Citaçào do dia :
“PARA QUE NO HAYA OLVIDO
Tiempo sumidero.
El poema chispea
breve relámpago
en las tinieblas.
Árduo intento
de retener por milénios
el pájaro en su último
vuelo.”
( Lara de Lemos )
ACONTECEU NUM DOMINGO
Todas as noites Danusa Dulcinéia se dirigia à pedra do Saci , o ponto mais alto da cidade de São José do Bambuzal , e sob a figueira centenária , ficava contemplando as estrelas e sonhando com a volta de Orestes Zacarias , seu namorado de infância , que deixara a pequenina cidade no noroeste paulista para se alistar na Legião Estrangeira …
Uma noite ela viu , ou imaginou ter visto , a constelação do Cruzeiro do Sul piscar durante alguns segundos , tal qual as luzes estreboscópicas que iluminavam seus bailinhos de juventude … Pronto : bastou este fato inusitado para que ela passasse a ter certeza do retorno iminente de sua cara-metade , ao ponto de alardear sua profecia para os quatro ventos …
Como a nossa protagonista era a mulher mais desejada da cidade , o simples boato da volta de seu amado fez com que os rapazes locais começassem a tramar a ruína de Orestes Zacarias …
Enquanto todos aguardavam , a cidadezinha só não permaneceu no mais absoluto marasmo devido a chegada do Circo Goytacaz , uma companhia modesta cuja principal atração era o palhaço Emboabinha , que com sua saudação peculiar –”Alôzinho , criançudas !!!” – fascinava o público infantil …
Entretanto em uma manhã de domingo tudo mudou … a nossa protagonista não acreditou ao avistar a pessoa que tanto sonhara : era simplesmente ele , em carne e osso , sentado a tomar sorvete na pracinha da Matriz … mas o sonhado reencontro foi interrompido pela chegada dos pretendentes , liderados pelo valentão local , conhecido como Carlão Chaparral …
A cidade parou estarrecida e assistiu o liderzinho vociferar contra o nosso amigo , dizendo que ele estava expulso da cidade , porém Orestes Zacarias calmamente tirou o cigarro que Carlão fumava , apagou na própria mão , mastigou , cuspiu o fumo no chão e disse : -“Alôzinho , criançudas !!!””
Estas simples palavras fizeram com que as crianças presentes corressem gritando :- “É o palhaço Emboabinha , é o palhaço Emboabinha !!!” o que fez com que todos os outros locais tomassem partido do recém-chegado e fixassem o prazo de doze horas para que Chaparral e seus asseclas saíssem de São José do Bambuzal , para nunca mais voltar …
Nos dias seguintes tudo foi explicado : com o dinheiro que ele ganhou como mercenário , o nosso protagonista montou uma companhia circense e para queimar o carma negativo que acumulou em anos e anos guerreando , resolveu entreter os pequeninos tornando-se palhaço , mas nunca ladrão de mulher …
Quem está de passagem pela capital bandeirante é a escritora Suzana Cano ( que passou a se chamar Suzana Navarro ) … me telefonou e disse que irá relizar um sarau em uma cobertura no centrão … ela é sempre bem-vinda …
Aqui vai um texto seu recente …Alô , alô editores !!!
“todo dia o mesmo falido semblante do incesto, e seu comentário assíduo de que
nada me basta. todo dia a crítica concisa. me ocorre sempre um murro honesto.
um parâmetro fórceps tirano, assim nos tornamos incrédulos e basta. de
simpatia, vinho e saúde. o que ocorre impunemente é saudade, é pileque, assunto
cerrado. quando morde a auréola dos meus peitos a sua língua é pura vaidade. e
até o dorso, meus dentes em seu osso, de nada adianta. inexorável fogo, se gozo
e calo, finjo morta. não adianta adiante. nada vence a angústia da cicatriz na
têmpora. nada minimiza esta cabeça baixa, ninguém faz uma surpresa na hora
correta.
e de nojo, anjos disfarçados de morcegos me servirão dipirona sódica de novo
numa bandejinha dourada. destas da minha mãe, eles virão mesmo que magros e
reles, tristemente excessos, dando medo, eles virão me esconder o latejar
atemporal. e sendo erro para os incertos, penso às vezes, errado é o certo,
quando molho dentro. muito perto .pra quê. se já não tem mais o feito coração
rebento, já não tem mais o mesmo quinhão de lerdeza, bondade, sucção, aquilo q
me deu atitude e fogo na juventude. por que olhar perto se o meu é muito sente,
e pouco, muito, mesmo quando encanto a serpente com técnica científica e ponho
o fato de esmero no místico, ela vem e some, desce e sobe e o pseudocomando me
tange, o reflexo falha e o q apascento me censura tão forte, mas ainda é pouco,
seu riso na minha boca não chega, e se viesse, seria tarde. por enquanto uso
brincos, amarro lenços e lavo as partes, me pedem asseio, educação, mesura. no
meu sítio vide cão vou descalça, piso e deito, cheia de fome na cama branca,
com os pés imundos da cidade. vou errando porque mereço, o resto precede. sou
pura indescência, uma delícia.”
( Suzana Navarro )
METAMORFOSE AMERICANA
O romance “Metamorfose”de Franz Kafka ( 1883-1924 ) poderia se ambientado em qualquer lugar do mundo …Porém se fosse naquele país da eficiência medíocre e pragmática ( que está situado entre o México e o Canadá ) , seu protagonista não poderia ter origen latina , uma vez que já teria nascido cucaracho …
Citação do dia :
DECLARAÇÃO DE BENS
Olha bem em torno de ti e dentro de ti,
olha e vê, vê claramente visto,
que é chegada a hora de nada mais ter:
ouro, ambições, objetos, posições,
atira tudo fora, doa ou renuncia.
