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COMEMORAÇÃO PRA INGLÊS VER

I

Joe J. Ocker Junqueira respirou aliviado quando adentrou a sala de embarque do aeroporto de Heathrow, com a chegada das Olimpíadas, Londres, (sua cidade natal) estaria insuportável… cheia de atletas, turistas e repórteres, então decidiu realizar seus sonho: conhecer São Paulo… e mais precisamente estar nesta cidade para a comemoração da Revolução Constitucionalista de 1932…

Joe J. Ocker Junqueira nascera na Inglaterra, filho de brasileiros exilados durante a ditadura, sendo que tanto o avô paterno quanto o avô materno haviam lutado na Revolução Constitucionalista, motivo pelo qual achava esta guerra mais importante do que a Segunda Guerra Mundial… para ele as batalhas de Itararé, Cunha, Garganta do Embaú e Atibaia eram mais importantes que Stalingrado, Midway, El Alamein e Kursk… a única coisa que ele lamentava a este respeito era que ninguém tinha feito um quadro, um filme ou uma música inspirado na Revolução de 32 como Candido Lopez pintara a Guerra do Paraguai ou os Rolling Stones que fizeram Gimmie Shelter criticando a Guerra do Vietnâ… (War, children, it’s just a shot away/It’s just a shot away).

Joe J. Ocker Junqueira falava português, mas o máximo que se atrevera em terras de lingua portuguesa foi uma estadia em Sintra… agora era diferente, iria enfim conhecer o país de seus antepassados, o estado pelo qual seus avôs pegaram em armas e a cidade que sempre sonhou conhecer e sobre o qual tinha tanto estudado. Era interessante pois ele conhecia a São Paulo através de filmes: O Grande Momento (Roberto Santos), São Paulo S/A (Luis Sérgio Person), “O Bandido da Luz Vermelha” (Rogério Sganzerla) , “Cidade Oculta” (Chico Botelho) e varios filmes de Carlos Reichenbach…

II

Joe J. Ocker Junqueira se hospedou em um grande hotel junto ao Viaduto Tutóia, no Paraíso, pois era perto do obelisco comemorativo a Revolução de 32 que existe no Parque do Ibirapuera, de modo que no dia 9 de Julho ele poderia ir caminhando até o obelisco….

Duas coisas impressionaram Joe J. Ocker Junqueira, a primeira foram as comidas: crescera comendo a comida que seus pais (por sinal exímios cozinheiros) preparavam: coxinhas, empadinhas, cuzcuz paulista, virado, etc… agora ele podia comer outras coxinhas, outras empadinhas e compará-las com as que sempre comera… adorou a empada do restaurante Itamarati (lugar muito frequentado por um de seus avôs), experimentou a famosa coxinha do bar Veloso e os bolinhos de bacalhau de um simpático bar que ficava ao lado de seu hotel…

Outra coisa que o deixou impressionado foi o nome das ruas:

Guaramomis, Tupiniquins, Aicás, Anapurus, Nhambiquaras, Maracatins, Jurupis, Juquis, Iraé, Açocê, Chibarás, Moema… Jamaris, Jurema, Jandira, Jurucê, Aratãs, Iraí, Moaci, Miruna, Imarés, Carinás, Chanés, Pamaris, Maturi, Maicuru, Apamas, Mucajai, Juruti, Ibirapuera, Arapanés, Jauaperi, Inhambu, Ibijaú, Ararapi, Carajuá, Sumaré, Caeté, Campevas, Iperoig, Apiacás, Apinajés, Aimberê, Caiowá, Cajaíba, Piracuama, Caiubi, Tucuna, Cotoxó. Mutuparana, Ambuás,

Para alguém que morava na St. John´s Wood Road, em Westminster, aqueles montes de ruas com nomes indígenas era um deleite… “É uma pena que James Joyce não conhecesse estes nomes, seriam muito interessantes se fossem inseridos no Finnegans Wake”

III

Na manhã de 9 de Julho, Joe J. Ocker Junqueira acordou ansioso, comeu o café da manhã apressadamente e rumou para o Obelisco do Ibirapuera… lá viu uma comemoração linda… pessoas marchando caracterizadas com fardas semelhantes as utilizadas na época, cantando o Hino da Revolução Constitucionalista, enquanto que famílias agitavam várias bandeiras paulistas… no meio de tudo ele viu alguns ex-combatentes… que sabem não teriam lutado ao lado de seus avôs… mas dentres estes personagens se destacava um velhinho, e então ele percebeu no brilho do olhar daquele velhinho revolucionário, a força das pessoas que lutaram, lutam e lutarão por um país melhor…

VI

Na tarde de 9 de julho, Joe J. Ocker Junqueira foi visitar o túmulo de seus avôs, e diante de cada tumba leu em voz alta (com certo sotaque) o poema “A Nossa Bandeira” de Guilherme de Almeida…

“Bandeira da minha terra,
Bandeira das treze listas:
São treze lanças de guerra
Cercando o chão dos paulistas!”

depois foi até um bar provar mais alguns petiscos e experimentar outras marcas de cerveja brasileira… na mesa do bar ele se lembrou do olhar do velhinho ex-combatente, percebeu que o ancião era de uma geração de pessoas que tinham ideais, que tinham coisas mais interessantes para se preocupar do que ter uma barriga de tanquinho ou se o celular é um smartphone… percebeu que na comemoração que assitira pela manhã, só havia poucos velhinhos, ou seja a geração de seus avôs já estava quase extinta… Joe J. Ocker Junqueira se sentiu como um exilado, um exilado no tempo, um exilado que vivia no meio de uma geração mediocre, uma geração que bebia uísque com energético ouvindo dance, trance e hip-hop… mas percebeu também que não dava para lutar contra isto, mas já que era para viver em uma época injusta e absurda então ele deveria viver em uma cidade igualmente injusta e absurda…então ele refletiu olhou ao redor e percebeu que aquela seria a sua cidade daí por diante…

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QUEM PODERIA IMAGINAR QUE NAQUELE CASARÃO…

Adamastor Orlando e sua esposa Ofélia Alberica adoraram o café da manhã daquele hotel em Puerto Varas, no sul do Chile… ele adorara que servissem todas as manhãs, uma jarra de suco de toranja (*), ela adorava uma fruta local chamada “papaya”, mas que na verdade parecia um mistura de mamão com maracujá… chegaram àquela cidade, no final do dia anterior… O tempo estava nublado, resolveram então que o melhor era não fazer nenhum passeio motorizado pelos arredores… poderiam comer algo, beber vinho e caminhar pelas redondezas…

Ofélia Alberica sugeriu comer no restaurante do hotel, afinal no dia anterior almoçaram em um restaurante bastante exótico em Ancud, na ilha de Chiloé… comeram Curanto, um prato típico local em que mariscos, e pedaços de carne de frango e de porco são cozidos com folhas de uma planta chamada “pangue”, até que gostou, mas achou o sabor um tanto quanto forte…

Adamastor Orlando tinha preconceito com comida de hotel e preferia sair para procurar um lugar intuitivamente, como acontecera no dia anterior, quando sem querer se deparou com o retro-mencionado restaurante, onde entre a exótica decoração, conseguiu fotografar uma bem-humorada placa: “Aqui se come mal, pero al frente se come peor.”… fotografou também o tal do prato típico e depois comeu quase tudo (com exceção aos pedaços de frango que considerou suspeitos).

