Na onda da comemoração dos 400 anos de Dom Quixote , vi ( em DVD ) o “Dom Quixote” de Orson Welles . A película foi iniciada em 1955 no México (enquanto Sérgio Leone filmou seus faroestes na Espanha , Welles filmou uma parte da estória de Cervantes na terra de Montezuma ) e só foi montada depois da morte do diretor ( da mesma forma que “Tudo é Verdade” ) seguindo um roteiro previamente deixado. O enfant-terrible do cinema americano gostava de filmar os clássicos : “Othelo” e “Macbeth” de Shakespeare ,” o Processo” de Kafka … O gosto por filmar grandes obras da literatura devia ser uma tendência dos grandes de sua geração : John Huston filmou “O Falcão Maltês” de Dashiell Hasmmett , “Moby Dick” de Hermann Melville , “A Bíblia” , “À Sombra do Vulcão” de Malcom Lowry , “Os Vivos e os Mortos” de James Joyce …
Na obra de Welles , Dom Quixote e Sancho Pança estão interagindo com a Espanha do final da década de 50 ( o diretor afirmava que o cavaleiro andante já era anacrônico em 1605 , quando já existia a pólvora ) … Quixote tenta parar uma jovem que vem pilotando uma lambreta ( uma “besta” na nova linguagem ) dizento para o monstro ( máquina ) libertar a donzela … ela , desce do veículo , o enxota do caminho e segue viagem … e assim vai se passando a estória entremeada de trechos fiéis ao livro , até que os dois personagens se perdem e Sancho ( interpretado magistralmente por Akim Tamiroff ) tenta procurar pelo cavaleiro Andante na Festa de São Firmino e em uma Tourada ( estes trechos foram filmados na Espanha ) e fica perguntando para as pessoas se elas não viram um sujeito alto , magro e barbudo … No final eles se reeencontram e ao avistar uma máquina moderna Dom Quixote decide voltar para sua aldeia : qual era a máquina ??? O Avião ??? Uma Câmera Cinematográfica ??? O Computador ??? A Televisão ??? O Automóvel ??? O Foguete ??? Isto eu não conto para não perder a graça … Assistam : Um filme de Welles respira cinema , cada enquadramento , cada traveling , cada cena , se justifica por si só … Assistam !!!
P.S. : Este confronto entre Dom Quixote e a modernidade aparece também na música homônima cantada pelos Mutantes :
DOM QUIXOTE
(Arnaldo Baptista / Rita Lee)
A vida é um moinho
É um sonho o caminho
É do Sancho, o Quixote
Chupando chiclete
O Sancho tem chance
E a chance é o chicote
É o vento e a morte
Mascando o Quixote
Chicote no Sancho
Moinho sem vinho
Não corra me puxe
Meu vinho meu crush
Que triste caminho
Sem Sancho ou Quixote
Sua chance em chicote
Sua vida na morte
Vem devagar
Dia há de chegar
E a vida há de parar
Para o Sancho descer
E os jornais todos a anunciar
Dulcinéia que vai se casar
Vê, vê que tudo mudou
Vê, o comércio fechou
Vê e o menino morreu
E os jornais todos a anunciar
Armadura e espada a rifar
Dom Quixote cantar na TV
Vai cantar pra subir