AUSTERLITZ – W. G. Sebald – Tradução: José Marcos Macedo – Editora: Companhia das Letras
Este é um daqueles livros em que o narrador encontra uma pessoa que narra a sua estória… porém diferentemente de “A Sonata de Kreutzer” (Tostói) ou “Grande Sertão Veredas” (Guimarães Rosa) onde o personagem conta sua vida em uma só tacada, no livro de Sebald a estória é contada aos solavancos… no início o narrador encontra o personagem, Austerlitz, por acaso na estação ferroviária de Antuérpia, onde divagam primeiro sobre a arquitetura daquela estação projetada por Louis Delacenserie, passando a conversar sobre a arquitetura militar, em especial sobre a fortificação em forma de pentágono construída para defender Antuérpia projetada pelo engenheiro italiano Francesco Paciotto. Tempos depois, voltam a se encontrar por acaso em Liége e em Zeebruge, quando o narrador descobre que Austerlitz é um professor de história da arte residente em Londres e passa a visitá-lo sempre que vai para capital inglesa… Porém eles perdem o contato por duas décadas e só voltam a se encontrar por acaso na estação ferroviária de Liverpool, onde a conversa é retomada do ponto em que tinha sido interrompida …
Diferentemente também dos livros retomencionados, é que neste caso Austerlitz a princípio não sabe bem qual é a sua própria estória, pois fora criado no País de Gales por pais adotivos e aos quatorze anos descobre que seu nome verdadeiro não era Dafydd Elias, mas Jacques Austerlitz… e enquanto vai esporadicamente se encontrando com o narrador e discutindo os mais diversos assuntos, Austerlitz vai descobrindo seu passado e para tal, percorrendo outros países e aprendendo outras línguas …
Em meio esta narrativa, temos considerações sobre os cercos de Antuérpia (em 1832 e em 1914), a batalha de Austerlitz (onde Napoleão derrotou as forcas russas e austríacas em 1805), uma aquarela de Turner (“Funeral at Lausanne”), a arquitetura de diversas estações ferroviárias, a história de Terezín (uma fortificação tcheca construída e no século XVIII que se tornou um campo de concentração na Segunda Guerra Mundial), a construção da Biblioteca Nacional da França (um monstrengo projetado por Dominique Perrault, na série de monumentos horrorosos que a gestão de Mitterand impingiu à cidade-luz como aquela pirâmide medonha no Louvre), com o respectivo fechamento da Biblioteca Richilieu (*) muito mais charmosa e aconchegante, a cidade balneário de Mariembad (Mariánské LáznÄ›), o pintor italiano Gastone Novelli (que chegou a residir no Brasil entre 1950 e 1954, participando das duas primeiras Bienais de São Paulo), etc.
Enfim, trata-se de uma grande obra, misto de ficção, ensaio e relatos de viagem, ilustrada com uma série das mais estranhas fotografias (que o personagem teria doado ao narrador)… vale a pena ler, principalmente pela noção de um capitalismo nebuloso e crepuscular no qual a opressão, a crueldade, a ganância e uma demência disfarçada de racionalidade, permeiam uma suposta ordenação do espaço urbano e rural, gerando cenários de abandono e desolação em ambientes desumanos supostamente glamurarizados… Leiam!!!
(*) Construída em 1635 a Biblioteca Richilieu estava fechada em 2001 (quando Sebald escreveu este livro, mas felizmente foi reaberta em 2016).
Post a Comment