Mas naquele dia, resolveram comer no hotel … após a refeição, o nosso protagonista se surpeendeu pois além da “comida-de-hotel” estar excelente, naquela viagem haviam passado pela Argentina, mas foi justamente no Chile que comeram a melhor carne… “_- É preciso desmistificar as coisas –argumentava para sua cara-metade – vejam o caso do Bar Léo…

Depois do farto almoço, foram caminhar pela cidade … primeiramente visitaram a catedral, depois seguindo pela Calle Verbo Divino, sem querer se depararam com um antigo bairro alemão nos arredores da Calle San Ignacio … antigas casas de madeira, muitas mal-conservadas, mas sempre com um jardim arrumado, com cortinas, e muitas vezes com algumas belas flores… no início os nossos protagonistas ficaram deslumbrados com o ambiente, porém ao caminharem em direção a Calle Del Salvador, Calle Otto Bader, Calle Chrstel Fresse e arredores, reparavam que as pessoas entravam apressadamente paras as casas assim que os avistavam, Ofélia Alberica dizia para Adamastor Orlando que não estava gostando do ambiente, que estava assustada pois aquelas casas pareciam estar mal-assombradas, com olhinhos sorrateiros a prescurtar os passos dos transeuntes … O nosso protagonista também achava a mesma coisa e queria retornar ao centro da cidade, quando um jovem os interrompeu perguntando se eram brasileiros… ele falava português quase sem sotaque, disse que se chamava Fantito Gasparez e que havia morado no Brasil alguns anos e também que gostava de conversar na nossa lingua… disse ainda que morava na casa da esquina em frente… e convidou-os para um chá…

O casal, a princípio titubeou, porém sem jeito, resolveu aceitar o convite: era uma casa antiga, por fora parecia estar mal-assombrada, mas por dentro era magnífica: móveis da década de setenta bem conservados (a maioria de fórmica), um toca-discos antigo, luminárias de acrílico, caixotes com discos de vinil, cartazes dos filmes “Terra Em Transe” de Glauber Rocha e “O Bandido da Luz Vermelha” de Rogério Sganzerla…

Adamastor Orlando estranhou alguém possuir estes cartazes sobre antigos filmes brasileiros em um local tão distante de Pindorama, e enquanto o anfitrião preparava o chá o nosso protagonista pediu permissão para olhar os livros e os discos de vinil… permissão concedida, Adamastor reparou na existência de um exemplar original de “Panamérica” de José Agripino de Paula, outro de “Deus da Chuva e da Morte” de Jorge Mautner…. reparou também em alguns Long Plays da época da tropicália: discos de Caetano, Gil, Gal e Mutantes…

O chá é servido …. Fantito Gasparez contou a sua estória… disse que passou bons anos no Brasil e que retornou ao Chile no início de setenta e três… depois a narrativa ficou um pouco confusa…

O casal protagonista disse que precisava ir embora, pois temia estar sendo inconveniente… despediram-se… o anfitrião sorridente os acompanhou até a porta…

Quando estavam a cerca de cinquenta metros de distância, Adamastor Orlando disse que tinha algo errado naquela casa e resolveu voltar, Ofélia Alberica disse que era tudo imaginação dele, que seria melhor não perder tempo e seguir logo para o hotel…. ele porém retornou à casa de Fanturito Gasparez e sorrateiramente espiou pela fresta da janela…

Adamastor não acreditou no que viu: a casa estava vazia e parecia estar a muito tempo abandonada.

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O REVÓLVER

I

Tertuliano Valtércio estava muito ocupado naquela tarde de sexta-feira: escrevia um artigo sobre duas batalhas navais desconhecidas que ocorreram na América do Sul, ambas entre ingleses e alemães, uma na Primeira, outra na Segunda Guerra Mundial…

A primeira ocorrida em 08/12/1914 na região das Ilhas Malvinas, quando cinco navios alemães oriundos da costa chilena tentaram assaltar Port Stanley (Illhas Malvinas), sem saber que a Inglaterra mandara uma poderosa frota…. resultado quatro navios alemães afundados… somente um conseguiu escapar e pedir asilo no Chile…

A segunda ocorrida em 13/12/1939, quando um cruzador blindado alemão que já havia afundado quatro navios no atlântico, dois no oceano ìndico, e mais três novamente no oceano atlântico, foi encurralado no litoral uruguaio por três cruzadores ingleses, e após algumas avarias resolveu atracar em Montevidéu… o capitão do navio ouvindo um (falso) boato que os ingleses reuniam uma esquadra cercando o Rio da Prata, resolveu fugir e explodir o próprio navio.

Após uma minuciosa descrição destas batalhas navais, o nosso protagonista discorria sobre a importância da América do Sul como cenário dos principais conflitos do século passado, quando tocou o telefone… era o seu pai, Teobaldino Valtércio, são-paulino doente (a ponto de batizar o filho com o nome do ponta-direita tricolor):

– Tudo bom?

– Tudo… e o são-paulinho?

– Desta vez foi bem… nosso técnico armou um esquema que anulou Neymar, enquanto o Lucas deitou e rolou sobre a defesa santista….

… e o papo futebolístico prosseguiu por mais alguns minutos até que o seu Valtércio disse:

– Mudando de assunto, sabe já estou ficando velho e tem uma coisa que ninguém sabe na família que ninguém sabe…

Ficaram em silêncio, Tertuliano esperava ansioso, imaginando que seu Valtércio iria dizer que tinha outra família, ou coisa parecida… mas seu pai reiniciou a conversa:

– Sabe… eu tenho um revólver… um Smith & Wesson calibre 32, cano longo, cromado… e como estou ficando velho eu queria te dar esta arma…

Tertuliano não sabia o que dizer… ele não gostava de armas, mas não queria contrariar seu pai… então disse:

– Tudo bem, quando eu voltar para São Paulo, na semana que vem você me dá este revólver, ta bom? Mas não fale pra ninguém…

– Então tá.

