EL MATERIAL HUMANO – RODRIGO REY ROSA – Editora Alfaguara
Esta edição é espanhola, mas o livro foi publicado aqui em 2012 pela Editora Benvirá, com tradução de Josely Vianna Baptista… Neste livro, o escritor guatemalteco mistura ficção com um diário sobre suas visitas ao arquivo histórico da polícia nacional da Guatemala que ocorreram em 2005, salpicado com citações de alguns mestres da literatura (Borges, Bioy Casares, Voltaire, Zagajewski, Salvator Rosa, Stefan Zweig, etc.) … um daqueles livros que podem ser lidos em vários níveis com fios narrativos interpenetrantes (histórico, político, literário, autobiográfico, etc.)
A EDUCAÇÃO PELA PEDRA – João Cabral de Melo Neto – Editora Alfaguara.
Na verdade esta edição é uma reunião de quatro livros deste grande
poeta: Quaderna, Dois Parlamentos, Serial e A Educação Pela Pedra. Para
mim um dos melhores poemas feitos em Pindorama é “Rio Sem Discurso”, mas
temos outras pérolas: “Mulher Vestida de Gaiola”, “ Imitação da Água”, “
O Sim Contra o Sim”, “Tecendo a Manhã”, etc… confiram !!!
Enfim acabei de reler À Sombra do Vulcão de Malcolm Lowry – Editora Siciliano – Tradução Leonardo Fróes. Demorou alguns anos, mas valeu a pena… para tal contei com o auxílio de um sitio da Universidade de Otago (Nova Zelândia): The Malcolm Lowry Project, que me forneceu várias explicações sobre o amontoado de citações… e para entender a relação com as obras citadas, tive que ler (ou reler) algumas delas: A Bíblia, Moby Dick (Herman Melville), Jaqueta Branca (Herman Melville), Benito Cereno (Herman Melville) Lord Jim (Joseph Conrad), O Coração das Trevas (Joseph Conrad), Fausto (Christopher Marlowe), Fausto (Goethe), Os Sofrimentos do Jovem Werther (Goethe), Alastor: Ou, O Espírito da Solidão (Percy Shelley), Kubla Khan (Samuel Coleridge), Retrato de uma Senhora (T.S. Eliot), Terra Devastada (T.S. Eliot), O Homem Oco (T.S. Eliot), A Divina Comédia (Dante Alighieri), William Shakespeare (Hamlet, Macbeth).
Li
também frases ou trechos de Frei Luis Ponce de León, Calderón de La
Barca, Virgílio, François Villon, Wordsworth, Jean Cocteau, W. B. Yeats,
Rupert Brooke, Ralph Bates, Thomas Browne, William Shakespeare
(Ricardo II, Titus Andronicus e O Mercador de Veneza) … uma das
coisas que mais me marcou foi um poema de Goethe ainda não traduzido
para o português: Die Wandelnde Glocke (O Sino Caminhante)… e por
falar em sino, em “À Sombra do Vulcão” até o badalar de um sino é uma
citação:
“De repente, um sino clamou de fora, para se calar bruscamente: dolente… dolore!”(*) (Malcolm Lowry – Tradução Leonardo Fróes)
(*) As palavras dolente e dolore estão na inscrição acima da porta do
inferno no canto III da Divina Comédia de Dante Alighieri.
Per me
si va ne la città dolente / per me si va ne l’etterno dolore (através
de mim você entra na cidade lamentável / através de mim você entra no
sofrimento eterno)
Agora me resta copilar tudo o que li e escrever um prefácio explicativo
ARQUIVO DAS CRIANÇAS PERDIDAS – Valeria Luiselli – Editora Alfaguara
Uma mulher lê para seu enteado de dez anos um livro curto sobre
crianças que atravessam desertos e selvas em um trem para fugir para
outro país… é um livro dentro da estória de Valeria Luiselli, escrito
pela italiana Ella Camposanto chamado “Elegias para Crianças Perdidas”…
quando os personagens de um livro e o leitor compartilham um outro
texto, eles estabelecem um elo… porém do mesmo jeito que os personagens são uma ficção para o leitor, o leitor também pode ser uma ficção para os personagens…
Estes jogos intertextuais não são novos… Cervantes já utilizava algo
semelhante na segunda parte de Dom Quixote… mas mesmo assim, eu tenho
imenso prazer quando me deparo com este tipo de texto… Porém mesmo quem
não é afeito a este nível de leitura, vai adorar “Arquivo das Crianças
Perdidas”: é um romance social (aborda o problema das crianças
refugiadas que cruzam a fronteira americana), histórico (aborda o
período final dos Apaches), geográfico (a família protagonista se
desloca de Nova Iorque até o Arizona parando em diversos lugares),
psicológico (há uma mudança do foco narrativo e a estória passa a ser
narrada pelo menino de dez anos, esta parte é quase um tratado de
psicologia infantil), e muito mais…
Para mim entretanto, ler é
que nem entrar em um oceano….você pode nadar na superfície, mas pode
também mergulhar até as profundezas (e muitas vezes encontrar tesouros)…
Este livro é uma fonte riquíssima para os que gostam de se aprofundar
nos abismos da linguagem… por exemplo: Ella Camposanto é uma invenção da
Valeria Luiselli e seu “livro dentro do livro” possui um monte de
citações, em especial do primeiro dos Cantos de Erza Pound, que por sua
vez é um eco do canto XI da Odisséia de Homero… ou seja a literatura
ecoando desde a antiguidade… não por acaso um dos locais chave no livro
se chama o cânion do Eco (que pelo que eu pesquisei pela internet,
também não existe)… Divirtam-se.
