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BAR LÉO

I – A Volta Dele

Bar Léo: esquina da rua Aurora com a rua dos Andradas… foi lá que ele a conhecera… agora, vinte e dois anos depois ele retornara àquele bar… durante este período, após a separação ele vivera em outras cidades: primeiro em El Bolsón (sua janela dava vista para o Cerro Piltriquitrón) na patagônia argentina, depois em Howth (sua janela dava vista para a Baía de Dublin) na Irlanda, depois em Tete, Moçambique (sua janela dava vista para a o rio Zambesi) e em Penha de França, perto de Goa, na região da Índia em que se fala o português (sua janela dava vista para o rio Mandovi)… agora ele estava junto ao mesmo balcão… voltara a morar na paulicéia após tanto tempo… para ele a capital paulistana estava mudada… percebera uma porção de lojas populares na Av. Paulista, sinal de que os grandes hotéis & os grandes escritórios estavam migrando para a região de Av. Luis Carlos Berrini, como profetizara seu professor de planejamento urbano, na época da faculdade: “o centro financeiro de São Paulo historicamente se desloca na direção Oeste”… Era o início da profecia pensava: – “daqui a pouco as lojas populares irão se infiltrar nos Jardins… quando inaugurar a loja Marisa na rua Oscar Freire e quando aquele loja dos alfarrojes Havanna da rua Lorena se transformar em mais uma filial do Habib`s, será o sinal definitivo da decadência daquele bairro, processo bastante natural, afinal os Campos Elísios, a versão paulistana do Champs-Élysées não se transformaram na Cracolândia?” E por falar em Cracolândia, agora estava nos arredores dela, mas era de dia e não tinha problema, aquela zona só era perigosa à noite, aliás sempre fora um lugar mal frequentado.., desde a primeira vez em que ele foi ao Bar Léo… sabia que lá fechava cedo, pois “depois que o sol se põe… a coisa pesa naquela região… Mas era de dia, um dia ensolarado por sinal…

Pediu um chopp…. quando tomou o primeiro gole veio a certeza: aquele era o melhor chopp do mundo… seu sabor, seu aroma, sua cor, sua cremosidade era inigualáveis… mas junto com a lembrança do sabor veio a lembrança daquela época: a decadência do Bexiga como pólo de vida noturna e a ascenção de Vila Madalena, o vídeo como forma de registro da realidade, seus vídeos experimentais, os discos de vinil, os lado B dos discos de vinil, a expressão “Lado B” era curiosa: “o lado B de fulano”, imagine falar em Lado B para um adolescente de hoje que só ouve MP3… lembrou que naquela época sempre tinham filmes do John Huston na TV, passavam na sessão coruja… agora quase ninguém se lembra do John Huston… notou também uma mudança na paisagem urbana, a começar pela cor dos automóveis: tudo prateado… naquela época não, os carros eram coloridos… isto até poderia ser motivo de uma tese: o automóvel como elemento da paisagem urbana: a mudança na cor dos carros (ditada pelas famosas pesquisas de mercado) alterando a paisagem da metrópole… depois lembrou dela, lembrou que ligava para ela do orelhão…depois lembrou das orelhas dela, bem como das demais partes do corpo dela… lembrou de quando a encontrara naquele mesmo bar, estava chovendo e ele para puxar conversa falou que achava que São Paulo era mais bonita quando chove, pois a chuva lava toda a imundíce da cidade… ela achou graça… e aí começou o namoro…

Amarílio Amélio Olivério (este é o nome de nosso protagonista) pediu o segundo chopp e continuou a recordar aquela época : foi através dela que ele descobrira as cantoras do passado, Dolores Duran, Maysa, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia… (as duas últimas paulistaníssimas, perceba-se pelo sotaque)… se quanto a música ela o influenciara, quanto a literatura ocorrera o inverso: através dele, ela teve contato com a obra de Charles Baudelaire, Torquato Neto, Paulo Leminski na poesia, Mellvile, Machado de Assis e James Joyce no romance, Vilém Flusser e Arthur Schopenhauer na filosofia… este último, por sinal, tem uma teoria muito curiosa: a de que sempre escolhemos os nossos destinos, de modo que os encontros fortuitos são conversas com local data e horário previamente combinados… de todos os livros que ele à ela emprestara, os que mais a encantaram foram “O Mundo Como Vontade e Representação” e “Parerga e Paralipomena” de Schopenhauer, tanto que ela nunca devolvera o livro a ele… e eis que justamente quando ele terminou o segundo chope se recordou de que tinha emprestado aqueles livros a ela… lá fora começara a chover… uma chuva torrencial…

I – O Vulto Dela

Antes de conseguir que o garçon o avistasse para pedir o terceiro chope, Amarílio observa ela entrar no bar carregando dois livros (sim era ela, sim eram os livros) e ir até onde ele estava:

– Amarílio Amélio Olivério??? Nossa você não mudou nada!!!

– Você é que não mudou nada, Marília Amélia Mourélia…

– Como você soube que eu estava aqui?

– Mas eu não sabia que você estava aqui, disseram que você estava morando fora do Brasil ha um tempão… eu só estava passando por perto e resolvi tomar um chope…

– Mas então porque é que você trouxe os meus livros…

– Nossa que coincidência…

– E que coincidência maior é o fato dos livros serem justamente deste filósofo alemão que não acredita nas coincidências…

– Mas posso ficar com os livros emprestados só um pouquinho mais… é que justamente agora resolvi relê-los …

– Fique com eles não precisa devolver…

– Mas você adorava seus livros… quando perdia um ficava horas procurando pela casa obsessivamente…

– É que eu estou achando que nossas bibliotecas logo serão a mesma…

– Um brinde!!!

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