CAMPO SANTO – W.G. Sebald – Companhia das Letras – Tradução: Kristina Michahelles
Estes escritos póstumamente publicados de Sebald provem de duas fontes distintas: a primeira são esboços de um livro nunca concluído, misto de relato de viagem e ensaios filosóficos, na mesma linha do “Os Anéis de Saturno”, só que no lugar do litoral sudoeste da Inglaterra, o local visitado foi a Córsega… a segunda fonte são críticas literárias que foram lançadas em diversas revistas literárias e agora vem à tona agrupadas…
Da segunda parte, valem as observações sobre as pinturas de Peter Weiss, o resumo sobre a livro “Tinset” de Wolfgang Hildesheimeiner (que dificilmente irei ler em face não haver tradução na lingua portuguesa), sobre o livro “Kafka vai ao Cinema” de Hans Zischler, sobre a obra de Bruce Chatwin, cujo livro”Patagônia” pretendo ler, em breve…
Da parte inicial o destaque fica por conta do texto que dá nome ao livro: “Campo Santo”, um ensaio sobre o passeio que o escritor fez ao cemitério de Piana, descrevendo sua vegetação com herbários autocónes, a disposição das sepulturas segundo as classes sociais, os rituais de luto elaborados, bem como o costume dos locais de trajar roupas de luto por um longo periodo, o que fazia com que a paisagem local lembrasse as pinturas de Nicolas Poussin (“A Morte de Germânico”, “Massacre dos Inocentes”). Mas o mais impressionante são as lendas sobre os agrupamentos formados pelas pessoas falecidas a “communitá dei defunti” que vagavam pelos campos sussurando em voz de falsete, em uma conversa na qual única coisa que os humanos normais conseguiam distiguir era o nome da próxima pessoa que viria a integrar o tenebroso grupo… Outra lenda interessante é sobre os “acciatori”, pessoas que durante a noite deixavam seus corpos (em uma espécie de viagem astral) e ficavam agachados junto a rios ou fontes e esganavam coelhos ou raposas que vinham beber água e reconheciam no rosto dos animaizinhos agonizantes, o rosto do próximo membro da comunidade que iria falecer… porém, hoje está tudo mudado… e no final do texto Sebald dá sua explicação sobre o motive da mudança:
“Para onde vão os mortos de Buenos Aires e São Paulo, da Cidade do México, de Lagos e do Cairo, de Tóquio, Xangai e Mumbai? Pouquíssimos irão para uma tumba fria. E quem ainda se lembrará deles? Quem é que se lembra, de maneira geral? Memória, conservação e manutenção, escreveu Pierre Bertaux sobre a mutação da humanidade trinta anos atrás, tinham importância vital apenas numa época em que a densidade demográfia era reduzida, os objetos produzidos mais escassos e o espaço, abundante. Não se podia abrir mão de ninguém, mesmo que já tivesse morrido. Já nas paisagens urbanas do final do século XX, em que qualquer um pode ser substituído e, na verdade já é excedente desde a hora em que nasceu, importa em descartar continuamente tudo de que podemos nos lembrar, esquecendo-nos sem piedade da juventude, da infância, da origem, dos antepassados e dos ancestrais.”
Penso que só este conceito de que “hoje somos excedentes desde a hora que nascemos” já vale o livro, mas para quem nunca W. G, Sebald eu recomendo que antes leiam “Os Anéis de Saturno” ou “Austerlitz” que foram obras concebidas em integridade, seja em um relato de viagem filosófico, seja em uma obra de ficção… porém quando o escritor tem talento, qualquer “catadão de textos” já vale a pena…
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