
A DAMA VAIDOSA DE VENEZA
NÃO MARQUE TOUCA
Pouca gente sabe , mas os quadros tem ciúmes uns dos outros , principalmente se forem de autores diferentes … se houver uma diferença qualitativa significante , então a coisa fica séria … Em diversas oportunidades pude ouvir ( com os olhos ) os choramingos lamuriantes de algumas obras minhas , por terem sido expostas ( contra a vontade ) junto a pinturas de menor relevância … Porém se tivesse algum quadro meu exposto na “Arte brasileira na coleção Fadel” , tenho certeza que minhas telas não só não ficariam enciumadas , como me agredeceriam de joelhos …
O primeiro mérito , é que são obras desconhecidas e não aquelas que , embora geniais , já foram expostas uma enormidade de vezes e até já conhecem a gente … aquelas que só faltam acenar para a gente dizendo : “olha eu aqui de novo” … em vez daqueles “Relevos Espaciais” , as obras expostas de Hélio Oiticica são uma têmpera sobre cartão do início de carreira e a cenografia para o filme não realizado de Antônio Carlos Fontoura ( o mesmo que fez um filme contundente denominado “Rainha Diaba” ) que iria se chamar “A Cangaceira Eletrônica”… em vez dos mesmos quadros de Tarsila e Anita Malfatti tem “Morro de Favela” ( e uma obra extranhíssima chamada “A baratinha” ) da primeira ; e “A onda” e um belíssimo desenho em pastel da segunda … tem um monte de coisas boas , entre elas obras de Belmiro Barbosa de Almeida , Guinard , Pancetti , Castagneto , Vieira da Silva , Alfredo Volpi , Antônio Bandeira , Flávio de Carvalho , e dos concretistas e neo-concretistas , entre eles do meu xará Geraldo de Barros (*) e do Maurício Nogueira Lima …e por falar no velho mestre , saindo da exposição , fui ( como sempre faço quando vou ao centro de São Paulo ) apreciar o seu painel no largo de São Bento e dar uma rezadinha no mosteiro que fica em frente …
Para que mora ou está a passeio na Paulicéia , a exposição está no Centro Cultural Banco do Brasil ( R. Álvares Penteado 112 ) e vai até amanhã ( um bom programa para o domingão ) aproveite … e veja também a exposição do Gregório Gruber na Galeria Prestes Maia .
(*) Meu nome completo é José Geraldo de Barros Martins , porém tirei o “de Barros”do nome artístico para evitar confusões …
SOBRE LIVROS
Este ano quero ler os clássicos , Homero , Goethe , Dante , Cervantes , etc . Afinal sou de uma geração , para a qual o nome “Penélope” remete à charmosa automobilista do desenho “Corrida Maluca” , ao invés de sugerir a esposa de Ulisses e mãe de Telêmaco . Porém já começei a desviar-me um pouco do meu intuito , pois ganhei no natal de minha irmã , dois livros ( recém lançados pela Civilização Brasileira ) de Antônio Maria , um é “O Diário de Antônio Maria” ( anotações que ele fez em um caderno entre 12 de março a 19 de abril de 1957 ), enquanto que o outro chama-se “Benditas sejam as moças” ( conjunto de crônicas sobre relações amorosas , organizadas por Joaquim Ferreira dos Santos , das quais 45 são inéditas em livros ) … O primeiro eu já li e estou terminando o segundo … Irei relê-los ( de forma fragmentária ) , nas futuras horas de tranqüilidade … Aliás é um absurdo ainda não existir um livro com TODAS as crônicas do ilustre pernambucano , vai aí a dica para os editores … (*) . Uma das revelações , que estes escritos contém é o fato de Dolores Duran (**) , na época que faleceu , lembrar-se de canções que Maria e Ismael Neto compuseram , as quais , os próprios autores já não se recordavam … entre elas , uma chamada “Dez Noites” … estas músicas não serão conhecidas nunca mais … ou será ainda não existe um “velhinho” que ainda lembre … se não existe , em meu próximo conto existirá … (***)
(*) Os livros “Com vocês Antônio Maria” ( editado em 1994 pela Paz e Terra ) e “Pernoite” ( editado em 1989 pela FUNARTE/Martins Fontes ) estão fora de catálogo ; enquanto que a biografia de Antônio Maria escrita por Joaquim Ferreira dos Santos ( editada em 1996 pela Relume Dumará ) é bem difícil de ser encontrada …
(**) Dolores Duran foi homenageada pelo meu quadro “A noite do meu bem” , enquanto que Antônio Maria aparece como personagem no meu conto “A Fada da Boate Vogue” publicado neste blog em 27/01/2002 .
(***) Um sonho recorrente que tenho é entrar em uma loja de discos de vinil e encontrar raridades absurdas , coisas jamais ouvidas .
A ÍTACA AFUNDADA DE MUITOS ULISSES
Hoje, andando pelo Conjunto Nacional ( para quem nunca esteve na Paulicéia , é um conjunto comercial situado no cruzamento da Av. Augusta com a Av. Paulista ) , senti saudades do bar que existia em seu pavilhão interior … É inegável que sua retirada propiciou o redescobrimento da arquitetura original ( belíssima por sinal ) , porém houve um aniquilamento da qualidade poética do local . Embora pareça paradoxal o conflito entre arquitetura e poesia , aquele bar horrível , que servia um chopp horroroso ( e muitas vezes azedo ) deixou uma enorme saudade …
Lá, , aos sábados a tarde , se reuniam escritores ( Arnaldo Xavier , Eduardo Miranda , Roniewalter Jatobá , Mário Chamie , Souza Lopes, e muitos outros ) , pintores ( além do que vos escreve, tinha o genial Calabrone e o Carlos Jacchierei ) , músicos ( Marcos Vinicíus etc. ) e demais pessoas afins …
Lá eu conheci a escritora e artista pálstica Suzana Cano ( no mesmo dia em que comprei a biografia de José Mojica Marins , o Zé do Caixão ) … lá , onde tantos planos foram feitos … lá , onde divertidas intrigas faziam a alegria geral e etílica … lá onde o sambista Barão passava para contar estórias da época de Geraldo Pereira , e também para inportunar as pessoas do sexo feminino …
Lá , onde hoje , pessoas passeiam por um lindo vazio indiferente …
Citação do dia :
ALONE
From childhood’s hour I have not been
As others were – I have not seen
As others saw – I could not bring
My passions from a common spring –
From the same source I have not taken
My sorrow – I could not awaken
My heart to joy at same tone –
And all I love – I love alone –
Thou? – in my childhood – in the dawn
Of a most stormy life – was drawn
From every depht of good and ill
The mistery twhich binds me still –
From the torrent, or the fountain –
From the red cliff of the mountain –
From the sun that round me roll’d
In its autumn tint of gold –
From the lightning in the sky
As it passed me flying by –
From the thunder and the storm –
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
of a Demon in my view.(*)
(*) SÓ
Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual a deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo que amei, amei sozinho.
Assim na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.
( Edgar Allan Poe – tradução Milton Amado )