II

Após terminar o texto e enviá-lo para o jornal, ele resolveu preparar um tagliatelle à puntanesca: após refogar alho, pimenta malagueta e orégano em fogo baixo ele acrescentou o tomate sem pele, e enquanto esperava a hora de acrescentar as azeitonas, as alcaparras e aliches cortados, o telefone tocou novamente… era sua filha Teobaldéya:

– Tudo bom pai?

– Tudo jóia… Então como está a faculdade, já escolheu o tema do trabalho de conclusão?

– Já…vai ser sobre Herman Meville, mas mudando de assunto, deixe eu te contar uma coisa que só a mãe sabe… na verdade gostaria que por enquanto você guardasse segredo… sabe pai, tõ namorando…

– Ah é… e quem é?

– É o Quinzinho… você não conhece… mas quando você voltar pra cá, eu levo ele em casa no almoço de domingo…

– Olha, eu tô com comida no fogo… depois eu te ligo…

III

Não era sempre que a tia Lurdinha de Londrina e a tia Alvirinha de Avaré vinham até a capital paulistana, a última foi em 2005 no mesmo ano que o São Paulo venceu o Liverpool e sagrou-se três vezes campeão mundial… agora elas tavam de novo na cidade e de quebra trouxaram uma sobrinha-neta: Barbirinha de Barbacena… foram visitar o seu Valtércio com direito a torrada-chá-bolinho-café-biscoito-e-licor devidamente servidos pela sua esposa, Dona Linércia… seu Valtércio aproveitou para convidar sua nora Noralicia e sua neta Teobaldéya… a visita transcorreu dentro do normal, as tias no sofá da sala lembrando do passado e fofocando do presente, enquanto que Teobaldéya e Barbirinha jogavam batalha-naval na mesa da cozinha…

Depois das despedidas, quando Noralicia e sua neta Teobaldéya no hall do apartamento apertavam o botão do elevador, seu Valtércio aparece e diz:

– Esperem! Eu tenho uma encomenda para o Tertulianinho…

Após alguns segundos ele voltou com um embrulho e disse:

– Não abram no elevador em hipótese alguma…

– Mas o que é Vovô? Pergunta sua neta Teobaldélya…

– Depois vocês irão saber…

E a porta do elevador se fecha… as duas mais do que rapidamente abrem o embrulho e não acreditam no conteúdo: o Smith & Wesson 32

IV

Tertuliano Valtércio estava muito contente: seu artigo fora aceito e seria publicado, ele iria comemorar sozinho naquela quinta-feira, depois, no fim de semana quando voltasse à São Paulo iria preparar um almoço inesquecível para familia… já abrira um vinho uruguaio da uva Tannat, agora temperava um contra-filé: sal, pimenta-do-reino, alecrim, tomilho e semente de coentro, o telefone chora: era sua mulher:

– Tertulianho, eu não acredito, o seu pai está louco!!!
– Mas o que aconteceu Noralicinha…

– Você não acredita… fomos visitá-los junto com suas tias Lurdinha e Alvirinha… elas até trouxeram uma parente que eu ainda não conhecia a Barbirinha de Barbacena, uma gracinha, mas voltando ao assunto, quando estávamos no elevador seu pai apareceu com um embrulho, dizendo que era pra você, que não era pra abrir… quando a porta do elevador fechou abrimos correndo e vimos que era um revólver… fechamos o embrulho morrendo de medo e quando o elevador abriu fomos logo pra casa… mas que estória é essa???

O nosso protagonista ia responder prontamente contando que seu pai ligara dizendo que iria presenteá-lo com a arma, quando uma idéia surgiu em sua mente:

– Ora Noralíca, isto é normal… é que papai soube que a Teobaldéya está namorando…

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MEMÓRIAS DE UM CARNAVAL

Godoyfredo Alcebíades era um cidadão pacato, destes que chegam cedo em casa, tomam um bom banho, depois pijama, jantar, Jornal Nacional, novela e cama… porém nos dias de carnaval ele virava outra pessoa: vestia a sua fantasia de romano e sumia de casa na sexta de carnaval e só voltava na quarta-feira de cinzas em um estado deplorável… depois disso, o lar voltava para a base do “feijão, verdura, ternura e paz”… até a sexta-feira de carnaval do ano seguinte.

Ismayla Dorotéia, sua sorridente esposa achou que com a vinda do filho ele iria deixar de lado a estória de carnaval, porém nada feito, durante os três anos consecutivos ao nascimento do Quynzinho ele continuou a ser um pacato cidadão somente 361 dias por ano… mas agora o Quynzinho já estava com quatro anos e iria começar a perceber a ausência, de modo que Ismayla Dorotéia passou todo o fim de semana que antecede o carnaval pedindo para Godoyfredo Alcebíades desistir de pular o carnaval…

– Quem pula é cabrito, eu não pulo… eu me divirto no carnaval – resmungou ele domingo a noite, depois do Fantástico.

Na segunda ele sai sem dizer nada … volta para casa um pouco mais tarde, porém carrega uma caixa de papelão com um filhote de Labrador… Quynzinho adora… ele a observa com a certeza de que mais uma vez, ele irá se divertir no carnaval…

Godoyfredo Alcebíades se divertiu a valer naquele carnaval, e também no carnaval do ano seguinte, porém no carnaval do ano seguinte ele resolveu levar o labrador, que recebera o nome de “Heroy”(*) para a farra…

Voltou na quarta-feira de cinzas… com um vira-lata..

− Que cachorro é esse??? Cadê o Heroy??? exclamou ela ao vê-lo chegando naquele estado…

– É o Heroy, só que está fantasiado de vira-lata…

No dia seguinte a ressaca …as lembranças vagas e confusas: no sábado-de-carnaval havia dado o Labrador de presente para um menino de rua, depois na segunda-de-carnaval havia recolhido um vira-lata na rua… agora a necessidade de ter que inventar uma estória para enganar o Quynzinho…

– Sabe Quynzinho, estávamos andando á noite, neste carnaval, eu e o Heroy pela rua Anita Garibaldi (**), quando ao chegar na esquina com a avenida Conde do Bonfim encontramos um mago terrível que lançou um encanto mais terrível ainda em nosso cãozinho que o transformou em um vira-lata… porém ele disse que o feitiço só dura até o próximo carnaval…

O Quynzinho o observa mudo, porém boquiaberto… então Godoyfredo Alcebíades percebeu em que enrascada se metera…

(*) Com Y em homenagem a letra que aparece em Godoyfredo, em Ismayla e em Quynzinho.
(**) na Tijuca, Rio de Janeiro
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CONVERSAS AMBÍGUAS

