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ALMOÇANDO COM TROGLODITAS

Silvestre Malaquias sabia que não deveria ir àquele almoço com seus companheiros de escritório , mas era aniversário do gerente e não havia maneira de escapar , uma vez que ele mesmo sabia que deveria melhorar sua imagem dentro do ambiente de trabalho , afinal não conversava com ninguém de seu meio profissional , com exeção do pessoal da limpeza e porteiros … não que fosse tímido , pelo contrário , mas simplesmente , não se sentia à vontade no convívio cotidiano em meio aquelas pessoas toscas , com visões de mundo tão tacanhas , que não liam nada , que só iam ao cinema ver as mesmas coisas de sempre , que davam apelidos aos outros baseados em personagens de novelas ou reality-shows , que ( mesmo gastando um bom dinheiro ) se vestiam mal , que reclamavam dele quando ele pedia um prato com curry ( achavam que o tempero indiano fedia ) , que enfim , eram despreparadas para um entendimento pleno da vida.
Mas foi . E não gostou , não gostou da churrascaria chique moderninha ( com piso de granito e uma hosstess emboaba que usava um taileur sofrível ) , não gostou das auxiliares administrativas tomando Amarula achando que estavam abafando , não gostou dos garçons que não paravam de chegar oferecendo as mais variadas coisas , não gostou do encarregado financeiro dizendo com orgulho que só comia carne bem passada , não gostou da secretária-assistente que comeu casquinho-de-siri e depois linqüiça calabresa , não gostou das conversas altamente fúteis ( sobre se uma pessoa que estava em outra mesa da churrascaria era ou não era uma atriz de novela ) , não gostou dos comentários maliciosos e do ar de espertinho da pessoa que proferiu tais comentários , não gostou dos batuques com os talheres ( em ritmo frenético ) , não gostou da brincadeira esperta das pessoas presentes ficarem ligando uns para os outros nos celulares , não gostou da baixa criatividade das pessoas presentes ao escolherem os temas para as músicas de seus celulares , não gostou da funcionária do departamento pessoal que se achava elegante vestindo blusa com estampa de pele de onça & calça preta de fuseau & sapato salto 12 cm ( para provocar o Supervisor de Produção ) … enfim aquela vulgaridade , aquela bestialidade , o agredia …
Mas o pior era a guerra de bolinhas de papel e de palitos de dente em meio aos gritinhos histéricos das funcionárias e as gargalhadas boçais dos funcionários … não aquilo era demais … Silvestre Malaquias então respirou fundo , estalou o dedo três vezes , se levantou calmamente e disse aos berros : – “Chega !!! Chega !!! Eu não agüento mais esta nojeira !!! Eu não agüento !!! Chega !!! Chega !!! De palhaçada já chega !!!” E então , ele puxou a toalha rápidamente derrubando pratos copos e talheres … A churrascaria ficou muda , todos paralisados , silêncio sepulcral …
De repente , um sujeito de meia idade se aproximou do nosso protagonista e trocou algumas palavras em alemão … Silvetre Malaquias se levantou e os dois se retiraram rápidamente do recinto …
Na verdade o sujeito de meia idade era um diretor consagrado do Cinema Alemão , cujo nome não me recordo , mas que tendo observado o ato deseperado de um pobre ser pensante ( em meio aquele festival de atrocidades que costumam ser as comemorações de firma ) percebeu que Silvestre Malaquias seria o ator ideal para seu próximo longa , “Verklärte Nacht” . A película ( baseada no poema de Richard Dehmel , na música de Arnold Schoenberg e filmada no litoral norte de São Paulo , mais precisamente na barra do Una ) foi premiada no festival de Cannes e o nosso amigo recebeu o prêmio de melhor ator …
Mas , naquele fatídico escritório ninguém soube deste fato , porque não passou no Fantástico … nem no Faustão …

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