A MÁQUINA DO TEMPO
Joelmo Gerônimo estava indeciso… nosso protagonista era voluntário-cobaia para um teste de uma máquina de volta ao passado… ao contrário de tantos livros e filmes que descrevem processos mágicos de retorno no tempo, o caso aqui era diferente… tratava-se de um teste comercial realizado por um determinado grupo multinacional, que pretendia criar e administrar com exclusividade (garantida através das mais renomadas patentes internacionais) o turismo no tempo… ao contrário do turismo praticado até então, que era o turismo espacial, no qual o individuo se desloca através do espaço, de uma cidade a outra, por exemplo, o turismo temporal permitiria a viagem no tempo, ou seja o sujeito poderia voltar ao passado (*) e melhor ainda, a viagem no tempo possibilitaria também a viagem no espaço, ou seja a pessoa poderia ir para QUANDO e ONDE quisesse… é por isso que Joelmo Gerônimo estava indeciso… ele sabia que quando fosse lançada comercialmente, a viagem no tempo seria caríssima… ele sabia que jamais teria dinheiro para custear tal lazer… somente naquela única viagem (que duraria exatamente um dia) ele poderia retornar ao passado… ele ficava cismado de servir de cobaia para testes de um conglomerado multinacional, morria de medo de se tornar uma espécie de Clara Crocodilo (**) mas no fundo ele achava , ou melhor, julgava (***) que o risco valia a pena;
“imagina eu poder voltar aos restaurantes que já fecharam, por exemplo, no Parreirinha, na Av. Amaral Gurgel cujo carro-chefe eram as clássicas rãs… ou o lendário ‘Cantinho de Goa’ na Av. Pavão com a Av. Santo Amaro, que servia uma cozinha indiana aportuguesada com especialidades em peixes (o dono, natural de Goa. falava um português com um sotaque diferente), poderia ir em um restaurante que me impressionou na infância: o ‘Baronesa Russa’, que ficava na R. Correia Dias (entre a Av. Bernardino de Campos e a R. Cubatão), lugar onde eu comi meu primeiro strogonoff, ouvindo atentamente a proprietária, uma autêntica baronesa russa fugida da revolução comunista, afirmar que não admitia o fato das pessoas colocarem ketchup no strogonoff…poderia também ir a restaurantes de cidades de outros países que já fecharam… por exemplo o ‘El Português’ em Buenos Aires (ficava na Calle Baez com Calle Ortega y Gasset, no bairro de Cañitas) que apesar do nome, servia mesmo era uma carne esplendorosa..
poderia também voltar aos bares clássicos de minha juventude: o ‘Longchamp’ (****) na Rua Augusta, cujo balcão imitava uma pista de corrida de cavalos e na saída havia um disco final (*****) pregado na parede… o ‘Pandoro’ que ficava na Av. Cidade Jardim, onde eu comecei a beber Dry-Martini, o ‘Riviera’ que ficava no final da Consolação (a parede curva de tijolo de vidro era genial), ou mesmo poderia ir no ‘Kukamonga’ que funcionou na R. dos Pinheiros, um bar pequeno e pouco conhecido, mas onde havia o melhor fim de noite da paulistana década de noventa…
poderia ir a um evento específico, destes históricos, poderia assistir uma luta de boxe… por exemplo aquela considerada a maior luta de boxe de todos os tempos: Muhammad Ali X George Foreman realizada em 30 de outubro de 1974, em Kinshasa, capital do Zaire (hoje é Congo) , poderia ver Ali inusitadamente sem os jabs preparatórios, desferir aquele direto que estourou em cheio na cara de Foreman no round inicial… depois veria o futuro vendedor de forno elétrico castigar o profeta dos ringues até quase o final da luta, quando surpreendentemente o desafiante (no caso Muhammad Ali) derruba o então campeão Foreman… poderia ver também uma partida de futebol … poderia assitir aquela defesa que o arqueiro inglês Gordon Banks fez na cabeçada de Pelé, poderia ver Tostão receber a bola de Paulo César Cajú, fazer uma das jogadas mais lindas de todos os tempos e passar para Pelé que rolou para Jairzinho estufar as redes, naquele Brasil x Inglaterra no estádio Jalisco em Guadalajara, em 7 de Junho de 1970.
poderia assistir um show… poderia ir ver aquele famoso show da Gal, FA-TAL realizado em 15 de Outubro de 1971 no Teatro Siqueira Campos, no Rio de Janeiro, em que acompanhada pelo guitarrista Lanny Gordin a cantora baiana desfilava músicas de Ismael Silva. Geraldo Pereira, Roberto Carlos e Erasmo, Luiz Melodia, Jards Macalé e Waly Salomão, entre outros… poderia também ir ao Festival de Monterey em 18 de Junho de 1967, assistir ao show de Jimi Hendrix, ao meu ver a melhor apresentação do guitarrista americano: ‘Hey Joe’, ‘Purple Haze’ e até ‘Like a Rolling Stone’… poderia ir a uma show no Cassino da Urca em 1942 … o Trio de Ouro se apresentava, com Dalva de Oliveira, Herivelton Martins e Nilo Chagas… iria ouvi-los cantando ‘Ave Maria no Morro’… Poderia ir na Boite Vogue, na Av. Princesa Isabel, Rio de Janeiro, ver Dolores Duran em sua primeira temporada, nos idos de 1946…
Mas na verdade o que eu queria mesmo era voltar à capital paulistana no final da década de cinquenta para poder conhecer a minha avó que faleceu antes que eu tivesse vindo ao mundo… poderia bater um longo papo com ela… depois ir até o Itamaraty, que funciona até hoje em frente a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e tomar um chopp com o meu avô, e depois ir para uma das festas que meu outro avô costumava oferecer, nas quais compareciam Pixinguinha, Aracy de Almeida, ente outros… soube que em uma delas apareceu o Oswald de Andrade e o Dorival Caymmi, parece que uma parte da música João Valentão foi composta nesta ocasião, não sei se é verdade… mas o que eu sei é que é pra lá que eu vou!!!”
(*) a viagem ao futuro também era tecnicamente possível, porém foi proibida pelos órgãos governamentais em virtude do perigo potencial embutido no processo.
(**) personagem da música “Clara Crocolido” de Arrigo Barnabé, no qual um jovem serve de cobaia à industria farmacêutica e é transformado em monstro.
(***) pois conforme diz Noel Rosa: ”Quem acha, vive se perdendo.”
(****) falo do Logchamp original que funcionou onde funciona atualmente uma casa de fast-foot indiano, e não à segunda versão de Longchamp que funcionou onde funciona atualmente um restaurante marroquino. O nome do bar era homenagem ao hipódromo de Longchamp em Paris.
(*****) disco final: disco metálico usado no final das pistas de turfe que é equivalente a linha de chegada do atletismo ou a bandeirada na fórmula 1. Trata-se de um disco metálico vazado, pintado na cor vermelha.
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