Naquela noite de sábado calourento Juvenildo Vunegídeo resolveu tomar chope e comer rosbife com salada de batata… para tal, entrou naquele tradicional restaurante alemão que funciona há mais de uma década na capital paulistana… sentou-se em uma das poucas mesas vazias, situada entre um jovem casal e uma família velha…

O nosso protagonista achou curioso que o casal falasse espanhol enquanto a família falava alguma língua que lembrava o alemão…

Pediu um chope e meia porção de canapés sortidos, então enquanto aguardava o garçon trazer o seu pedido, ele abriu o livro que trouxera, no caso um exemplar raro: “Obras-Primas do Conto Alemão” Livraria Editora Martins -1959, uma coletânea de contos teotônicos organizada por Sérgio Millet com textos de Hoffmann, Ztefan Zweig, Heinrich Heine, etc…

Porém não conseguiu prosseguir na leitura, o casal ao lado discutia, e mesmo que a discussão fosse em lingua hispânica, ela desconcentrava o nosso amigo, que incomodado lançada terríveis olhares de censura para a mesa ao lado… ele conseguiu distinguir pelo sotaque, que o jovem era portenho e a jovem paulistana, embora com um espanhol fluente…

Tinham se conhecido na argentina… agora ele veio visitá-la na paulicéia, porém ele esperava algo mais agitado:

– Quiero bailar en lugares de lujo y modernidad!!! No me quedaré em un viejo restaurante alemán…

Mal terminara de pronunciar esta frase o jovem se levantou e saiu apressado… a jovem, no caso uma beldade, ficou impassível, depois olhou para o vizinho de mesa e disse:

– Desculpe-nos por favor, reparei que você estava tentando ler…

– Não tem problema… sei que não é da minha conta, mas por quê que você trouxe o gringo para um lugar como este?

– Como assim??? na minha opinião aqui é um dos melhores lugares de Sâo Paulo, um lugar com história, fundado por um dos tripulantes do navio Windhuk que atracou no Brasil em meio a segunda guerra… todos os tripulantes foram presos, depois quando a guerra acabou eles foram soltos e um deles resolveu abrir um restaurante com o nome do navio…

– Eu conheço essa história, eu sempre venho aqui …

– Então, voltando ao assunto… eu trouxe este argentino aqui porque aqui é um dos meus lugares favoritos… mas ele não está interessado em lugares como este… se não gostou, que se dane… não ia dar certo mesmo, por sinal, posso sentar na sua mesa?

– Claro… você já pediu?

– Não, mas acho que vou comer rosbife com salada de batata…

– Era justamente o que eu ia pedir…

Depois de vários chopps acompanhados de um delicioso rosbife com salada de batatas, molho tártaro, mostarda escura e molho inglês… eles conversavam sobre o destino da cidade…

– Eu não entendo, todos os dias vemos um monte de apartamentos caríssimos sendo vendidos… não existe dinheiro para tudo isto!!! Não existe tanta gente para estes prédios de luxo… existe alguma coisa errada… – disse ela.

O nosso protagonista olhou-a calmamente, depois se aproximou-se dela e disse baixinho:

– Na verdade, estes apartamentos são comprados por alienígenas, existe uma coisa que ninguém conhece: uma especulação imobiliária interplanetária… (ele na verdade não acreditava muito em nada daquilo, porém repetia aquela teoria pois achava que iria aparentar ser uma pessoa diferenciada e que ela iria achar bacana).

– Não diga… Você consegue reconhecer estes extraterrenses na rua?

– Claro,,, existem vários sinais… mas o principal é o sotaque… como demora muito tempo para falar um português fluente, os alienígenas sempre fingem que são estrangeiros…

– Mas não tem um sintoma mais aparente?

– Tem sim! – disse ele – na verdade os alienígenas babam um líquido azul , mas somente quando são confrontadas com fortes emoções – disse ele copiando a idéia do argumento do filme “Hombre Mirando al Sudeste” de Eliseo Subiela, com plena confiança de que ela jamais teria assistido o filme .

Mudaram logo de assunto para conversas mais interessantes…

Após um ano Juvenildo Vunegídeo estava casado com ela, seu nome: Jamélia Dorotilda, uma mulher interessantísssima…. uma tarde ao voltar do trabalho ele encontrou sua mulher em êxtase: em suas mãos um exame de gravidez positivo… eles comemoraram a notícia indo ao mesmo restaurante alemão, e por uma incrível coincidência aquela familia de estrangeiros que se sentara ao lado deles na noite do primeiro encontro, aquela mesma família que falava alguma língua que lembrava o alemão, estava mais uma vez sentada na mesa ao lado… No jantar tudo ocorreu muito bem , como sempre, porém após retornar ao lar, no meio da noite, quando o nosso protagonista se levantou com pressa para ir ao banheiro, ele observou um filete de saliva azul a escorrer da boca dela e a cair sobre o travesseiro…

Não conseguiu dormir: duvidara se havia se casado com uma alienígena ou com uma gozadora… ponderou sobre as duas situações:

No primeiro caso o que mais o angustiava era a idéia de que o seu futuro filho ou filha, iria ter uma mãe de outro planeta, e que esta criança poderia ser discriminada na escola… pensou também que sempre achara que ela tinha alguma coisa de estranho, vai ver era isso…

No segundo caso, isto é de ela ter se lembrado daquela estória da baba azul e ter comprado uma pastilha de anilina para simular que era de outro planeta, o que mais o surpreendia era a descoberta de que sua esposa era bastante espirituosa, pensou também que sempre achara que ela era uma grande gozadora, vai ver era isso…

Porém quando na manhã seguinte ele avistou aquela família de estrangeiros que estava no restaurante alemão na noite anterior… ele viu que os membros daquela família eram moradores de um apartamento de luxo recém construído (destes que o condomínio é uma fortuna) .. então, somente então ele compreendeu a resposta para a dúvida que tanto o angustiara quanto o surpreendera na noite anterior…

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UM OÁSIS MUITO ESTRANHO

A campainha tocou: eram Arlésio Siqueira e Anísea Mariette. Eles entraram no sobrado de Zillyo Edelberto e Zulmira Marília, onde tomaram aperitivos… Zillyo preparou um “Dry-Martini” para Arlésio, um “Mojito” para Zulmira e um “Old-Fashioded” para si, só Anísea que tomou agua com gás porque ia dirigir naquela noite…

O plano inicial era ir a um restaurante de um amigo deles, na Av. Lins de Vasconcelos, porém o lugar estava fechado, “Então onde iremos?” perguntou um deles… resolveram procurar um lugar nos arredores e enquando percorriam as ruas do Cambuci, Zillyo começou a discursar sobre a exibição total nos perfis das redes sociais: os gostos emboabas, o orgulho da jeguice tecnologizada: “o aparelho mais moderno a mostrar o vazio espiritual de uma geração aparício-narcisita: um lago de cristal líquido a refletir almas deslumbradas com suas vidinhas boçalizadas” exclamava ele orgulhoso da metáfora ligando o mito de narciso a se admirar em um lago da cristal líquido às pessoas deslumbradas com a própria imagem no “fêice”….