Outros são os teus verdadeiros bens,
qualquer um sabe: são a tua fantasia
e o teu coração envolto de saudade,
perdidos amores e perdidas ilusões.
O resto são quinquilharias.
( Mário da Silva Brito )
TÁ ME TIRANDO ???
Em um desse bares com balcão de mármore , piso com lajotas antigas , parede de azulejos brancos e pretos decorados com retratos de times de futebol e fotos antigas : ele vai pegar uns acepipes ( batatas a vinagrete , tomate seco , presunto crú , queijos parmesão , provolone e gorgonzola , azeitonas chilenas , aliches e alcahofinhas ) quando ao avistar uma beldade , declama uma poesia , que poderia ser de João Cabral de Melo Neto , Oswald de Andrade , Almada Negreiros , Mário Faustino , Arnaldo Xavier , Carlos Drummond de Andrade , Paulo Leminski , Mário de Sá Carneiro , Décio Pignatari , ou similar …
Ela lacônicamente responde : – “Tá me tirando ?”’
Na verdade o objeto tirado foi a poesia , o sujeito que realizou o ato de tirar foi a própria mulher , e o local de onde este objeto foi tirado foi a vida imbecil de uma menina que passa seu tempo assistindo reality-show e lendo revistas desprezíveis … na verdade ela mesma que tirou de si , o que existe mais de bonito na vida …
No Canto lll da Odisséia , Menelau ao narrar suas aventuras a Telêmaco , lembra-se de quando , após passar vinte dias retido na ilha de Faros , na costa egípicia , pela falta de ventos , vislumbrou a deusa Idótea , filha de Proteu , o Ancião do mar . A divindade aconselha-o a armar uma emboscada contra seu pai , e obrigá-lo a revelar um meio de poder retornar à sua pátria ( Lacedemônia ) . Menelau e mais três companheiros , entram em uma gruta vestidos com peles de focas recentemente esfoladas , com ambrosia debaixo do nariz ( para suportar o mau-cheiro de seus disfarces ) e aguardam Proteu , sair do mar ao meio-dia para revistar seu rebanho de focas … Então Menelau e seus ajudantes atiram-se sobre o velho , porém este se transforma em um leão , depois em um dragão , pantera , porco , água cristalina e em árvore frondosa … mas os aqueus não desistem e continuam a segurá-lo fortemente …então o Ancião do mar , extenuado revela que eles devem retornar ao Egito e realizar um sacrifício para Zeus , para que os deuses concedam o suspirado regresso …
Baseado neste tema o escritor argentino Jorge Luis Borges compôs dois poemas :
PROTEO
Antes que los remeros de Odiseo
fatigaran el mar color de vino
las inasibles formas adivino
de aquel dios cuyo nombre fue Proteo.
Pastor de los rebaños de los mares
y poseedor del don de profecía,
prefería ocultar lo que sabia
y entretejer oráculos dispares.
Urgido por las gentes asumía
la forma de un león o de una hoguera
o de árbol que da sombra a la ribera
o de agua que en el agua se perdía.
De Proteo el egipcio no te asombres,
tú, que eres uno y eres muchos hombres.(*)
(*)PROTEU
Antes que os remeiros de Odisseu
Fatigassem os mares cor de vinho,
As inapreensíveis formas adivinho
Daquele deus cujo nome foi Proteu.
Um pastor dos rebanhos desses mares
Que possuía o dom da profecia
Preferia ocultar o que sabia
E entretecer uns oráculos díspares.
Urgido pela gente, assumia
A forma de um leão, de uma fogueira
Ou de uma árvore que ensombra a ribeira
Ou de água que na água se perdia.
Com Proteu, o egípicio, não te assombres,
Tu, que és um e ao mesmo tempo muitos homens.
( Jorge Luis Borges – tradução Josely Vianna Baptista )
OTRA VERSIÓN DE PROTEO
Habitador de arenas recelosas,
mitad dios y mitad bestia marina,
ignoró la memoria, que se inclina
sobre el ayer y las perdidas cosas.
Otro tormento padeció Proteo
no menos cruel, saber lo que ya
encierra el porvenir: la puerta que se cierra
para siempre, el troyano y el aqueo.
Atrapado, asumía la inasible
forma del huracán o de la hoguera
o del tigre de oro o la pantera
o de agua que en el agua es invisible.
Tú también estás hecho de
inconstantes ayeres y mañanas.
Mientras, antes.(*)
(*)OUTRA VERSÃO DE PROTEU
Habitante de areias receosas,
Meio deus, meio fera marinha,
Ignorou a memória, que definha
Sobre o ontem e as perdidas coisas.
Outro tormento padeceu Proteu
Não menos cruel, saber o que encerra
O futuro: uma porta que cerra
Para sempre, o troiano e o aqueu.
Capturado, tomava a inapreensível
Forma do furacào e da fogueira
Ou do tigre de ouro ou da pantera
Ou de água que na água é invisível.
Tu também estás feito de inconstantes
Ontens e amanhãs. No entanto, antes…
( Jorge Luis Borges – tradução Josely Vianna Baptista )
Dica de Blog :
É o Mundo da Lua escrito pela Fernanda Poivre , que talvez seja parente de um sargento que tinha um Clube de Corações Solitários ….