais estranhas plagas!
Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,
Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!
E é possível que os mastros, entre ondas más,
Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem mastros, sem mastros, nem ilhas férteis a vogar…
Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do mar!

( Tradução: Augusto de Campos )

Coloquei este dois poemas famosos por um motivo muito simples. Li um ensaio do Roberto Bolaño ( LITERATURA + ENFERMEDAD= ENFERMEDAD – do livro “El gaucho insufrible” Editora Anagrama ), que discorre sobre a relação entre estes dois poemas… percebemos que “Brisa Marinha” é uma espécie de resposta a “A Viagem”…
Reparem que no poema de Baudelaire a viagem começa bem, mas depois os viajantes estão desiludidos:

“Saber amargo o que se pode obter na viagem!
O mundo, hoje pequeno e quase sem remédio,
Hoje, ontem, amanhã, nos faz ver nossa imagem:
Sempre um oásis de horror num deserto de tédio”!

Nesta última imagem, Bolanõs vê um dos diagnósticos mais lúcidos da enfermidade do homem moderno: o oásis de horror no deserto de tédio: para sair do marasmo só o horror, ou seja só o mal.
Mas no final, resta uma opção ao horror e ao tédio: a procura do novo !!!

“No abismo mergulhar, Inferno ou Céu, que importa?
Para o novo encontrar no mais desconhecido!”

Já o outro poema, de Mallarmé, começa assim:

“A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.”

O poeta quer dizer que os prazeres da carne são efêmeros e que ao ler um livro ele já pode ter lido todos, afinal todos os livros são o mesmo livro…
Porém Mallarmé diz que o que resta é a viagem, mas porque é que propõe a viagem sabendo que ela já está condenada??? ( pelo poema de Baudelaire, inclusive ) : Mallarmé quer voltar ao começo e recomeçar…em um processo cíclico-viconiano…
Fiquem com um fragmento do ensaio do genial chileno-mexicanizado:

“Mas enquanto buscamos o antídoto ou o remédio, o novo, aquilo que só podemos encontrar no desconhecido, temos que seguir transitando pelo sexo, pelos livros e pelas viagens, ainda que sabendo que nos levam ao abismo, que é, casualmente, o único lugar onde poderemos encontrar o antídoto.”

( Boberto Bolaño – tradução José Geraldo de Barros Martins )

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podem ficar com a realidade
esse baixo astral
em que tudo entra pelo cano

quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano

( Paulo Leminski )

Gostei da mostra sobre Paulo Leminski que está acontecendo no Itaú Cultural, porém poderia ser maior, ocupar os outros andares do prédio… e também deveria ter um livro com os poemas expostos… Veja um pouco mais clicando no espaço destinado a ele (entre o Zé Celso e o Palatnik) aqui.

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Nessa onda de progresso e tecnologia que vivemos não deixo de lembrar da frase do famoso poeta francês:

“Haverá algo de mais absurdo do que acreditar no Progresso quando o gênero humano, como o podemos comprovar diariamente, continua semelhante e igual a si mesmo – isto é, ainda no estado selvagem? O que são os perigos da selva ou os das pradarias comparados com os choques e os atritos da civilização dos nossos dias? O homem que dá o braço à sua vítima em plena avenida ou aquele que abate a sua presa em qualquer floresta absconsa, não será sempre o mesmo homem – isto é, o mais perfeito animal de rapina?”

( Charles Baudelaire – Tradução Fernando Guerreiro )

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Citação do dia:

“Em literatura e na sociedade, raramente me abstive de exprimir o violento desprezo que me inspiram as pretensões da ignorância, da arrogância e da imbecilidade.”

( Edgar Allan Poe )

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