Arlésio concordava com seu amigo e acrescentava discorrendo sobre as novas revoltas populares a disseminar: novos ‘maio de 68’ as explodir de forma globalizada: os superáfits fiscais, os destinos individuais sendo arrastados pelas fétidas marés dos planos macro-econômicos: – “aqui era o fim do mundo, agora o fim do mundo é lá, mas nada impede que dentro de alguns meses, aqui volte a ser de novo o fim do mundo…nos anos setenta o capitalistas eram identificados como dráculas que sugavam o sangue dos pobrezinhos operários… agora os capitalistas mais parecem doctors Franksteins a criar monstros que escapam de seus controles… não existe mais a lógica maniqueísta…” retrucava contente pois também fizera uma metáfora brilhante referenciando o sistema capitalista com personagens de filmas de terror…

Anísea e Zulmira nada falavam, esperavam achar um restaurante onde pudesem combinar detalhes da próxima viagem: os casais iriam passar um fim de semana (emendando em um feriado) em Buenos Aires e estava combinado que uma tarde Arlésio e Zillyo iriam percorrer os sebos da Calle Corriente e tomar alguns copetins enquanto suas esposas iriam comprar sapatos, bolsas, botas, capas, malhas, calças e camisas na Calle Santa Fé…

Após percorrer diversas vias eles foram parar na R. Teodureto Souto onde acharam um restaurante único: ED CARNES: a churrascaria do Ed Carlos, para quem não sabem “o astro precoce da Jovem Guarda”, que gravou sucessos como “Edifíco de Carinho” e comandou um programa de TV denominado “Mini-Guarda” … ao entrar repararam em um senhor (vestindo jeans, camisa grená, gravata, corrente prateada indicando um relógio de bolso e óculos ray-ban, com pinta de delegado) que recepcioná-los: era o próprio Ed, em carne e osso… o aspecto do restaurante era genial: as paredes era repletas de figuras, pra começar havia um brasão medieval pintado sobre fundo de madeira, onde uma luva metálica de armadura segurava um espeto de churrasco fumegante… depois avistaram mais objetos: capas de discos, pinturas retratando o ídolo e pricipalmente fotos, muitas fotos do dono ao lado das mais diversas celebridades, principalmente fotos ao lado de Roberto Carlos… no lado esquerdo ao fundo, um palco, onde um outro cantor cantava a canção: “Canzone Per Te”…

Pediram costela, a especialidade da casa, e beberam cerveja gelada… o cantor continuava cantando clássicos da Jovam Guarda com destaque para “Rio Amarelo” (uma versão do clássico “Yellow River” que foi gravado em português pelos “Os Carbonos”) eles adoravam a situação inusitada: nada de restaurantes moderninhos com cardápios estilizados, pratos enfeitados servidos por garçons universitários em roupas negras e gel nos cabelos que atendem os clientes com ar blasé… o lugar era diferente um ambiente familiar: a esposa do dono vinha até a mesa perguntar se estava tudo bom, a garçonete simpática simples e parcialmente desdentada e o cantor que no palco ao fundo desfilava clássicos como “Maria Izabel” e “Eu Quero Voltar Para a Bahia”…

Enquanto comiam a carne (descrita como “sedosa” em um dos cartazes da casa) e tomavam as cervejas trazidas pela simpática e desdentada garçonete os quatro constataram que existem diversos restaurantes e bares que são iguais em qualquer lugar do mundo, bistrôs que tanto podem estar na Rive Gauche parisiense como na Recoleta portenha, pubs muito parecidos que tanto podem estar situados na Southeast Dublin quanto no bairro paulistano de Pinheiros, cantinas italianas que se mutiplicam pelo mundo… porém existe um outro tipo de restaurante… aquele que só pode existir em um único local, os verdadeiros oásis que se encontram em meio aos monótonos desertos da globalização… então eles compeenderam que estavam em um destes locais e por alguns instantes pararam de conversar e ficaram somente ouvindo a música e apreciando o ambiente…

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A MÁQUINA DO TEMPO

Joelmo Gerônimo estava indeciso… nosso protagonista era voluntário-cobaia para um teste de uma máquina de volta ao passado… ao contrário de tantos livros e filmes que descrevem processos mágicos de retorno no tempo, o caso aqui era diferente… tratava-se de um teste comercial realizado por um determinado grupo multinacional, que pretendia criar e administrar com exclusividade (garantida através das mais renomadas patentes internacionais) o turismo no tempo… ao contrário do turismo praticado até então, que era o turismo espacial, no qual o individuo se desloca através do espaço, de uma cidade a outra, por exemplo, o turismo temporal permitiria a viagem no tempo, ou seja o sujeito poderia voltar ao passado (*) e melhor ainda, a viagem no tempo possibilitaria também a viagem no espaço, ou seja a pessoa poderia ir para QUANDO e ONDE quisesse… é por isso que Joelmo Gerônimo estava indeciso… ele sabia que quando fosse lançada comercialmente, a viagem no tempo seria caríssima… ele sabia que jamais teria dinheiro para custear tal lazer… somente naquela única viagem (que duraria exatamente um dia) ele poderia retornar ao passado… ele ficava cismado de servir de cobaia para testes de um conglomerado multinacional, morria de medo de se tornar uma espécie de Clara Crocodilo (**) mas no fundo ele achava , ou melhor, julgava (***) que o risco valia a pena;

“imagina eu poder voltar aos restaurantes que já fecharam, por exemplo, no Parreirinha, na Av. Amaral Gurgel cujo carro-chefe eram as clássicas rãs… ou o lendário ‘Cantinho de Goa’ na Av. Pavão com a Av. Santo Amaro, que servia uma cozinha indiana aportuguesada com especialidades em peixes (o dono, natural de Goa. falava um português com um sotaque diferente), poderia ir em um restaurante que me impressionou na infância: o ‘Baronesa Russa’, que ficava na R. Correia Dias (entre a Av. Bernardino de Campos e a R. Cubatão), lugar onde eu comi meu primeiro strogonoff, ouvindo atentamente a proprietária, uma autêntica baronesa russa fugida da revolução comunista, afirmar que não admitia o fato das pessoas colocarem ketchup no strogonoff…poderia também ir a restaurantes de cidades de outros países que já fecharam… por exemplo o ‘El Português’ em Buenos Aires (ficava na Calle Baez com Calle Ortega y Gasset, no bairro de Cañitas) que apesar do nome, servia mesmo era uma carne esplendorosa..

