“O livro que estou entrevendo é de índole análoga. Constaria de uma série de prólogos de livros que não existem. Seria pródigo em citações exemplares dessas obras possíveis.”
( Jorge Luis Borges )
Pensando nestas frases do ilustre escritor platino , tive a idéia de escrever uma crítica de um CD imaginário :
PÉROLAS DA MÚSICA BRASILEIRA
Esta coletânea de raridades lançada pela Gravadora Martins ( a família que tem tradição no mercado editorial e agora optou pelo mercado fonográfico ) é realmente surpreendente : A começar com fitas que foram encontradas no acervo das gravadoras Philips e Polydor ( hoje pertencentes a Universal ) , temos uma série de canções interpretadas de forma descontraída , nas quais o tom de improviso é indisfarçável .
Em “BR-3” ( Antônio Adolfo – Tibério Gaspar ) gravada ao vivo em um show em Guararema , pelos Mutantes , percebemos , na introdução , a inserção da melodia de “Sá Marina” ( dos mesmos autores ) tocada pelo piano de Arnaldo Dias Baptista , enquanto que graças a um estranho aparelho criado por Cláudio Dias Baptista ( o irmão mais velho construtor de instrumentos , epécie de “Professor Pardal” ) Rita Lee consegue sextuplicar a voz , criando a sensação que estamos ouvindo um coral ( parecido como o que o Trio Esperança fez na gravação original de Tony Tornado ) , sem falar do solo de guitarra apoteótico de Sérgio Dias Baptista , no final da canção . Outra raridade do acervo da Polydor é a faixa “Por Causa de Você” ( Antônio Carlos Jobim – Dolores Duran ) interpretada por Tim Maia , que integraria seu segundo LP.
As próximas faixas são do acervo da Philips : Uma é “A Coisa Mais linda Que Existe” ( Gilberto Gil – Torquato Neto ) cantada por Erasmo Carlos que iria fazer parte do LP “Carlos, Erasmo” de 1971 , mas que foi retirada na última hora ; outra é uma versão que Gal Costa fez , também em 1971 , para “Não Creio Em Mais Nada” ( Totó ) , sucesso na voz de Paulo Sérgio , mais tarde regravado pela Patrícia Ahmaral … Apesar da interpretação magistral da cantora baiana e da guitarra pantagruélica de Lanny Gordin , a faixa não foi lançada no mercado devido a rivalidade entre o Roberto Carlos e seu conterrâneo Paulo Sérgio ( vale a pena lembrar que o título “O Inimitável” que o “Rei” lançou no final da Jovem Guarda é uma alfinetada no “Cantor-Alfaiate” ).
A música seguinte , a única faixa instrumental , é “Gota de Sangue” (ngela Ro Rô ) , tocada por Bocato , na qual o trombonista do ABC atinge uma interpretação tão notável quanto a que Cida Moreira conseguiu em 1981 .
Oriundas de um CD que representaria o samba dos anos setenta , que nunca chegou a ser finalizado , estão as faixas “Retalhos de Cetim” ( Benito Di Paula ) , na qual Itamar Assumpção reinterpreta o antigo sucesso com a mesma formação que gravou sua homenagem a Ataulpho Alves ( Luis Waack e Luis Chagas , nas guitarras , Paulo Le Petit , no baixo e Gigante , na bateria ) e “Poxa” ( Gilson de Souza ) na qual Luiz Melodia ( devidamente acompanhado de Renato Piau no violão ovation ) executa com maestria a famosa peça do “compositor-boxeur” paulistano .
Nem todas as faixas porém , tem uma boa qualidade de gravação . De um show realizado na Praça do Relógio na USP em 1983 temos “Canalha” , na qual os fraseados atonais e dodecafônicos de Arrigo Barnabé dão um ainda mais experimental no rock de Walter Franco , percebemos que a eqüalização deixa a desjar . Outra faixa em que as condições de gravação também não ajudam é “Sonhos de Um Palhaço” (Antônio Marcos – Sérgio Sá ) , obtida de uma fita cassete que registrou um show de Jards Macalé realizado no início de 1992 , em uma festa na casa do fotógrafo Mário Luiz Thompson , no qual Macalé prestou uma rápida homenagem a Antônio Marcos , que acabara de falecer .
As três faixas finais são de artistas mais novos , na antepenúltima temos o grupo Pato Fu executando “Asa Linda” ( versão de Augusto de Campos para Little Wing de Jimi Hendrix ) , música que já havia sido gravada em 1982 por Tiago Araripe . A penúltima é o clássico da música brega “Cadeira de Rodas” ( Fernando Mendes – José Wilson – Edir ) na voz de Zeca Baleiro , com Tuco Marcondes tocando violão folk e André Bedurê tocando baixo . Finalmente , fechando com chave de ouro temos Paulo Padilha acompanhado pelo baterista André Magalhães cantando “Waldomiro”, um samba meio marchinha , que descreve um encontro de um sujeito com um amigo que dizia estar na pior , mas na verdade era tudo uma farsa … a mulher de Waldomiro dizia que fazia mais de um mês que ele não dormia em casa …
Enfim , como pude sumariamente descrever , este não é um CD : é um colar de variadas pérolas , cada qual oriunda sua profundeza particular , de um abismo marinho diverso … mas todas pérolas , todas .
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