O DUELO – Joseph Conrad – Tradução: Eduardo Marks de Marques – Editora Grua Livros
Acabei de ler “O Duelo” de Joseph Conrad… uma novela sobre uma série
de duelos entre dois oficiais franceses durante as guerras napoleônicas e
o periodo da restauração… vale a pena ler… é uma metáfora sobre nossa
manias de eleger inimigos em nossos meios profissionais por meras
picuinhas…
O LEOPARDO – Lampedusa – Tradução: Leonardo Codignoto – Editora Nova Cultural.
Giuseppe Tomasi di Lampedusa é um daqueles escritores de uma única obra… pertencente a uma família nobre (tornou-se o príncipe de Lampedusa) sua vida não foi só de conforto… combatente do exército italiano na primeira guerra mundial, foi preso e levado para o campo de prisioneiros de Szombathely, na Hungria, de onde escapou atravessando a Europa de volta à Itália… “O Leopardo” é um romance histórico ambientado na Sicília na época da unificação da Itália, na passagem da dinastia dos Bourbons para a dinastia dos Savóia.
Aqui vai uma passagem do livro:
“O príncipe havia tido muitos aborrecimentos naqueles últimos meses: tinham vindo de toda parte, como formigas ao assalto de uma lagartixa morta. Alguns haviam nascido nas fendas da situação política; outros haviam-lhe sido atirados para cima pelas paixões alheias, outros ainda (e eram os mais pungentes) haviam brotado de si mesmos, das suas reações irracionais perante a política e os caprichos do próximo (…) ; e todos os dias passava em revista estas preocupações, fazia-as manobrar, juntar-se em coluna ou dispor-se em fila na praça de armas de sua consciência, esperando vislumbrar nestas evoluções qualquer finalidade que pudesse tranquilizá-lo, mas não o conseguia. Nos anos anteriores, os aborrecimentos eram em número menor e, de certo modo, a estada em Donnafugata constituía um periodo de repouso; os desgostos baixavam o fuzil, dispersavam-se pelas anfractuosidades dos vales e aí ficavam tranquilamente entretidos a comer pão e queijo; de tal forma que era esquecida abelicosidade de seu uniforme e podiam ser tomados por pastores ofensivos. Pelo contrário, este ano, haviam ficados juntos e eram como tropas revoltadas que vociferassem, brandindo as armas: sentia o temor de um coronel que houvesse gritado “dispersar” e que visse depois o regimento mais cerrado e ameaçador do que nunca.”
Mantendo a tradição dos bons cronistas brasileiros como Antônio Maria,
Rubem Braga, etc… a maioria das crônicas eu já havia lido na extinta
revista dominical da Folha de São Paulo… A imprensa escrita deveria
voltar a publicá-lo, pois seus escritos fazem falta..
RUMBO AL MAR BLANCO (In Ballast to the White Sea) – Malcolm Lowry – Tradução para o espanhol: Ignacio Villaro – editora Malpaso
Em junho de 1944 a cabana que Malcolm Lowry vivia com sua segunda
esposa Margerie Bonner, na Colúmbia Britânica (Canadá) pegou fogo… sua
esposa conseguiu salvar os manuscritos de sua mais famosa obra, “A
Sombra do Vulcão” (Under the Volcano), mas não deu para salvar o manuscrito
com cerca de mil folhas de “In Ballast to the White Sea” que ele estava
escrevendo desde 1931. Porém foi descoberta em 1988, a existência de
uma versão incompleta desta obra, que Lowry deixara com sua primeira
esposa Jan Gabrial em 1936… Nesta versão com 383 páginas, embora
apresente um desfecho, a parte final é tratada de um forma
esquemática… mas podemos observar o estilo de Lowry em um romance
marinho (embora as citações a Melville sejam frequentes, os personagens
parecem ter as inquietações dos personagens de Conrad)… para quem
nunca leu nada dele eu recomendo ler antes “A Sombra do Vulcão”, mas
quem já tiver lido e apreciado o romance ambientado no México, “In
Ballast to the White Sea” é uma boa pedida… (existe uma edição
portuguesa “Rumo ao Mar Branco” que pode ser encomendada nas melhores
livrarias).
DA RELIGIOSIDADE – A LITERATURA E O SENSO DE REALIDADE – Vilém Flusser – Editora Escrituras – 2002 Este livro é uma coletânea de ensaios, cuja escolha “obedeceu a um critério vagamente temático, que é o seguinte: a literatura, seja ela filosófica ou não, é o local no qual se articula o senso de realidade”, como explica o autor… Nestes ensaios, este brilhante (no sentido mineralógico) filósofo tcheco, versa sobre a religiosidade, a dúvida, Kafka, a poesia concreta e Guimarães Rosa, entre outras coisas… Quem quiser uma palhinha, pode ler primeiro dois contos de Guimarães Rosa Fita verde no cabelo (Nova velha estória) As Garças:
https://rl.art.br/arquivos/6182745.pdf?1512593288
e depois ver os ensaios de Flusser sobre estes contos
http://www.flusserbrasil.com/art347.pdf
http://www.flusserbrasil.com/art348.pdf
Quem quiser se aprofundar na filosofia flusseriana pode acessar o site abaixo onde são encontrados textos em português, ingles, francês e alemão…