poderia também voltar aos bares clássicos de minha juventude: o ‘Longchamp’ (****) na Rua Augusta, cujo balcão imitava uma pista de corrida de cavalos e na saída havia um disco final (*****) pregado na parede… o ‘Pandoro’ que ficava na Av. Cidade Jardim, onde eu comecei a beber Dry-Martini, o ‘Riviera’ que ficava no final da Consolação (a parede curva de tijolo de vidro era genial), ou mesmo poderia ir no ‘Kukamonga’ que funcionou na R. dos Pinheiros, um bar pequeno e pouco conhecido, mas onde havia o melhor fim de noite da paulistana década de noventa…

poderia ir a um evento específico, destes históricos, poderia assistir uma luta de boxe… por exemplo aquela considerada a maior luta de boxe de todos os tempos: Muhammad Ali X George Foreman realizada em 30 de outubro de 1974, em Kinshasa, capital do Zaire (hoje é Congo) , poderia ver Ali inusitadamente sem os jabs preparatórios, desferir aquele direto que estourou em cheio na cara de Foreman no round inicial… depois veria o futuro vendedor de forno elétrico castigar o profeta dos ringues até quase o final da luta, quando surpreendentemente o desafiante (no caso Muhammad Ali) derruba o então campeão Foreman… poderia ver também uma partida de futebol … poderia assitir aquela defesa que o arqueiro inglês Gordon Banks fez na cabeçada de Pelé, poderia ver Tostão receber a bola de Paulo César Cajú, fazer uma das jogadas mais lindas de todos os tempos e passar para Pelé que rolou para Jairzinho estufar as redes, naquele Brasil x Inglaterra no estádio Jalisco em Guadalajara, em 7 de Junho de 1970.

poderia assistir um show… poderia ir ver aquele famoso show da Gal, FA-TAL realizado em 15 de Outubro de 1971 no Teatro Siqueira Campos, no Rio de Janeiro, em que acompanhada pelo guitarrista Lanny Gordin a cantora baiana desfilava músicas de Ismael Silva. Geraldo Pereira, Roberto Carlos e Erasmo, Luiz Melodia, Jards Macalé e Waly Salomão, entre outros… poderia também ir ao Festival de Monterey em 18 de Junho de 1967, assistir ao show de Jimi Hendrix, ao meu ver a melhor apresentação do guitarrista americano: ‘Hey Joe’, ‘Purple Haze’ e até ‘Like a Rolling Stone’… poderia ir a uma show no Cassino da Urca em 1942 … o Trio de Ouro se apresentava, com Dalva de Oliveira, Herivelton Martins e Nilo Chagas… iria ouvi-los cantando ‘Ave Maria no Morro’… Poderia ir na Boite Vogue, na Av. Princesa Isabel, Rio de Janeiro, ver Dolores Duran em sua primeira temporada, nos idos de 1946…

Mas na verdade o que eu queria mesmo era voltar à capital paulistana no final da década de cinquenta para poder conhecer a minha avó que faleceu antes que eu tivesse vindo ao mundo… poderia bater um longo papo com ela… depois ir até o Itamaraty, que funciona até hoje em frente a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e tomar um chopp com o meu avô, e depois ir para uma das festas que meu outro avô costumava oferecer, nas quais compareciam Pixinguinha, Aracy de Almeida, ente outros… soube que em uma delas apareceu o Oswald de Andrade e o Dorival Caymmi, parece que uma parte da música João Valentão foi composta nesta ocasião, não sei se é verdade… mas o que eu sei é que é pra lá que eu vou!!!”

(*) a viagem ao futuro também era tecnicamente possível, porém foi proibida pelos órgãos governamentais em virtude do perigo potencial embutido no processo.

(**) personagem da música “Clara Crocolido” de Arrigo Barnabé, no qual um jovem serve de cobaia à industria farmacêutica e é transformado em monstro.

(***) pois conforme diz Noel Rosa: ”Quem acha, vive se perdendo.”

(****) falo do Logchamp original que funcionou onde funciona atualmente uma casa de fast-foot indiano, e não à segunda versão de Longchamp que funcionou onde funciona atualmente um restaurante marroquino. O nome do bar era homenagem ao hipódromo de Longchamp em Paris.

(*****) disco final: disco metálico usado no final das pistas de turfe que é equivalente a linha de chegada do atletismo ou a bandeirada na fórmula 1. Trata-se de um disco metálico vazado, pintado na cor vermelha.

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REDES SOCIAIS

Após horas e horas de meditação Genésio Amarildo definiu a estratégia que iria usar para conseguir uma namorada: iria criar uma identidade falsa em uma destas redes sociais… até aí nada de novo, só que a idéia de nosso protagonista era bastante original: invés de colocar um foto de outra pessoa ou de se passar por milionário, Genésio Amarildo colocou um foto dele (por fora ele se mostrava como era), porém por dentro ele alterou completamente seu perfil…

“- hoje em dia é tudo aparência, e nada de conteúdo… de aparência eu não estou mal e não tenho motivo algum para não botar uma fé na minha estampa, porém meus gostos não batem com da maioria, se mostrar o que penso não serei aceito… vou criar uma identidade vazia, de uma boçalidade superficial, um tipo bem chucro, bem imbecil mesmo… aí serei um sucesso com a mulherada.”

A partir daí aparece mais um usuário destas redes sociais:

mais um que adora camarão na moranga (quando o verdadeiro Genésio Amarildo preferia o clássico camarão a grega),

mais um que ouve Kenny G (quando o verdadeiro Genésio Amarildo ouvia Cannonball Adderley),

mais um que estava lendo “Marley e Eu¨ de John Grogan (quando o verdadeiro Genésio Amarildo lia “Pornopopéia” de Reinaldo Mores)…

… e assim por diante…

Então ele começou a se relacionar virtualmente com diversas pessoas, mas ele não achava nenhuma delas suficientemente interessante para tentar marcar um encontro… até que ele viu uma foto de Albeta Arrelia: uma morena linda, uma verdadeira estátua em forma humana, e com uma expressão de alguém inteligente, apesar de gostar de ouvir Kenny G e de ter opiniões sobre a vida imbecis e superficiais, aliás tanto quanto as do Genésio Amarildo fictíco.

