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{ Tag Archives } literatura

Acabei de ler “Os Ratos” de Dyonelio Machado … livraço : uma espécie de “Ulisses” brasileiro , que narra um dia inteiro na vida de um funcionário público medíocre e endividado, que passa o dia atrás de uma quantia de dinheiro para pagar a dívida com o leiteiro … é interessante notar que os personagens se comportam como ratos ; como bem observa David Arrigucci Júnior , no excelente posfácio … por sinal , lembrei-me de um dia quando caminhava pela Av. Ibirapuera e vi um mendigo que gritava aos transeuntes : – Nós iremos roer o bairro de vocês !!! Nós iremos roer tudo !!!

Agora , começo a ler ( em espanhol ) “Textos Recobrados” de Jorge Luis Borges , que são escritos que ficaram de fora do quatro volumes das “Obras Completas” . Neste livro percebemos que mesmo no início de carreira , o Brujo de Palermo era capaz de metáforas como estas :

“Afuera, un Perro negro aúlla a la Luna de Marfil. Divino grial inasequibile. Ficha eternamente apostada en los tapetes verdes del cielo.(*)”

(*) Lá fora, um cachorro negro uiva para a Lua de Marfim . Divino Graal inacessível. Ficha eternamente apostada nos tapetes verdes do céu.

( Jorge Luís Borges – tradução : José Geraldo de Barros Martins )

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Citação do dia:

“Eu dava aulas na universidade e não estava me sentindo à vontade. Com minha obra, não pretendia explicar minhas idéias teóricas. Dava aulas e via meus colegas divididos em dois grupos claramente diferenciados: os que eram uma fraude ( os medíocres e os canalhas) e os que tinham, por detrás do quadro negro, uma obra plástica que andava, bem ou mal, a passo com o trabalho docente.”

Depoimento de Guillem Piña, (rua Gaspar Pujol, Andratx, Maiorca, junho de 1994) um dos personagens do livro “Os Detetives Selvagens” do escritor chileno Roberto Bolaño escritor chileno (*). Esta passagem está no 22º capítulo desta obra genial, que estou lendo …

(*) não confundir com o quase-homônimo Roberto Bolaños, o humorista que criou e interpretou Caves e Chapolim .

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No final dos anos oitenta costumava ir , junto com algus amigos artistas , tomar um cerveja na casa do Maurício Nogueira Lima … Naquela época era ( e hoje ainda penso que é ) hábito dos jovens artistas visitarem os mais artistas veteranos … Lendo “OS DETETIVES SELVAGENS” do chileno-pero-que-mexicano Roberto Bolaño, reparei que um dentre os muitos relatos do livro, descreve uma situação bastante parecida : Amadeo Salvatierra , um velho escritor , recebe a dupla de poetas Arturo Belano e Ulisses Lima , que desejavam saber sobre uma escritora que desaparecera no deserto mexicano , Cesárea Tinajero . Amadeo havia participado com ela , na década de vinte do Realismo Visceral , movimento que os dois pretendiam retomar na década de setenta ( tal qual os tropicalistas fizeram a releitura do modernismo ) . O velho poeta lhes mostra então a única revista em que Cesárea publicara : Caborca e abre para eles uma garrafa de Mescal “Los Suicidas” ( talvez a última garrafa que restara no México , uma vez que esta marca não era mais fabricada ) . Quando acaba a bebida , os dois jovens saem para comprar mais outra garrafa … Leiam um pedaço do original:

“E um deles disse vou já comprar outra garrafa de tequila. E eu disse vá logo, e tirado energias do passado me levantei e me arrastei (como um relâmpago ou como a idéia de um relâmpago) pelos corredores escuros de minha casa até a cozinha, abri todos os armários em busca de uma improvável garrafa de Los Suicidas, embora soubesse perfeitamente que não sobrava nenhuma, renegando e xingando mães, fuçando entre as latas de sopa que às vezes meus filhos traziam, entre trastes imprestáveis, aceitando finalmente a malvada realidade, mergulhando a cabeça de meus fantasmas e escolhendo sucedâneos: pacotinhos de amendoim, uma latinha de chile chipotle (*), um pacotinho de biscoitos salgados, com o que voltei em velocidade de cruzador da Primeira Guerra Mundial, cruzador perdido nas névoas de um rio ou da foz de um rio, não sei, perdido em todo caso, pois o fato é que meus passos não desembocaram na sala, mas em meu quarto, papagaio, Amadeo, disse a mim mesmo, você deve estar mais bêbado do que imagina, perdido na bruma, com apenas uma lanterninha de papel pendurada em seus canhões de proa, mas não me desesperei e encontrei o rumo, passinho a passinho, tocando minha sineta, barco no rio, vaso de guerra perdido na foz do rio da história, (…) então eu via a porta bater, depois umas vozes e disse comigo, Amadeo, deixe de ser babaca e siga na direção das vozes, fenda com sua carcomida e enferrujada proa as trevas deste rio e volte para junto de seus amigos, foi o que fiz e assim que cheguei à sala, com os braços repletos de tira-gostos, e na sala já estavam sentados os rapazes, me esperando, um deles já havia comprado duas garrafas de tequila. Ah, que alívio chegar à luz, mesmo que esta seja uma vaga penumbra, que alívio chegar à claridade.”

