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{ Monthly Archives } maio 2003

“Galgávamos os degraus quando ouvimos cantar Beati pauperes spititu! em tão suave voz quem não alcanço descrever por mais que me esforce. Ah! quão diversos são estes círculos daqueles antros infernais! Aqui cantares divinos; lá gritos irados!”

( Dante Alighieri – Tradução : Fábio M. Alberti )

A sensação acima exposta , vivenciada pelo protagonista da Divina Comédia , deve ser mais ou menos análoga do ato de ouvir uma cantora de samba-canção após ter saído de um baile funk !!!

CENTRO , FOTOS , CORES & PALCOS

Neste sábado fui conferir a exposição do fotógrafo Cris Queiroz , no MASP do centro , de 10 de Maio a 10 de Junho ( galeria Prestes Maia , Praça do Patriarca ) , no caminho , ao passar pela “galeria do rock” uma mão invisível me puxou em direção à Baratos Afins , onde comprei o mais recente CD do Bocato “Acid Samba” e um lançamento da casa : “Brazilian Pebbles” volume 2 . Na obra do trombonista o destaque fica para a faixa “Lausanne” um choro-maxixe , apesar do título franco-helvético e para a interpretação de “Bananeira” ( João Donato / Gilberto Gil ) … na coletânea de “Acid , Flowers and Fuzz Garage Psychedelia” temos novas bandas como Surfin Bastard com a “Noite do Besouro Verde” , Os Hipnóticos com “180 graus” e Fuzz Faces , com “Agora Não Tem Volta” com uma proposta mais experimental ( na última música há uma inserção de um diálogo do filme da década de setenta : “Se Meu Dólar Falasse” de Carlos Coimbra ) ; outras como Plástico Lunar : “Meu Jardim” , Os Analógicos : “Kung Fu” , Vaca de Pelúcia “BR Para o Espaço” , Santo Samba : “Amanhã de Manhã” , Cores Astrais : “Aconteceu na Minha Varanda” , Laboratório “Andando pelas Ruas e Panoramas “Outras Linguagens” optam por um rock lisérgicorientalizante de primeira linha … enquanto que Laranja Freak com “Sempre Livre” e Plato Divorak & Os Sha-Zams : Turbilhão de Emoções e Pipodélica : “Um número” com muita criatividade , revitalizam brilhantemente a Jovem Guarda : imaginem a primeira canção interpretada por Paulo Sérgio ; a segunda na voz de Nílton César com Lafayete tocando órgão ou a terceira interpretada pelos Os Incríveis : seria inacreditável !!! ( desculpe o trocadilho …) É engraçado que em todos os meios que freqüento , sou rotulado com alguém que só ouve velharias … só porque gosto de Dalva de Oliveira , Lucho Gatica , Wilson Simonal, Duke Ellington , Roberto Luna , etc … mas quando comento sobre novidades , as pessoas fingem que não ouvem !!!

Bom como ia dizendo , a exposição de fotos é muito boa : instantâneos mostrando peculariedades do cotidiano parisiense : a minha preferida é a foto de uma criancinha puxando um cavalinho de madeira com algumas cadeiras vazias em segundo plano , feita em 1971 ( a menina deve ter mais ou menos a minha idade : será que hoje é uma mulher bonita ??? provavelmente … ) . Conheci o autor e sua esposa Jacqueline , um casal muito simpático … Vi também a exposição de Aldir Mendes de Souza , uma verdadeira aula de cor : telas divididas em uma infinidade de quadriláteros coloridos segundo um cromatismo criterioso , cuja repetição de cores cria um contraponto coma fragmentação geometrizante do espaço pictórico … é interessante o fato do artista optar pela tinta a óleo , enquanto que seu estilo , no qual a trasparência da cor é uma das carcterísticas , seria mais facilmente realizável em tinta acrílica …

No domingo fui ver “Mephistóteles” dirigida por Antônio Abujamra e Hugo Rodas , com Selma Hegrei como Fausto e Mariana Muniz como Margarida , além de Abujamra como Mefistóteles , no Teatro Popular do SESI ( Av. Paulista 1313 ) , até 31 de Agosto .

