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{ Monthly Archives } julho 2003

Citação do dia :

“… E eu que amo a vida mais do que o sonho

e o sonho e a vida juntos

mais do que ambos separados

e que não sei sonhar senão a vida

e que não sei viver senão o sonho …”

( Almada Negreiros )

UM ERRO É UM ERRO ?

Elenísia Leonora era uma espécie de personalidade que achava que deveria cumprir uma sina revolucionária … depois de uma adolescência lendo Kant , Kierkegaard , Niezstche , Pré Socráticos e Vilém Flusser , passou a crer que seus pequenos atos , se realizados imbuídos de consciência crítica e razão pura , iriam desencadear mudanças estruturais na conjuntura da história … “Minhas migalhas filosóficas irão germinar nas personalidades em formação de meus aluninhos ( ela era professora ) , que quando se tornarem adolescentes , irão implodir os alicerces da sociedade atual !!! Era o que sempre dizia …

Achava , por exemplo , que a melodia do Hino da Bandeira ( Francisco Braga/Olavo Bilac ) era horrorosa , e que sua letra poderia muito bem ser transposta para a melodia de “Amélia” de Ataulfo Alves e Mário Lago … e era assim que ensinava às criancinhas …Acreditava que com uma melodia melhor , as pessoas passariam a cantar o hino e enaltecer a bandeira brasileira ( o pendão verde , amarelo , branco , azul anil … ) o que futuramente resultaria em uma nação melhor e mais justa …

Com tais atos achava que transfiguraria o destino cósmico e isso a fazia se sentir um ser humano superior , todos os dias , na hora que apagava a luz , antes de dormir …

Um dia , saindo da escola que lecionava ( “Externato Meus Tempos de Criança” ) notou um homem que se aproximava trajando terno branco de linho e achou que iria receber uma cantada prosaica , mas se surpreendeu ao ver ele arremessar uma bolinha de papel para o cesto de lixo municipal … o petardo bateu no aro e caiu para fora , sobre a calçada … ” – Ele errou …” ela pensou , seguindo a caminhar , quando ouviu “- Errei sim , errei , erramos …”

Primeiro , a sensação de que o desconhecido lera seus pensamentos gelou a espinha da nossa protagonista … depois , a afirmação que o erro era também dela , perfurara seu orgulho …

” – Como erramos ??? Quem errou o arremesso foi você !!!” disse Elenísia estarrecida … ” – Mas no momento que você viu que eu iria lançar a bolinha , você também começou a se integrar no ato do arremesso …”

” – Nossa você estuda filosofia ???” Perguntou nossa amiga em estado de êxtase , achando que o sedutor teria um diário , no qual o seu nome logo estaria escrito …

“- Entre outras coisas … como cítara , geometria espacial e história da culinária universal … disse nosso amigo , levantando a bolinha de papel com o pé , fazendo algumas embaixadas e com um chute de trivela , acertando a cesta de lixo do outro lado da rua …

“- Eu queria ser jogador de futebol”- prosseguiu – ” fiz até um teste no Atlético de Apucarana , no Esportivo de Petrolina , no Zaratustra de Treze Tilias e no América de Boa Esperança ( times das divisões inferiores das inferiores ) mas não deu certo …

O homem de terno branco era Raimundo Connor Von Taad , filho do dono da fábrica de tremoço “Temor e tremor” …

Elenísia pôde deixar o emprego , pois além de querer fazer coisas mais interessantes, julgava que as tais mudanças estruturais na conjuntura histórica já estavam começando a acontecer , e que portanto sua missão estava concluída …

Eles casaram e foram felizes para sempre e ainda tiveram duas filhas : a primeira se chamou Parerga e a segunda Paralipomena …

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Citação do dia :

“To hear with eyes belongs to love’s fine wit (…)” (*)

Ouvir com os olhos faz parte das sutilezas do amor (…)

( William Shakespeare – tradução :Herbert Caro )

Citação do dia :

“Uma vida feliz é impossível : o máximo que um homem pode atingir é um curso de vida heróico . Este o possui aquele que , de um modo qualquer numa circunstância qualquer , luta por um bem destinado a todos contra dificuldades gigantescas , vencendo por fim , mas recebendo pouca ou nenhuma recompensa por seu esforço .”

( Arthur Schopenhauer – tradução : Wolfgang Leo Maar )

AUTO RETRATO CAMINHANDO EM UMA RUA EM GENT ( BÉLGICA )

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Saí ontem para comer um crepe , e percorrendo o percurso entre Moema e Vila Madalena reparei a pouca quantidade de pessoas nas ruas … sei que este é um mês de férias , mas a noite paulistana está muito mais vazia do que deveria … aí caímos na citação de Walter Hugo Cury ( diretor do longa “Noite Vazia” ) … não tenho certeza , mas acho que já li um artigo de jornal com esta comparação , só que escrito em uma época de “periodo escolar” e quando o cineasta ainda estava vivo … Não vi “Noite Vazia” ( dizem que é inspirado em “A Noite” de Antonioni , que vi e não gostei ) , mas aprecio muito alguns filmes do cineasta ,como “As Amorosas” ( 1968 ) , com Paulo José , Lilian Lemmertz , Jacqueline Myrna , Anecy Rocha , Clarisse Abujamra , Júlia Lemmertz , Mutantes e Wesley Duke Lee , entre outros … A fita mostra um jovem niilista ( Paulo José ) em plena época do flower power e da agitação estudantil , que sem perspectivas , tenta saciar sua ansiedade em relações amorosas diversas , mas estas só o levam às frustrações maiores … pois como ensina Schopenhauer , desejo ( vontade ) e pessimismo sempre estiveram ligados :

