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ULYSSES – James Joyce – Editora Penguin /Companhia das Letras – Tradução Caetano W. Galindo 

SIM, EU DIGO SIM – Caetano W. Galindo  – Editora Companhia das Letras 

Neste ano, além do centenário da Semana de Arte Moderna, outro evento na história da arte também completa 100 anos: a publicação de “Ulisses” de James Joyce.

Finalmente terminei minha segunda releitura de Ulisses… ganhei de meu pai em meados dos anos 80 a primeira tradução em português de Antônio Houaiss… tentei ler umas duas vezes, mas não fui adiante… Em 2000 finalmente tomei coragem e consegui ler… cinco anos depois, quando foi publicada a segunda tradução do livro, a cargo da Bernardina da Silveira Pinheiro, eu fiz minha primeira releitura, amparado não só nas notas da tradutora (*) como no livro “Homem Comum Enfim” de Anthony Burguess e no guia das ruas de Dublin (Eyewitness Travel Guides).

Agora finalizei a segunda releitura, a tradução de Caetano W. Galindo, complementando com seu livro explicativo, com releituras a diversos contos de Dublinenses (do mesmo autor), com o site Ulysses Guide https://www.ulyssesguide.com/(que possibilita verificarmos os locais em que são passados o romance), com trechos do livro “James Joyce e Seus Tradutores” – Dirce Waltrick do Amarante – Editora Iluminuras e com o artigo “De Ulysses a Ulisses” de Augusto de Campos publicado no livro “Panaroma do Finnegans Wake” – Editora Perspectiva. 

Um livro é como o mar, você pode nadar na superficie com uma máscara e um snorkel e observer superficiamente, você pode mergulhar com uma roupa de neoprene e um cilindro de oxigênio e observar melhor suas profundidades ou pode usar um escafandro e ir até os abismos marinhos…  é obvio que nem toda a superfície marinha é profunda e em parte dela não precisamos de escafandros, como também na literatura também existem livros nos quais não conseguimos nos aprofundar, porém existem livros que possibilitam diversos níveis de leitura…

Ulisses, a grosso modo, é a narração de um dia cotidiano de um homem comum (Leopold Bloom), sua mulher (Molly Bloom) e um jovem (Stephen Dedalus), mostrando paralelos com um epopéia (no caso a Odisséia), mostrando que no dia-a-dia de um simples cidadão ou cidadã, podem estar imbuídos acontecimentos épicos, que muitas vezes passam despercebidos. Mas este paralelismo entre “Ulisses” e a ”Odisséia” embora exista, não é tão rígido como possa parecer…  existem outros paralelos entre “Ulisses” e outras obras, que nem todos percebem: por exemplo, no capítulo inicial o personagem Stephen Dedalus ao imaginar o fantasma da mãe falecida na torre onde habitava, evoca a aparição do fantasma do rei assassinado que vemos no início de Hamlet…

Na verdade a mágica de “Ulisses” está na linguagem… esta é a meu ver o principal personagem… não só cada um dos dezoito capítulos é escrito em uma linguagem específica, como no episódio “Gado ao Sol” temos um estilo que começa salustiano-tacitiano, passando a um inglês aliterativo e monossilábico, depois a um estilo elizabeteano, depois ao estilo miltoniano até chegar numa mistura de inglês pidning, inglês negro, cockney, irlandês, giria bowery, etc. Este episódio se passa em uma maternidade, quando Bloom resolve visitar uma conhecida que está para dar a luz e encontra Stephen no bar da maternidade pagando bebidas para seus amigos. A evolução da língua inglesa (mostrada nesta diversidade de estilos) é comparada a evolução do feto, do óvulo até o nascimento…

Esta variância de estilos é o grande desafio enfrentado pelos tradutores, além do problema dos neologismos (palavras compostas)… Este é um capítulo a parte. As línguas inglesa e alemã, já possuem palavras compostas como no inglês “typewriter” (tipo+escritor: máquina de escrever) ou no alemão “streichholzschachtel” (risco+madeira+caixa: caixa de fósforos).

 No português não temos normalmente estes neologismos, embora alguns precursores de uma nova linguagem já tenham criado coisas como “olhicerúlea” “criniazul” (Odorico Mendes), “capribarbicornipedesfelpudos” (Filinto Elísio) e “verdevivas” “luz-negrores” (Sousândrade) ,escritores estes já falecidos antes de James Joyce conceber Ulisses. 

Porém para traduzir Ulisses, nossos três heróis (Houaiss, Belarmina e Galindo) tiveram que se virar, criando soluções não só para estas palavras compostas, como para os palíndromos, aliterações, rimas internas e outros recursos literários… soluções estas, muitas vezes geniais, outras vezes deixando um pouco a desejar em face das características das linguas inglesa e portuguesa… mas se compararmos com as traduções francesa, espanhola e italiana, as traduções brasileiras saem ganhando…

Para finalizar, aqui vai a versão de uma das mais belas frases do livro nas três traduções:

 “The heaventree of stars hung with humid nightblue fruit”

“A árvorecéu de estrelas pejada de húmido fruto úmido noitazul.” (António Houaiss)

“A árvorecéu de estrelas pairava com o fruto úmido da noiteazul.” (Bernardina da Silveira Pinheiro)

“A celestárvore de estrelas prenhe de úmido fruto azulnoturno.” (Caetano Galindo)

 (*) A tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro tem um diferencial: em suas notas estão traduzidos os trechos de Ulisses escritos em outras linguas (latim, grego, francês, italiano, alemão, hebraico, húngaro, etc.) Eu mesmo nesta releitura da tradução do Caetano Galindo, muitas vezes consultei a tradução da Belarmina para verificar estas notas. Se você quiser se aventurar nesta difícil empreitada, eu recomendo a tradução da Bernardina da Silveira Pinheiro como a mais apropriada.

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