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RICARDO II – William Shakespeare – Tradução: Barbara Heliodora – Editora Nova Fronteira

Outro dia, lendo “A Sombra do Vulcão” de Malcolm Lowry, deparei-me com uma citação de Shakespeare sobre um “cormorão (*) insaciável”. Fui pesquisar e descobri que a frase do bardo inglês estava na peça Ricardo II:

“A vaidade, cormorão insaciável, devorando seus meios, devora a si próprio.”

Após um tempo, finalmente li “Ricardo II”, peça histórica baseada no personagem homônimo, também conhecido como Ricardo de Bordeaux, que governou a Inglaterra entre 1377 e 1399. É a única peça de Shakespeare que trata sobre a deposição de um rei… No caso, Ricardo II, acusado de ter tramado o assassinato de seu tio para ususpar o trono, se vê obrigado a exilar seu primo Henrique de Bolingbroke, duque de Hereford, que havia se envolvido em um duelo com outro nobre, Mowbray, Duque de Norfolk.

Após a morte do Duque de Lancaster, Conde de Gaunt (pai de Bolingbroke e proclamador da frase retromencionada), Ricardo II usurpa os bens de seu primo e vai para a Irlanda combater os rebeldes. É interessante que como ele não tinha dinheiro para sustentar esta guerra, ele toma emprestado de outros poderosos e concede aos mesmos os direitos de cobrar impostos da população (ou seja, no século XIV já existiam as privatizações).

Henrique volta do exílio com um exército e os nobres descontentes com o governo de Ricardo II, decidem se unir a ele… quando o rei retorna da Irlanda, verifica que não possui mais apoio e abdica em favor de seu primo, que passa a se chamar Henrique IV.

Quando na prisão, entre momentos de loucura e arrependimento, Ricardo II profere vários discursos que são o ponto alto da obra:

“Gastei meu tempo, e hoje o tempo me gasta; O tempo fez de mim o seu relógio: Idéias são minutos, que suspiram Marcando em meu olhar, o mostrador, A hora que o meu dedo, que é ponteiro, Fica indicando, ao me limpar as lágrimas.”

Talvez o ponto mais interessante desta peça (e talvez de todas as obras históricas de Shakesperare) seja o distanciamento entre a figura histórica de Ricardo II (que jamais teria a capacidade de elaborar um discurso tão requintado) e o personagem shakesperiano Ricardo II… ou seja, uma obra de arte é uma uma obra de arte e não uma biografia: a grandeza de um autor, seja escritor, dramaturgo, cineasta ou ator é enriquecer e dar complexidade ao personagem histórico… não fazer igualzinho, tim-tim por tim-tim.

Seja como for,como diria Harold Bloom, é lendo Shakespeare é que nos tornamos civilizados.

(*) cormorão: corvo-marinho, no Brasil também é conhecido como biguá

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