( Roberto Bolaño – tradução : Eduardo Brandão )

(*) Pimenta defumada

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Citação do dia :

The soul of Man must quicken to creation.
Out of the meaningless practical shapes of all that is living or lifeless
Joined with the artist’s eye, new life, new form, new colour.
Out of the sea of sound the life of music,
Out of the slimy mud of words, out of the sleet and hail of verbal imprecisions,
Approximate thoughts and feelings, words that have taken the place of thoughts and feelings,
There spring the perfect order of speech, and the beauty of incantation.” (*)

(*)A alma do Homem deve aprestar-se rumo à criação.
Da pedra informe, quando à pedra se conjuga o artista,
Surgem sempre novas formas vida, da alma do homem à alma da pedra unida;
Das formas funcionais e privas de sentido de tudo o que palpita e jaz sem vida,
Se o olho do artista as ilumina, afloram vida nova, novas formas, cores vivas.
Do oceano do som emerge a vida da polifonia,
Do viscoso lodo das palavras, do granizo e da nevasca das imprecisões verbais,
Das idéias e dos sentimentos inexatos, das palavras que lhe tomam o espaço,
Desvela-se a seqüência harmônica da frase, e a beleza das palavras mágicas.

( T. S. Eliot – tradução: Ivan Junqueira )

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Citação do dia:

“Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse. E o que escrever isso será, na época em que o escrever, incompreendedor, como os que me cercam, do meu análogo daquele tempo futuro. Porque os homens só aprendem para uso dos seus bisavós que já morreram. Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver.”

( Fernando Pessoa )

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A citação do dia foi uma sugestão de meu amigo Sillas, vejam só :

ORAÇÃO ANTE A ÚLTIMA TRINCHEIRA

Agora é o silêncio.
É o silêncio que faz a última chamada:
É o silêncio que responde:
– Presente!
Depois será a grande asa tutelar de São Paulo,
_ asa que é dia e noite e sangue e estrela e mapa _
descendo, petrificada, sob um sono que é vigília.
E aqui ficareis, Heróis-Mátires, plantados firmes,
para sempre, neste santificado torrão de chão paulista.

Para receber-vos, feriu-se ele da máxima
de entre as únicas feridas, na terra,
que nunca se cicatrizam,
porque delas uma imensa coisa emerge
e impõe-se que as eterniza.
Só para o alicerce, a lavra, a sepultura e a trincheira
se tem o direito de ferir a terra.
E, mais legítima que o alicerce,
que se eterniza na casa, a dar teto para o amor,
a família, a honra, a paz;
Mais legítima que a ferida da lavra,
que se eterniza na árvore,
a dar lenho para o leito, a mesa, o cabo da enxada,
a coronha do fuzil;
Mais legítima que a ferida da sepultura que se eterniza no mármore
a dar imagem para a saudade, o consolo,
a bênção, a inspiração;
Mais legítima que essas feridas
é a ferida da trincheira,
que se eterniza na Pátria,
a dar pura razão de ser da casa,
da árvore e do mármore.

Este cavado trapo da terra,
corpo místico de São Paulo
em que hora existis consubstanciados,
mais que corte de alicerce,
sulco de lavra, cova de sepultura,
é rasgão de trincheira.
E esta, perene, que povoais,
é a nossa última trincheira.

Esta é a trincheira que não se rendeu
a que deu à terra o seu suor,
a que deu à terra a sua lágrima,
a que deu à terra o seu sangue !
Esta é a trincheira que não se rendeu,
a que é nossa bandeira gravada no chão,
pelo branco do nosso Ideal,
pelo negro do nosso Luto,
pelo vermelho do nosso Coração.
Esta é a trincheira que não se rendeu,
a que, atenta, nos vigia,
a que, invicta, nos defende,
a que, eterna, nos glorifica !
Esta é a trincheira que não se rendeu,
a que não transigiu,
a que não esqueceu, a que não perdoou !
Esta é a trincheira que não se rendeu:
Aqui a vossa presença, que é relíquia,
transfigura e consagra no altar
para o vôo, até Deus, de nossa fé.
E, pois, ante este altar, alma de joelho,
a vós rogamos:

_ Soldados Santos de 32,
sem armas em vossos ombros, velai por nós !;
sem balas na cartucheira, velai por nós!;
sem pão em vosso bornal, velai por nós!;
sem água em vosso cantil, velai por nós!;
sem galões de ouro no braço, velai por nós!;
sem medalha sobre o cáqui, velai por nós!;
sem mancha no pensamento, velai por nós!;
sem medo no coração, velai por nós!;
sem sangue já pelas veias, velai por nós!;
sem lágrimas ainda nos olhos, velai por nós!;
sem sopro mais entre os lábios, velai por nós!;
sem nada a não ser vós mesmo, velai por nós!;
sem nada senão São Paulo, velai por nós!

