SAGRADA FAMÍLIA
“Estes livros , por muitos que sejam , sempre se devem imprimir , porque há muitos pecadores , e são necessárias infinitas luzes para tantos desalumiados.”
( Cervantes )
Esta explanação de Dom Quixote sobre a urgência da publicação de livros religiosos , poderia ser , sem nenhum problema , transportada para o universo da realização de filmes experimentais , e então poderíamos parafrasear o famoso escritor espanhol dizendo :
Estes filmes , por poucos que sejam , sempre se devem ser exibidos , porque há muitos …
Pois é , anteontem fui assistir “Sagrada Família” de Sylvio Lanna , rodado em 1970 , com a imagem totalmente dissociada do som : este , uma espécie de colagem musical ao estilo de Revolution 9 dos Beatles : “Mini-Mistério” de Gilberto Gil interpretada por Gal Costa ( com Lanny Gordin na guitarra ) , cantigas infantis , Jimi Hendrix , gargalhadas , “Eu Disse Adeus” de Roberto e Erasmo cantada à capela por uma das atrizes , buzinas , percurssões , “Jesus Cristo” também de Roberto e Erasmo , interpretada aos berros por todo o elenco , frases soltas …
As imagens : uma famíla deixando uma cidade grande ( primeiro em um Galaxy depois em uma Rural ) e indo a cidades cada vez menores até parar no meio do mato , onde irão encontrar a ruína ( será uma metáfora do processo descivilizatório em que vivemos , no qual estamos sendo conduzidos à barbárie ??? )
Quem não está acostumado ( como a pobre dama que me acompanhou ) estranha … e como estranha …mas apreciará muitíssimo aquele que conseguir assistir um filme no qual a casualidade ( ou seja a relação causa e efeito ) passe a não valer quase mais nada ( é como que cada cena fosse gratuita , pois o fio condutor da estória é muito tênue , quase imperceptível ) . Quem for ao cinema , livre daquele pensamento : – “E o que é que vai acontecer agora ?” conseguirá dar risada e sairá da sala de exibição achando que assistiu uma boa película …
E para completar , um trecho sobre “A Sagrada Família” de um artigo de Silviano Santiago publicado em 1986 :
“A cena é muda ( como nos bons velhos tempos de cinema ) e a trilha é sonora . Ambas guardam a sua autonomia e percorrem caminhos diversos , divergentes . Nem mesmo as vozes da trilha são as dos atores da imagem . Desencontro entre o percurso da cena e a viagem da trilha , desencontro revelador dos mistérios do cinema e dos labirintos da década de 70.”
Já ia esquecendo : para quem mora em São Paulo de Piratininga , vai passar de novo nesta sexta dia 23 às 19:00 hs na Sala Cinemateca ( Largo Senador Raul Cardoso 207 fone 5084-2177 ).
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