Ela também parece que gostou do nosso protagonista, tanto que uma semana após se conhecerem virtualmente, resolveram se conhecer pessoalmente. Marcaram encontro em um destes botecos clássicos falsificados. Genésio Amarildo chegou dez minutos antes do combinado, sentou-se pediu uma bebida que jamais pensou um dia beber: caipirinha de saquê com kiwi, e ficou observando as pessoas…

“- Será que ela vem??? Será que não é mais algum engôdo??? Será que ela colocou uma foto falsa??? Vamos ver se vejo alguma feinha solitária neste bar…”

Mas ele não viu nenhuma feinha solitária… o que ele viu foi uma verdadeira estátua em forma humana vir em direção a sua mesa e perguntar :

“- Genésio Amarildo???”

Ele ficou hipnotizado pelo olhar dela e após alguns instantes imóvel ele falou:

“- Sim sou eu… Nossa você é a Albeta Arrelia ??? Sente-se…”

Ela se sentou e pediu uma caipirinha de saquê (só que de morango), ele sugeriu batata frita e uma picanha no recheau (que ele pessoalmente achava fumegante & engordurante) … ela aceitou…

“- Vocé é parente do palhaço Arrelia?” Ele perguntou.

“- Sempre me perguntam isso, mas não sou não. O meu sobrenome Arrelia é na verdade uma abraseilirazão do sobrenome de maus antepassados irlandeses, os O’ Reilly.”

Ele iria falar: “- Nossa a terra de James Joyce” , mas se conteve… ela jamais saberia nada sobre James Joyce…

E conversa vai, conversa vem, ele diz:

“- Salve o lindo pendão de seus olhos e a saúde que o olhar irradia.”

… ele reparou que ela fez uma expressão desconfiada no início mas logo depois sorriu… ele também reparou na forma que ela segurava os talheres, era diferente… o garfo fica apontado para baixo, tal qual eles comem na Europa…

“- Muito esquisito alguém sem cultura segurar os talheres de uma forma como esta… vai ver é uma herança dos seus antepassados irlandeses…” – pensou

… e o encontro foi seguindo da forma corriqueira até que na hora da sobremesa ela pediu Morango com Chantilly… só que na hora de pedir, ela pronunciou a palavra “chantilly” corretamente, ou seja sem pronunciar o duplo LL…

“- É interessante reveillon todo mundo pronuncia “reveiôn”, mas chantilly ninguém pronuncia “chantiy”… ele pensou…

Mas aí era demais, alguma coisa estava errada… ela não era quem aparentava ser… então Genésio Amarildo disse:

“- Chega de fingir, Albeta Arrelia… quem você realmente é??? Você é muito mais requintada intelectualmente do que parece!!!”

“- Mas você também está fingindo que é um boçal!!! Pensa que eu não saquei aquela citação de Torquato Neto: salve o lindo pendão de seus olhos e a saúde que o olhar irradia”…

E então os dois descobriram que eram duas almas gêmeas, ambos tinham gostos semelhantes, só que fingiam ser quem não eram… mas agora que tudo estava esclarecido resolveram que não tinham mais necessidade de aguentar aquele fumacê gordurizante que agora vinha das outras mesas e decidiram pedir a conta…

“- Vamos para meu apartamento – ela falou – vou lhe mostrar uma gravação inédita que os Mutantes fizeram com Serge Gainsbourg: ‘La Javannaise’ e ‘Le Premier Bonheur Du Jour’, provavelmente gravadas em um intervalo dos shows que a banda paulistana fez no Olympia em 1969…”

“- Legal… vamos sim… só vou dar uma paradinha para comprar um champagne no meio do caminho, que além de celebrar o nosso primeiro encontro, servirá também para tirar da boca este gosto destas comidas medonhas e destas bebidas horríveis que estávamos tomando…”

“- Boa idéia, porque caipinhinha de saquê é de lascar… pensa que eu também não reparei que você fazia cara feia a cada gole que tomava???”

E assim o casal recém formado saiu daquela nuvem de gordura repleta de miasmas sebosos e seguiu para um futuro em que ambos simplesmente eram o que eram… somente o Genésio Amarildo e a Albeta Arrelia virtuais tiveram que mudar seus gostos e nunca mais puderam ouvir de novo o saxofone de Kenny G.

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ACONTECEU NUM 7 DE SETEMBRO

Jeromyas Jerênimo Júnior e Eric Mouzinho Von Péricles Filho adoraram o desfile de 7 de setembo… quando seus respectivos pais Jeromias Jerênimo e Eric Von Péricles tiveram a idéia de levá-los eles acharam que seria chatíssimo, agora bricavam no quintal, enquanto os velhos tomavam cervejas e comiam petiscos na varanda… enquanto suas respectivas mães Guaranyra Nara Néia e Auroreta Mouzinho Fitzmaurice, após fazer compras, estavam preparando o almoço na cozinha, enquanto bebericavam um vinho do porto …

E o que foi que elas compraram???

Camarão, sardinha, tomate, cenoura e alface…

E compraram isto para fazer o quê???

O crustáceo, o peixe e a hortaliça para um cuscuz paulista enquanto que o legume e a verdura eram para a salada…

– E quanto a eles, sobre o quê conversavam???

Sobre a teoria de Jeromias Jerênimo.

– E que teoria era esta???
Ele afirmava que, ao contrário do que muitos pensam, as batalhas decisivas para a história mundial nos séculos XIX e XX, foram inspiradas em batalhas travadas pelo exército brasileiro… segundo ele: “A Batalha de Gettysburg (1) era uma cópia da Batalha de Tuiuti (2)”, assim como a estratégia utilizada pelos japoneses contra os russos na Batalha de Mukden (3) foi baseada na Batalha do Jenipapo ocorrida no Piauí em 1823, enquanto que a Batalha de El Alamein (5) seria uma repetição da Batalha de Canudos… ele até pensara até em publicar um livro sobre o assunto; “De Tuiuti ao Dia D” seria o título…

E Eric Von Péricles acreditava nesta estranha teoria???

É claro que não… ele achava que era uma tremenda besteira, argumentava que para início de conversa a Batalha de Gettysburg ocorreu e 1863 enquanto que A Batalha de Tuiuti ocorreu 1866, ou seja três anos depois… logo seria impossivel uma coisa que aconteceu antes copiar ou ser influenciada por uma outra coisa que aconteceu depois… “seria como acusar Cervantes de ser influenciado por Machado de Assis”… em segundo lugar a diferença numérica entre as comparações era abissal: na Batalha de Gettysburg lutaram cerca de 150 mil soldados com cerca de 50 mil baixas enquanto que Tuiuti teve cerca de um terço destas quantidades… mais gritante ainda era diferença entre Batalha de Mukden e a Batalha do Jenipapo, enquanto a primeira teve cerca de meio milhão de combatentes da segunda participaram umas quatro mil pessoas… quanto a comparar El Alamein com Canudos, apesar do caráter agreste de ambas, eram coisas muito distintas… uma coisa era o Marechal Erwin Rommel “a raposa do deserto”… outra coisa era Antonio Conselheiro… Para zombar de seus velho amigo, Eric Von Péricles exclamou brincando e brindando com o copo de cerveja: “Pindorama “Über Alles (6)!!!”

