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outubro 2016
FIM DE TARDE EM BELLAGIO
Josias Germano e Marília Olávia saíram satisfeitos daquele restaurante em San Giovanni perto de Bellagio no norte da Itália… afinal o primo piatto de ambos foi um “Riso com Filetto di Persico” enquanto que o secondo piatto foi “Agoni al Burro e Salvia” para ela e “Agoni Grigliati” para ele… isto é, pratos com peixes típicos do Lago de Como, regados com jarras de vinho branco da casa… de sobremesa Sorbetto al Limone…
Resolveram não passar pelo centro de Bellagio, cheio de turistas e lojas… preferiram caminhar pela orla e depois cortar caminho até o apartamento que haviam alugado na aldeia de Visgnola, em um local afastado no alto do istmo, onde poderiam contemplar o Lago de Como durante o crepúsculo…
Era domingo, alguns moradores faziam piquenique nos poucos locais em que era permitido tomar banho de lago, enquanto que um ou outro proprietário daquelas mansões levemente decadentes presentes na região, passeavam com seus jaguares e ferraris pelas estradinhas locais…
Ao reparar em um Bentley azul-claro que passou rente a eles, Josias comentou com sua fiel escudeira sobre o choque cultural que iria ocorrer quando os refugiados do norte da África chegassem naquele pedaço da Itália onde os astros de Hollywood tinham suas casas de veraneio… por enquanto ainda não haviam avistado nenhum, mas era uma questão de tempo…
Quando estavam perto do apartamento, os nossos protagonistas observaram que em um posto de gasolina que não estava funcionando, havia um vendedor ambulante conversando com um casal de turistas… resolveram comprar camisetas e meias de lã e se aproximaram… Enquanto Marília Olávia observava os produtos expostos, Josias Germano ouvia a animada conversa entre o ambulante e o casal de turistas…
O vendedor, embora humildemente trajado, tinha uma certa elegância e sua aparência magrebina contrastava com o alemão praticamente sem sotaque com que conversava com os turistas… Sua história era peculiar… seu avô, descendente do príncipe Ludwig Von Larghenburg, fora oficial do exércio alemão, mais precisamente do Afrika Korps tendo servido sob o comando de Rommel. Ele se chamara Hans Von Larghenburg, e fora major da Aufklärungs-Abteilung 33 (*), nunca simpatizara com o nazismo, mas como sua família sempre estivera ligada ao exército prussiano, não fugira da luta, inclusive havia sido condecorado com a Ritterkreuz (**) na campanha da França… mas no meio da campanha da Africa já estava desiludido, nem tanto devido ao desenrolar da guerra (embora já previsse a catástrofe alemã), mas o que afligia-o mesmo eram as notícias do que estava acontecendo no leste europeu… No meio da batalha de Alam Halfa, em meio a nuvens de poeira e explosões, embrenhou-se com seu tanque no deserto adentro… e desertou… passando a se chamar … Hassan Fhaan L’ Ahag in-Bour
Ele, mais de meio século depois viria fazer o caminho inverso ao de seu avô… Major do exército de Bashar-al Assad também desertara e antes do início do conflito da Síria fugira para outro continente, exercendo a profissão de camelô em Palermo, Roma, San Geminiano e Bellagio… sempre seguindo para norte, até chegar na Alemanha… Quando chegasse lá, iria reinvidicar o passaporte alemão e iria mudar o nome de Hamid Fhaan L’ Ahag in-Bour para HermmanVon Larghenburg
Marília Olávia disse:
Não gostei de nenhuma meia, estava procurando uma meia de lã grossa estilo alpinista, mas não tem… vamos embora? Estou um pouco cansada… O que é que este camelô está contando de tão interessante? (***)
É uma estória muito complicada, depois eu te conto…
Iam se afastando, quando o camelô gritou (em um português quase sem sotaque):
Calças, calcinhas e calcetas!!! Bolsas, Bolsinhas e Calçados!!!
O nosso protagonista não acreditou no que estava ouvindo… fazia mais de trinta nos que ele não ouvia aquele jargão típico com seu trocadilho boçal… tão comum no centro de São Paulo no final dos anos setenta…. virou-se então para o camelô e disse:
Onde você aprendeu a falar português?
Foi com o meu pai… mas se você achou a estória minha e do meu avô complicada, imagine quando ouvir a do meu pai que morou no Brasil, um pouco antes de eu nascer… ele foi camelô no centro de São Paulo, vocês são de lá?
Sim… Somos de lá…gostaríamos muito de ouvir a estória do seu pai… mas estamos cansados… precisamos descansar…
Então descansem e depois venham jantar lá em casa… disse apontando um casebre de pedras no topo da montanha… Se vocês quiserem enquanto conto a estória do meu pai para vocês, minha esposa pode preparar um ensopado Mulunkhie com carne de cordeiro… é só vocês levarem duas garrafas de vinho… seria muito bom… faz tempo que eu não falo português…
Josias Germano olhou para sua cara-metade e em menos de um segundo compreendeu que ela iria adorar aquele jantar… Já haviam lido sobre aquele prato com folhas da planta chamada mulunkhie , mas nunca haviam provado, face o fato da matéria prima ser indisponível na América do Sul… seria muito difícil terem outra oportunidade coma aquela para degustar tal iguaria… então disse:
– Combinado… vamos levar um Amarone e uma Francicorta (****), tá bom???
PS. : Anos depois eles iriam elencar aquele Mulunkhie como um dos cinco melhores pratos que comeram na vida.
(*) Unidade de reconhecimento blindada da 15 Divisão Panzer.
(**) Cruz de cavaleiro da ordem de cruz de ferro, condecoração do exército prusiano existente desde 1813
(***) No casal que falava alemão era Josias Germano, Marília Olávia sabia apenas as coisas básicas do tipo: “Guten Morgen”, “verzeihung” e “mineralwasser mit kohlensäure” (“Bom dia”, “com licença” e “água mineral com gás”)
(****) Franciacorta: vinho espumante da região da Lombardia / Amarone: Amarone Della Valpolicella vinho tinto da região do Vêneto (uvas Corvina e Rondinella)
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