“Todos os manuais , ensinam que Schopenhauer , foi o em primeiro lugar o filósofo da vontade , e em segundo lugar o do pessimismo . Mas não há primeiro nem segundo , : Schopenhauer , filósofo e psicólogo da vontade , não poderia não ser pessimista . A vontade é algo infeliz , fundamentalmente : é inquietude , necessidades , cobiça , apetite , anseio , dor , e um mundo da vontade tem que ser um mundo de sofrimentos.”

( Thomas Mann – tradução : Sérgio Molina )

Outra película de Cury exemplar é “Amor Voraz” (1984) , com Vera Fischer , Marcelo, Picchi , Lucinha Lins , Márcia Rodrigues , Bianca Byington , Cornélia Herr e Beth Martinez : leiam a sinopse do filme extraída do Dicionário de Filmes Brasileiros de Antônio Leão da Silva Neto :

” Numa casa situada no litoral , Ana (Vera Fischer ) repousa na companhia de algumas amigas , recuperando-se de um esgotamenteo nervoso muito sério. À beira de um lago que há em sua propriedade ela se encontra com um desconhecido ( Marcelo Picchi ) mudo e doente , com quem se comunica por telepatia e por quem se apaixona . A ela , homem confessa que vem de um planeta que está em processo de extinção , e que sua raça procura há milênios um local para onde possa emigrar . Enfrentando a oposição de suas companheiras , que a julgam louca , e que , à sua aceitação daquele homem silencioso , reagem com um misto de intolerância , medo e inveja da felicidade que ela parece encontrar ao seu lado , Ana vai assumir sua paixão pelo extraterrense , até o momento em que terá que conformar-se com a idéia de que , fracassada sua missão na terra , chegou a hora em que ele deve desaparecer.”

( Antônio Leão da Silva Neto )

Agora , com relação a noite paulistana , pergunto : será que é só a noite que está vazia ??? não estarão também vazias as pessoas ??? Seus anseios ??? Seus espíritos ??? Será o pessimismo schopenhauriano ??? Ou será apenas que as pessoas estão preferindo ficar em casa e assistir televisão ??? Interrogações …

A RUIVA SHAKESPEARIANA PENSANDO NO OTELO MAMELUCO

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Citação do dia :

“A vida e a experiência podem conferir a determinados vocábulos um acento completamente estranho ao seu sentido comum , e que lhes confere um nimbo de pavor incompreensível para todos os que não os tenham conhecido no seu significado mais horroroso.”

( Thomas Mann – tradução Herbert Caro )

A DIVINA COMÉDIA

Até que enfim , acabei de ler “A Divina Comédia” de Dante Alighieri … por achar que esta obra só pode ser lida em um país que se assemelhe concomitantemente ao Inferno , ao Purgatório e ao Paraíso , decidi não lê-la no país platino ( onde passei uns dias ) , uma vez que tal nação não possui as características necessárias para tal fim … Voltando ao país dos mamelucos ( a pátria de Pindorama ) , concluí a leitura da obra …

Primeiramente gostaria de afirmar que Dante conhecia bastante de cabala : os céus de seu paraíso são semelhantes aos sephiroths cabalísticos , inclusive estão dispostos na mesma ordem ( ascendente ) : lua , mercúrio , vênus , sol , marte , júpiter , saturno , urano e plutão … Depois , diria que me surpreendeu a descrição dos santos : em vez de almas com mantos e auréolas , Dante descreve os santos como esferas de luz , que nem o disco voador que eu vi quando criança em Trabiju ( mas aí é outra estória ) …

Finalmente, me agrada um canto no qual eu acho que está a chave do livro : no canto XXI do Purgatório… depois de ouvirem um trovão e se assustarem , Dante e Virgílio passam ao sexto recinto ( o destinado aos ávaros ) … após um tempo percebem uma sombra os seguindo … conversam e o espectro explica que o trovão deveu-se ao fato de uma alma ( a dele , é claro ) estar sendo liberada ao Paraíso ( após purgar os males ) … a sombra declara ser Estácio , um poeta que se salvara graças a leitura de “Eneida” ( de Virgílio ) … Dante fica sem jeito , mas acaba revelando para Estácio a identidade de Virgílio … os três se congratulam e seguem para o Paraíso ( lá Virgílio não poderá entrar ) …

Será que do mesmo jeito que Estácio se salva por causa da “Eneida” , não pode o leitor moderno se salvar lendo “A Divina Comédia”???

Paralelamente li “Nove Ensaios Dantescos” nos quais Jorge Luis Borges discorre sobre vários episódios da “Divina Comédia” : as interpretações da estória de Ugolino , o Ulisses de Dante , a águia formada pelas almas dos reis justos e sua semelhança com um pássaro da literatura árabe chamado Simurg , e outros temas interessantes … mas el brujo de Palermo Viejo infelizmente não menciona este encontro de poetas …

CAFÉ DOREGO , SAN TELMO , BUENOS AIRES …

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