Skip to content

A PALAVRA

Paulo Álvares Parolli estava em crise… Poeta intuitivo, alcançara a celebridade com dezessete anos ao publicar seu livro “O Martelar Sintáxico”… Na verdade tudo fora sem querer, em um estilo composto de frases desconexas porém rimadas (escritas a esmo), salpicadas por algumas palavras “difíceis” (como “semiótica”, “significante”, “léxico”, etc) ele fez um sucesso estrondoso em sua estréia… Publicou ainda mais três livros: “Morfologia Dormitante”, “Mobilidade Líqüida” e “Emoções Binárias”… porém, toda a vez que tinha que dar entrevistas era aquela insegurança, uma vez que ele não lera muito e temia dar alguma opiniâo equivocada.

Com o passar do tempo o nosso protagonista resolveu se instruir… leu vários poetas, mas ficou impressionado mesmo foi com as duas primeiras frases do poema “Literato Cantabile” de Torquato Neto:

“agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada”

Procurando entender o significado desta frase passou a se aprofundar nos estudos literários, e só achou a resposta ao ler “Que É a Literatura?” de Jean-Paul Satre… Neste livro o escritor francês afirma que o poeta não vê a palavra como um signo de um aspecto do mundo, mas como a imagem deste aspecto. Ou seja, a palavra, na poesia, não é um meio de significar uma idéia (como funciona na prosa), mas é o ícone desta mesma idéia. Seu aspecto visual, sua sonoridade sua extensão antes representam do que expressam o significado… daí a serem armadilhas… ciladas…

Aquela revelação transtornou Paulo Álvares Parolli … se as palavras que ele escrevia em seus poemas não eram o significado de sua expressão artísticas mas a sua imagem, onde estaria o sentido pleno da palavra??? Em que lugar ???

Uma noite o nosso protagonista sonhou com o bondinho de Santa Teresa… naquele letreiro que tem em cima da cabine do motorneiro, que diz o destino do bonde, estava escrito o seguinte topônimo: PALAVRA

No dia seguinte ele foi para a Cidade Maravilhosa e se hospedou no bairro de Santa Teresa, porém passada uma semana vasculhando o bairro, não encontrou nenhum indício do significado pleno da palavra… já estava desanimado achando que aquele sonho fora uma besteira e para não perder a viagem resolveu comer uma feijoada no famoso “Bar do Mineiro”… entrou lá, porém o local estava cheio, mas conseguiu a única mesa que restava… pediu uma feijoada e uma cerveja e enquanto esperava o garçom trazer a bebida notou que um monge entrara no bar… o religioso, já bastante idoso, procurava um lugar em vão… Paulo Álvares Parolli então resolveu fazer uma boa ação e perguntou ao monge se ele não queria se sentar em sua mesa…

O monge apesar da idade, era bom de copo e acompanhou o nosso protagonista na cerveja… quando questionado sobre o fato, o religioso respondeu:

– “Pecado é tomar bebida light, pois a LUZ verdadeira não está dentro de uma garrafa de refrigerante.”

– “E a PALAVRA verdadeira onde está???” perguntou o nosso protagonista.

– “A PALAVRA verdadeira está no centro geométrico do coração de cada indivíduo”.

– “Ora, esta resposta é muito vaga… e o sentido pleno da palavra??? Onde ele está??? Onde eu posso encontrá-lo???” O monge tomou um longo gole, sorriu de satisfação e disse calmamente:

– “Veja bem… uma coisa é uma coisa… outra coisa é outra coisa… a PALAVRA é uma coisa, enquanto que seu sentido pleno é outra coisa… há muito tempo um dos monges da minha ordem, um franciscano, deixou cravada em um dos muros de uma fortaleza, uma inscrição em latim… diz a tradição que aquele que conseguir ler a inscrição saberá definitivamente o sentido da palavra e poderá então compreender qualquer coisa escrita na sua totalidade… Este forte está situado no litoral uruguaio e fora visitado pelo tal monge a convite de José Gervasio Artigas, um político e militar uruguaio, antes que Manuel Marques de Sousa retomasse o forte para os portugueses em 1816 na campanha que Dom João XVI empreendera para construir a província Cisplatina…

– “Qual o nome desta fortaleza???”

– “O mesmo deste bairro: Santa Teresa!!!”.

Paulo Álvares Parolli percebeu que o sonho era profético… levantou-se imediatamente, acertou a conta (deixando mais duas cervejas pagas para o monge) e saiu apressado. No albergue apanhou sua mochila, passou em um sebo onde comprou uma gramática de latim… e pé na estrada…

Dizem que agora ele já cruzou a fronteira e já está na Carretera 9, a poucos quilômetros do Forte de Santa Teresa… talvez não encontre a inscrição… mas já pensou em deixar a poesia de lado por um tempo e escrever um romance autobiográfico que se chamará “De Santa Teresa à Santa Teresa”.

Post a Comment

Your email is never published nor shared. Required fields are marked *