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SOBRE LEITURAS

“O senhor vai me dizer que a literatura não consiste unicamente em obras-primas mas está, sim, povoadas de obras ditas menores. Eu também acreditava nisso. A literatura é um vasto bosque e as obras-primas são os lagos, as árvores imensas ou estranhíssimas, as eloquentes flores preciosas ou as grutas escondidas, mas um bosque também é composto de árvores comuns, de matagais, de charcos, de plantas parasitas, de cogumelos e florezinhas silvestres. Eu me enganava. As obras menores, na realidade não existem. Quero dizer: o autor de uma obra menor não se chama fulaninho ou cicraninho. Fulaninho e cicraninho existem, disso não há dúvida, e sofrem e trabalham e publicam em jornais e revistas e de vez em quando publicam um livro que não desmerece o papel em que está impresso, mas esses livros ou esses artigos, se o senhor olhar com atenção, não são escritos por eles.
Toda obra menor tem um autor secreto, e o autor secreto é, por definição, um escritor de obras primas.”

( Roberto Bolaño – tradução Eduardo Brandão )

Acabei de ler “2666”, de Roberto Bolaño (Editora Companhia das Letras – tradução: Eduardo Brandão – 852 páginas). É um livraço, embora para mim a obra-prima deste chileno mexicanizado seja “Os Detetives Selvagens”. O livro é dividido em cinco partes, mas todas as partes convergem para Santa Teresa (cidade fictícia que muitos identificam como Ciudad Juaréz, mas que geograficamente fica um pouco mais a oeste), onde ocorre uma série de assassinatos de mulheres. Numa das notas encontradas nos arquivos do escritor, há uma que afirma que existe um “centro oculto” de “2666” que se esconde debaixo do “centro físico” da obra. O “centro físico” é muito fácil de identificar: é obviamente Santa Teresa, quanto o “centro oculto” muitos acham que é a data fictícia de 2666. Eu acho que não, que o “centro oculto” do livro é a loucura… Há vários personagens loucos, no decorrer da estória (não vou citar estes episódios para não estragar a surpresa de futuros leitores); e o ponto central do livro, a série de assassinatos, só pode ser fruto de uma sociedade ensandecida, de uma época maluca… talvez a chave disso tudo é uma coisa que ninguém reparou (ou não me lembro que alguém tenha reparado): o personagem Olegário Cura Expósito (apelidado de Lalo Cura) é filho de uma índia que transou com dois estudantes perdidos pelo norte do México em 1976… Ou seja Lalo Cura poderia ser filho ou de Arturo Belano ou de Ulisses Lima (personagens de “Os Detetives Selvagens”), e deste fato poderíamos deduzir que La Locura (A loucura) dos anos 90 e início do século XXI seria fruto da geração “easy ryder” das décadas de 60 e 70… Será???

Li também neste feriado o conto “O Espelho” de Machado de Assis, que meu pai afirma que tem muitos pontos convergentes com o meu mais recente mini-conto, publicado abaixo… e agora me bateu uma terrível dúvida: será que o bruxo de Cosme Velho (Machado) e el Brujo de Palermo (Borges) não são os autores secretos deste “O Espelho” aqui publicado

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