E enquanto isto o que elas faziam na cozinha???

Antes de ir ao supermercado elas haviam misturado a farinha de milho com a farinha de mandioca com a água morna e juntado a cebolinha a salsa e o coentro, deixando tudo descansar… agora já haviam refogado a cebola, os tomates e a pimenta, e acrescentado os camarões …. após retirar tudo do fogo juntaram com a farinha umedecida. Enquanto preparavam o cuscuzeiro alternando esta mistura com palmito, ovos cozidos, camarões grandes e sardinhas, Guaranyra Nara Néia se orgulhava que seu filho apesar de Júnior, havia herdado o “Y” de seu nome (Guaranyra) e invés de Jeromias com “I”como pai, se chamava Jeromyas com “Y”… já Auroreta Mouzinho Fitzmaurice se orgulhava de ter conseguido colocar o sobrenome de sua mãe portugues (Mouzinho) em seu filho… “pensei em colocar o sobrenome irlandês do meu pai ( Fitzmaurice) mas além de grande iria ficar estrangeiro demais”…

E no final, como ficou o cuscuz???

Ficou uma delícia…

E como terminou a conversa de nossos protagonistas pseudo-historiadores???

Jeromias Jerênimo contra-argumentou, citando Borges enquanto abria outra cerveja…

E o que ele contra-argumentou???

Que o tempo cronológico era uma ilusão, que as diferenças quantitativas entre as batalhas eram meros detalhes de um tipo de pensamento mecanicista e que se “El Alamein” fosse mais importante do que “Canudos”, haveria uma grande obra como “Os Sertões” escrita em sua homenagem… e mais importante ainda do que as glórias de todas aquelas batalhas, mais significativo do que todos os argumentos, era a alegria de estar à mesa com familiares e amigos saboreando aquela salada e aquele cuscuz paulista….

Observações:

(1) Ocorreu em 1863 na Guerra Civil Norte-Americana.

(2) Ocorreu em 1866 na Guerra do Paraguai

(3) Ocorreu em 1905 na Guerra Russo-Japonesa

(4) Ocorreu no Piauí em 1823 durante a Independência Brasileira

(5) Ocorreu em 1942 na Segunda Guerra Mundial

(6) Pindorama acima de tudo.

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MENSAGENS AUTOMOTIVAS

Esaías Enéas dirige o seu carro pelas avenidas da capital paulista… uma de suas pequenas diversões é observar as mensagens afixadas nos veículos: significados da filosofia popular inseridos em significantes da indústria automotiva…

– Agora estão na moda estes adesivos de família feliz: o pai, a mãe, as crianças, o cachorro, o gato e o passarinho… a felicidade familiar brasileira estampada na lataria do automóvel…

– … e este apressadinho que agora está na minha frente que antes forçava passagem feito um débil mental… repare no adesivo cristão no lado esquerdo… fé em Deus e pé na tábua!!! acho que se o sujeito coloca um símbolo religioso adesivado no carro, que ao menos dirija civilizadamente…

– Nossa e esta mulher aí na frente com o “NÃO ACREDITO EM DUENDES” no vidro… ninguém mais anda com este tipo de coisa… ela deve ter vindo pela máquina do tempo direto do início dos anos noventa… aliás se existisse máquina do tempo eu daria uma passada nos anos setenta para comprar uma daquelas mãozinhas que as pessoas fixavam com ventosas plásticas no pára-brisa traseiro, de forma que quando o veículo estava em movimento a mãozinha ficava acenando para o veículo de trás… um barato… já tentei procurar em brechós, mas nunca mais vi uma destas… somente se existisse a máquina do tempo…

– … e este outro carro com o adesivo com a bandeira Rio-grandense… grande babaquice este troço de separatismo gaúcho… se orgulham da Guerra dos Farrapos… só que alguns historiadores dizem que Bento Gonçalves recebia uma grana de Rosas (*) para se separar do Brasil… e é gozado… o cara mora em São Paulo a placa dele é de São Paulo e ele fica desfilando com esta bandeirinha… ridículo…

– Nossa!!! e este com a brilhante frase “CORNO É CURIOSO: LÊ TUDO O QUE VÊ” … nota dez em boçalidade… deve detestar leituras: prefere ver Faustão: um mês para ele tem quatro Faustôes (vem com Fantásticos de brinde)…

– e esta outra… pior ainda… GOOD GIRLS GO TO HEAVEN, BAD GIRLS GO TO EVERYWHERE” (**) frases em inglês… só pra mostrar que falam outra língua… já que é pra colocar algo em inglês, que fosse: “THE ERRORS OF A WISE MAN MAKES YOUR RULE, RATHER THAN THE WISDOM OF THE FOOL (***), esta sim é uma mensagem inteligente, mas eu mesmo, jamais colaria uma mensagem no meu carro… somente uma vez quase que mudei de idéia… foi em Lisboa, vi um adesivo que dizia “VAI TÚ”… genial… quase comprei… mas na última hora desisti…

– … só não desisti do meu sonho … e vou realizá-lo agora, assim que parar este automóvel….

(*) Juan Manuel Rosas sonhava reestabelecer o antigo Vice-Reino do Rio da Prata e tornar a Argentina a maior potência do continente… para isto contribuia financeiramente com a revolta separatista gaúcha O Império Brasileiro não perdoou Rosas… em 3 de fevereiro de 1852, uma aliança de 4000 soldados do brasileiros (dentre estes uma centena de mercenários alemães), 20.000 soldados argentinos (a maioria de Entre-Rios e Corrientes) e 1.700 soldados uruguaios, liderados pelo entrerriano Urquiza, venceu os 26.000 soldados argentinos (na maioria portenhos) liderados por Rosas, na famosa batalha de Monte Caseros… o ditador argentino (creio que o primeiro de uma longa série) fugiu para a Inglaterra disfarçado de marinheiro, e em 20 de fevereiro daquele mesmo ano, as triunfantes tropas brasileiras desfilaram por las calles de Buenos Aires…

(**) “Garotas boas vão para o céu, garotas más vã para todos os lugares”.
(***) “Os erros de um homem sábio, valem mais que a sabedoria do otário”, (William Blake)

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