Foi uma apresentação tensa : Abujamra sentiu-se mal e teve que sair duas vezes do palco ( um imbecil na fileira de trás inconvenientemente gritou para que ele decorasse as falas ) … mas quando todos achavam que não haveria mais espetáculo , ele voltou e levou a peça com o habitual brilhantismo … É uma adaptação livre , com interpretações fortes ( Abujamra , o ator diretor , o Orson Welles do teatro tupiniquim ; Selma Egrei , com uma gesticulação que demonstra a inquietude de Fausto e Mariana Muniz que deixa transparecer através da maquilagem borrada , que chorou na cena final ) , inserções de textos de Clarisse Lispector , Fernando Pessoa , um texto super -inteligente sobre Cristóvão Colombo e o discurso do índio ( cujo nome esqueci ) reinvindicando o pagamento da dívida que o primeiro mundo tem com o terceiro pelos metais preciosos que financiaram a revolução industrial … figurinos lindos , cenário enxuto , com reproduções de quadros de Goya , vulva gigante sobre céu estrelado e projeções de seu programa “Provocações” … por sinal ouvi críticas dizento que era repetição colocar trechos de seu polêmico programa de TV , mas pergunto : haverá algo mais fáustico que a televisão : vejam no Faustão !!!

Citação do dia :

“Son coeur est un luth suspendu;

Sitôt qu’on le touche il résonne.” (*)

(*) Seu coração é um alaúde suspenso;

tão logo a gente o toca, ele ressoa.

( De Béranger )

Pintura de um terraço em uma vila no bairro do Belenzinho , realizada em gouache sobre papel , em 1983 .

Não tenho o costume de por letra de música no meu blog ( com exeções é claro , ontem mesmo , pus um pedacinho de “O Sol” de Arnaldo Dias Baptista ) , pois acho que a letra de música somente lida não tem muito sentido , uma vez que esta deixa de ficar inserida no espaço musical … mas não dá para deixar de prestar uma homenagem ao poeta , letrista e escritor que se foi no dia de hoje >>> Aqui vai a letra dele que mais admiro , cujo título é uma citação de um conto do bruxo do Cosme Velho :

MAL SECRETO

(Jards Macalé – Waly Salomão)

Não choro

Meu segredo é que sou rapaz esforçado

Fico parado, calado, quieto

Não corro, não choro, não converso

Massacro meu medo

Mascaro minha dor

Já sei sofrer

Não preciso de gente que me oriente

Se você me pergunta “como vai”?

Respondo sempre igual “tudo legal”

Mas quando você vai embora

Movo meu rosto do espelho

Minha alma chora

Vejo o Rio de Janeiro

Vejo o Rio de Janeiro

Comovo, não salvo, não mudo

Meu sujo olho vermelho

Não fico parado, não fico calado, não fico quieto

Corro, choro, converso

E tudo mais jogo num verso

Intitulado Mal Secreto

E tudo mais jogo num verso

Intitulado Mal Secreto

E tudo mais

Não choro

Meu segredo é que sou rapaz esforçado

Fico parado, calado, quieto

Não corro, não choro, não converso

Massacro meu medo

Mascaro minha dor

Já sei sofrer

Não preciso de gente que me oriente

Se você me pergunta “como vai”?

Respondo sempre igual “tudo legal”

Mas quando você vai embora

Movo meu rosto do espelho

Minha alma chora

Vejo o Rio de Janeiro

Vejo o Rio de Janeiro…

Citação do dia :

“Não sei se tenho um rei na barriga , mas um frango não faz mal …”

( Arnaldo Dias Baptista )

Dolce color d’oriëntal zaffiro

Che s’accoglieva nel sereno aspetto

Del mezzo puro infinito al primo giro. (*)

( Dante Alighieri )

(*) Linda tonalidade de safira oriental espargia-se pelo horizonte sereno até onde o primeiro céu alegra a vista. Tradução : Fábio M. Alberti.