( Guilherme de Almeida )

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Citação do dia :

“For I have known them all already, known them all
– Have known the evenings, mornings, afternoons,
I have measured out my life with coffee spoons;” (*)

(*)Pois já conheci a todos, a todos conheci
– Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
Medi minha vida em colherinhas de café;

( T. S. Eliot – tradução : Ivan Junqueira )

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BLOOM’SDAY

Um dos romances mais famosos do século passado , “Ulisses” se passava em um único dia : 16 de Junho de 1904 … nesta obra , James Joyce conseguiu vislumbrar o caráter épico de um dia qualquer na vida de um homem comum ( destes que vivem tal qual um relógio , como foi mencionado na citação de ontem ) , e fazer um paralelo deste dia trivial com uma epopéia ( no caso a “Odisséia” de Homero ) .
Podemos viver imbecilmente , tal qual uma máquina estúpida e repetitiva , mas se pudermos ver a manifestação da Divindade nas coisas mais simples ( epifania ) , perceberemos que a vida não é tão boçal assim …
A cerveja Guinness que eu tomei para comemorar esta data pode ser apenas uma simples cerveja escura , mas também pode ser o gênesis ou melhor o “guinesis” !!!

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ATÉ QUE ENFIM

Depois de 2097 páginas finalmente acabei de ler “Finnegans Wake” de James Joyce. Foram os cinco volumes da edição bilíngue “Finnicius Revém” da Editora Ateliê Editorial , traduzida por Donaldo Schüler ( 1648 páginas ) além de dois livros de apoio : “Homem Comum Enfim” ( Here Comes Everybody ) – Anthony Burgess / tradução : José Antonio Arantes – Editora Companhia das Letras ( 303 páginas ) e “Panaroma de Finnegans Wake” – Augusto e Haroldo de Campos – Editora Perspectiva ( 149 páginas ) .
Na verdade ninguém termina de ler Finnegans Wake , apenas recomeça a leitura , uma vez que a última frase emenda com a primeira ( que começa com letra minúscula ) …
Quatro anos após ter iniciado a árdua leitura posso finalmente concordar com o filósofo Jacques Derrida que afirmou : Pois não podemos dizer nada que não esteja programado nesse computador de milésima geração,Ulisses, Finnegans Wake, junto a qual a tecnologia atual de nossos computadores de de nossos arquivos microcomputadorizados e de nossas máquinas de traduzir não passa de uma bricolagem, um brinquedo pré-histórico de criança (…)”
Fiquem com a última e a primeira frase do livro na versão original e em três traduções :

A way a lone a last a loved a long the
riverrun, past Eve and Adam’s, from swerve of shore to bend of bay, brings us by a commodius vicus of recirculation back to Howth Castle and Environs.
( James Joyce )

A via a uma a una amém a mor além a
riocorrente, depois de Eva e Adão, do desvio da praia à dobra da baía, devolve-nos por um commodius vicus de recirculação devolta a Howth Castle Ecercanias.
( tradução : Augusto de Campos )

A via a lenta a leve a leta a long a
rolarrioanna e passa por Nossenhora d”Ohmem’s, roçando a praia, beirando ABahia, reconduz-nos por cominhos recorrentes de Vico ao de Howth Castelo Earredores.
( tradução : Donaldo Schüler )

Além a solo a logo anelo ao longo do
correrio, depois de Eva e Adão, da dobra da prais à curva da baía, nos traz por um commodius vicus de recirculação de volta a Howth Casle e Entornos.
( tradução : José Antonio Arantes )

PS. : Em um artigo publicado na revista CULT nº 31 ( Fevereiro de 2000 ), Sérgio Medeiros diz : “Em alguma página do livro, o leitor provavelmente encontrará seu ‘aleph’, a palavra que resumirá todo este enredo.” Ao meu ver o “aleph” não está em uma palavra específica , mas na supracitada junção entre a última e a primeira palavra do livro , o ponto onde os opostos ( início e fim ) se mesclam , a união dos opostos ( pregada pelo filósofo Bruno , o Nolano ) e também o ponto do recomeço ( finis again ) ; dois dos temas centrais desta magnífica obra …

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Citação do dia :

Uma manhã de outubro de 1967, Borges está ministrando sua aula de literatura inglesa. Um estudante entra e o interrompe para anunciar a morte de Che Guevara e a imediata suspensão das aulas, para render-lhe uma homenagem.
Borges responde, que a homenagem seguramente pode esperar.
Clima tenso. O estudante insiste: – Tem que ser agora, e que você se vá.
Borges não se resigna e grita: – Não me vou, nada. Se você é tão valente, venha tirar-me da sala de aula.
O estudante ameaça cortar a luz.
Tomei uma precaução – retruca Borges – de ser cego, esperando este momento.

( fonte : Informativo do Clube Argentino de São Paulo )

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