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O RESTAURANTE

Em meio a terrível pandemia Josias Germano abria o portão de sua residência para tirar o carro com o intuito de ir até o supermercado comprar mantimentos, quando sua fiel escudeira Marília Olávia, reparou um movimento estranho no restaurante italiano existente no lado oposto do quarteirão e pediu para que ele fosse averiguar… ao se aproximar ele sentiu um frio na espinha ao perceber o que de fato estava acontecendo… uma coifa prateda na calçada, funcionários de dois caminhões de mudanças a rechear os mesmos com mesas cadeiras e demais equipamentos… era o sinal que este era um dos inúmeros estabelecimentos que estavam fechando as portas em meio a crise… a exemplo do La Frontera ao lado do cemitério da Consolação, do PASV na Av. São João, do Itamaraty na R. José Bonifácio, do Cedro do Líbano na R. Pamplona… o Italianinho era mais um de uma série de casas que jamais iriam abrir novamente suas portas para abrigar seus fiéis fregueses…

Após bater palmas Josias Germano viu emergir dos escombros do que já não era mais um restaurante, o até então proprietário Saulinho e sua simpática esposa: eles confirmaram a triste notícia, informando que estavam se retirando para o interior do estado… neste momento Marília Olávia chegou e percebendo o que estava acontecendo começou a chorar…

Após se mudar para aquela rua, cerca de quinze anos atrás, Josias Germando não deu muita bola para aquele restaurante… foi um par de vezes, … quando Marília Olávia foi morar com ele , ambos só iam de vez em quando… porém um dia perceberam que O Italianinho servia uma bisteca  à fiorentina magnífica (uma carne esplêndida grelhada com folhas de louro e alho-poró). Nem em Firenze não comeram uma bisteca melhor do que aquela… então entenderam que se explorassem melhor o cardápio poderiam encontrar pérolas semelhantes… o que verificaram ao experimentar o tagliatelle com lulas ao limão, o penne com camarão flambado na vodka, o gnocchi com iscas de pescada, os risotos de alho poró e de beterraba com presunto crú, o filé Oswaldo Aranha, etc… e todos estes pratos eram acompanhados de uma carta de vinhos  e espumantes criativa e com preços honestos … sem falar de algumas entradas com a burrata, e das sobremesas…

 Mas além dos comes e bebes, o que transformou O Italianinho em um refúgio entre as pradarias de mediocridades urbanas, foi o calor humano… a começar pelos simpáticos amigos que Marília Olávia reencontrou lá: Gáudio e Luzia que junto com um casal de amigos, Cristiane e Délio propiciaram uma adorável companhia… depois, pelos garçons…

Particularmente o nosso protagonista detesta ser servido por estes jovenzinhos de roupas pretas e gel no cabelo… para ele garçon é garçon… de preferência mais velho do que eu e que possa chamar pelo nome…

No O Italianinho trabalhavam dois garçons de verdade e magníficos: Claudemir, um gentleman discreto e classudo que fazia uma capirinha exemplar, e o Tatá… este era a alma do lugar… em primeiro lugar era são-paulino… isto é fundamental: o Tatá jamais poderia ser corintiano, flamenguista, gremista ou torcedor do clube atlético mineiro… um garçon perfeito só pode ser torcedor do mesmo time do presente cliente, pois sabia a hora de se calar e a hora de zombar… em segundo lugar, Tatá sabia tudo sobre seu ofício, desde os pratos servidos  (muitos não estavam no cardápio, mas que ele assegurava que poderiam ser executados para o desepero dos cozinheiros) até  os vinhos disponíveis (sempre indicava vinhos com ótimo custo-benefício, geralmente espanhóis ou italianos)… em terceiro lugar ele era muito espirituoso… com um raciocínio rápido suas tiradas era geniais… um nível de humor sutil… as vezes Josias Germano conseguia retrucar a altura… uma vez após pedir uma bisteca a fiorentina e o Tatá afirmar (brincando) que a carne tinha acabado… o nosso protagonista retrucou indagando se não tinha restado nem um filé do açougue do “seu Manuel” que ficava duas ruas acima… (na verdade o “seu Manuel” não possuia açougue algum, mas sim uma pequena sapataria)…  Foi uma das únicas vezes em que o garçon olhou para o costumeiro cliente querendo dizer “reconheço que hoje você foi mais esperto”.

Mas o fator principal que fazia O Italianinho um restaurante especial era o proprietário Saulinho… além da competência e criatividade, o que chamava atenção era a dedicação… em muitas oportunidades quando via Josias Germano e Marília Olávia adentrarem seu estabelecimento ele fazia a questão de ir para a cozinha para preparar pessoalmente os pratos solicitados… outra coisa que chamava atenção era o caráter sazonal do cardápio… muitas vezes as lulas, os camarões, as bistecas estavam fora do cardápio… quando a matéria prima não estava a contento, Saulinho preferia não disponibilizar estes pratos para os clientes…  Outra habilidade do Saulinho é o conhecimento de vinhos e espumantes… a carta de bebidas sempre reservava surpresas… a última que nossos protagonistas  foram surpreendidos, foi com a aparição dos vinhos e espumantes Aracuri… uma maravilha que deveria  elencar a indústria vinícola brasileira à uma posição mais respeitável.

Agora tudo acabara… aquele imóvel vazio em meio aos restaurantes vizinhos (um português , outro japonês) fazia com que aquele sobrado que abrigava os três estabelecimentos parecesse uma boca banguela… Em meio a pandemia Josias Germano e Marília Olávia sabiam que por pior que fosse, aquele era um mal menor: muitos já foram e iriam ser levados pela pandemia e outros ficariam na miséria… Pindorama estava nas mãos de um governo incompetente e execrável… o pior tipo de gente possível eleito pelo pior povo possível… Josias Germano lembrou que a auto-definição do principal personagem de Herman Melville cabia como uma luva em nosso presidente emboaba: “não sou louco… sou demoníaco… sou a própria loucura enlouquecida”… era o capitão Ahab que devido a sua obsessão pela vingança com a baleia branca (que arrancara sua perna), leva seu navio ao naufrágio … um presságio de muitos governantes que embuídos de monomanias afundam seus países trazendo a morte e a desolação para seus habitantes: do cabo Adolf ao capitão Jair…

Não há mais jeito, ponderou Marília Olávia… somos uma nação chamada desastre… muita coisa ruim ainda irá acontecer… Ambos estavam muito tristes… não tanto pela falta do restaurante adorável do outro lado da rua, mas principalmente pelo futuro do Saulinho, do Tatá, do Claudemir e do pessoal da cozinha, gente adorável que mereceria um destino mais digno, fosse este país algo semelhante a um país de verdade e não algo que já é (e em um futuro próximo vai se tornar ainda mais) uma vergonha planetária…

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