Este trecho da “Divina Comédia”, que marca o momento que que Dante e Virgílio avistam o Purgatório , é um dos preferidos do escritor platino Jorge Luis Borges . Dentre uma série de coisas que Borges enaltece no célebre livro de Dante , encontramos o Canto XXVI do Inferno ; no qual Dante e Virgílio ao adentrar a oitava vala do oitavo círculo , avistam chamas com almas ardendo em seu interior . Ali encontram as almas de Ulisses e Diomedes . O ilustre filho de Ítaca descreve suas desventuras , nas quais encontra a morte navegando nos mares do Sul . Teria o Ulisses de Dante chegado a avistar a costa de Pindorama ??? Seria o Monte Pascoal o monte avistado antes do naufrágio ??? . Leiam o que disse Borges :

“Aqui chegamos a algo prodigoso, a uma lenda criada por Dante, uma lenda superior a quanto encerram a Odisséia e a Eneida, ou quanto encerrará esse outro livro em que aparece Ulisses e que se chama Sindibad do Mar (Simbad, o Marujo), de As Mil e Uma Noites.

A lenda foi sugerida a Dante por vários fatos. Temos em primeiro lugar, a crença de que a cidade de Lisboa foi fundada por Ulisses e a crença nas ilhas Bem-Aventuradas no Atlântico. Os celtas acreditavam ter povoado o Atlântico de países fantásticos (…)

Ulisses deixa Penélope e chama seus companheiros e lhes diz que, embora estejam velhos e cansados, atravessaram com ele milhares de perigos; propõe-lhes um nobre intento, o intento de cruzar as colunas de Hércules e de cruzar o mar, de conhecer o hemisfério austral, que, conforme se acreditava então, era um hemisfério de água; não se sabia que haveria alguém ali. Diz-lhes que são homens, que não são animais, que nasceram para conhecer e para compreender. Eles o seguem e ‘fazem asas de seus remos.’

É curioso que esta metáfora também se encontre na Odisséia, que Dante não pode conhecer. Então eles navegam e deixam para trás Ceuta e Sevilha, entram pelo mar aberto e dobram à esquerda. À esquerda, ‘sobre a esquerda’ significa o mal na Comédia. Para ascender ao Purgatório vai-se para a direita; para descer ao Inferno, para a esquerda. Ou seja o lado ‘sinistro’ é duplo; duas palavras em uma. Depois diz-se: ‘na noite, ele vê todas as estrelas do outo hemisfério’ – nosso hemisfério, o sul, carregadode estrelas. (Um grande poeta irlandês, Yeats, fala do ‘starladen sky’ , do ‘céu carregado de estrelas’. Isso é falso no hemisfério norte onde há poucas estrelas em comparação com o nosso. )

Navegam durante cinco meses e por fim vêem terra. O que eles vêem é uma montanha parda por causa da distância , uma montanha mais alta do que qualquer outra jamais vista. Ulisses diz que a alegria se fez pranto porque da terra sopra um turbilhão e o navio afunda. Essa montanha é a do Purgatório, segundo se vê em outro canto.

(…) Perguntamo-nos por que esta canto tem tanta força. Antes de responder, gostaria de lembrar um fato que não foi assinalado até o momento, que eu saiba.

Ele pertence a outro grande livro, um grande poema de nosso tempo, Moby Dick, de Herman Melville, que certamente conheceu a Comédia na tradução de Longefellow. Temos o intento insensato do mutilado capitão Ahab, que quer se vingar da baleia branca. Por fim, ele a encontra, e a baleia o afunda, e o grande romance coincide com o fim do canto de Dante: o mas se fecha sobre eles.”

( Jorge Luís Borges – tradução : Sérgio Molina )

Notem a semelhança :

“Três vezes a proa da nave sobre si mesmo foi torcida e, na quarta, a popa erguendo muito alto, voltou a proa para o fundo, e como se obedecesse ordens de alguém, foi descendo. E o mar terminou por nos sepultar.”

( Dante Alighieri – tradução : Fábio M. Alberti )

“Agora as pequenas aves voavam gritando sobre o pego ainda aberto; uma soturna onda branca bateu contra os lados íngremes da voragem; depois tudo se fechou, e a grande mortalha das águas continuou a ondular, como já ondulara cinco mil anos antes,”

( Herman Melville – tradução : Péricles Eugênio da Silva Ramos )

DANTE HORRORIZADO DIANTE DO CÍRCULO INFERNAL DE JARDIM ÂNGELA