COM MUITO SABOR
Ao sair da redação da revista “Le Gourmet” na quinta-feira , Dimas Carlos Tibério transmitia um enorme entusiasmo , pois o nosso protagonista tinha a certeza de que aquele seria o primeiro de uma série de artigos que lhe abririam as portas para o seleto círculo da alta gastronomia .
Na terça-feira seguinte ao receber a notícia de que sua matéria fora recusada, Dimas começou a achar que jamais seria mais do que um simples dono de restaurante por quilo , que ficaria condenado para sempre a preparar , salpicão de frango , arroz , feijão , bife-rolé , rondelli de presunto-e-queijo e outras mediocridades …
O artigo em questão se intitulava “A Verdadeira História da Feijoada” , e explicava que a feijoada não surgiu como o prato que os escravos faziam com as sobras da comida da casagrande , uma vez que a matemática não batia , pois cada senhor de engenho tinha em média uns quatrocentos escravos , ou seja , as partes menos nobres do porco que sobravam não eram suficientes para tanta gente . Outro fator que demolia este mito era que o sal era muito caro na época , o que obrigava os escravos a se alimentar básicamente de angu e de laranja . Havia ainda a informação que orelha de porco e outras partes , sempre foram consideradas iguarias em Portugal , inclusive constando em antigas receitas. Tudo isso não é grande novidade , o que causava polêmica mesmo , era a tese que reinvidicava que a carne usada primeiramente não era carne suína , mas carne de roedor . Na opinião de Dimas , a origem da feijoada deu-se durante as navegações , quando os marinheiros famintos incrementavam o sofrível feijão servido com os ratos oriundos dos porões das caravelas. Mais tarde , na terra recém descoberta foram usados os animais disponíveis , principalmente a paca e a capivara . Somente com a chegada da suinocultura nas terras de Pindorama é que o panorama se modificou .
Enquanto preparava a feijoda que seria servida no dia seguinte , o nosso protagonista começou a beber uma bagaçeira artesanal que uma amiga sua , também proprietária de restaurante , trouxera da cidade portuguesa de Barcelos. Quando faltava um quarto para terminar a garrafa Dimas avistou uma enorme ratazana . Ficou olhando para ela em silêncio durante uns quinze minutos enquanto balbuciava palavras inenteligíveis , quando então matou o animalzinho a vassouradas e resolveu preparar a verdadeira receita da Feijoada … Comeu sozinho e adorou … achou que jamais comera algo semelhante …
Ao chegar em casa , tarde da noite , contou sua descoberta para esposa que ficou enojada e proibiu-o de beija-lá , e começou até em falar em divórcio … Dimas percebeu então que era só dar uma aparência de higiene que não teria problema nenhum , afinal se tem gente que come hamburguer de minhoca , porque é que não haveria pessoas dispostas a comer carne de rato… Começou então a criar os animais em laboratório , seguindo todas as recomendações da vigilância sanitária , convenceu a família a experimetar e depois os amigos : todos adoravam o prato , que foi batizado de Feijorat ( pronuncia-se Feijorrét ) . Só faltava servir no restaurante … para isto , Dimas contou com a colaboração de um hábil acessor de imprensa que publicou uma matéria afirmando que do mesmo modo que a dominação americana impôs o hamburguer no Século XX , a ascenção da China como potência dominante iria fazer com que todo mundo copiasse os hábitos alimentares chineses , entre eles o consumo da carne de rato , e que o restaurante do nosso protagonista ( agora rebatizado “O Rei da Feijorat” ) estava na vanguarda ao incorporar esta tendência estrangeira à tradição brasileira, tal qual os modernistas e tropicalistas .
No início somente yuppies e a comunidade chinesa frequentavam o local , mas com o passar do tempo o público foi crescendo , crescendo e crescendo mais ainda , sendo que Dimas passou a ampliar o cardápio com uma versão light ( a Feijohamster ) , com pratos da culinária baiana ( Acararat e Abararat ) e até francesa ( Cassourat ) .
Dizem que ele estuda até a criação de franquias para o ano que vem …
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